Corte Interamericana de Direitos Humanos
O art. 33 da Convenção Americana de Direitos Humanos disciplina que são competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-Partes na Convenção, a) a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, b) a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A Corte é o órgão jurisdicional do sistema regional, possuindo competência consultiva e contenciosa, sendo composta por sete juízes nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), eleitos a título pessoal pelos Estados-partes da Convenção.(1)
A respeito do assunto, o art. 52, 1, disciplina que a Corte compor-se-á de sete juízes nacionais dos Estados-Membros da Organização, eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, que reunam as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais de acordo com a Lei do Estado do qual seja nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos, sendo certo que não poderá haver dois juízes da mesma nacionalidade (art.52, 2).
Ao contrário do que ocorre com a Comissão Interamericana onde todos os Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos têm legitimidade para indicarem as pessoas que integrarão referido órgão, no tocante a Corte Interamericana que exercerá funções jurisdicionais, somente os Estados que subscreveram a Convenção é que terão legitimidade para indicarem candidatos ao cargo de juízes.
Segundo Thomas Buergenthal, os membros da Comissão Interamericana são eleitos pelas Assembléia Geral da OEA, que é composta por todos os Estados membros da OEA, sejam ou não partes da Convenção Americana. Os juízes da Corte Interamericana, por sua vez, podem ser apenas indicados e eleitos pelos Estados-partes da Convenção Americana. Entretanto, os juízes não precisam ser nacionais dos Estados-partes. A única condição relativa à nacionalidade - e ela se aplica igualmente aos membros da Comissão Interamericana e aos juízes da Corte - é que eles devem ser nacionais de um Estado membro da OEA.(2)
É importante se observar, que os juízes da Corte são eleitos por um período de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez. O mandato de três dos juízes designados na primeira eleição expirará ao cabo de três anos. Imediatamente depois da referida eleição, determinar-se-ão por sorteio na Assembléia Geral, os nomes desses três juízes.
O juiz que venha a ser eleito para substituir outro magistrado cujo mandato não haja expirado, completará o período deste, conforme preceitua o art. 54, 2 da Convenção Americana.
Os juízes integrantes da Corte permanecerão em suas funções até o término dos seus mandatos. Entretanto, continuarão funcionando nos casos em que já tenham tomado conhecimento e que se encontrem em fase de sentença, em atendimento ao princípio denominado na teoria geral do processo de princípio da identidade física do juiz, sendo que para tais feitos, não serão substituídos pelos novos juízes eleitos.
A Corte Interamericana além da função contenciosa onde é chamada a se pronunciar a respeito da violação ou não dos preceitos disciplinados na Convenção Americana de Direitos Humanos, possui competência consultiva, onde poderá apresentar pareceres relativos à interpretação do Pacto de São José da Costa Rica ou de qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos.
Segundo Hector Fix-Zamudio a Corte Interamericana possui duas atribuições essenciais: a primeira, de natureza consultiva, relativa à interpretação das disposições da Convenção Americana, assim como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos; a segunda, de caráter jurisdicional, referente à solução de controvérsias que se apresentam acerca da interpretação ou aplicação da própria Convenção.(3)
No plano consultivo, qualquer membro da OEA - parte ou não da Convenção - pode solicitar o parecer da Corte relativamente à interpretação da Convenção ou qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. A Corte ainda pode opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação doméstica em face dos instrumentos internacionais.(4)
É importante se observar que nem todos os Estados Americanos que depositaram a carta de adesão a Convenção Americana de Direitos Humanos, neles se incluindo, o Brasil, Estados Unidos e outros, reconheceram a competência da Corte para o exercício de suas funções jurisdicionais.
Na lição de Jete Jane Fiorati, "em ambos os Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, dois são os atos que contém as decisões das Cortes acerca das questões que lhe são submetidas : as sentenças e os pareceres. As sentenças decidem dos litígios envolvendo as violações às Convenções, enquanto que os pareceres são opiniões emitidas pelo Plenário das Cortes, quando consultadas pelos Estados Signatários da Convenção (no sistema europeu) ou da OEA (no sistema interamericano).
As sentenças possuem caráter meramente declaratório, não tendo o poder de desconstituir um ato interno como a anulação de um ato administrativo, a revogação de uma lei ou a cassação de um sentença judicial. A única exceção prevista ocorre quando a decisão da autoridade da Parte Contratante é oposta às obrigações derivadas da Convenção e o direito da Parte Contratante não puder remediar as consequências desta disposição, caso em que as Cortes deverão conceder ao lesado uma reparação razoável, conforme se deflui dos arts. 50 da Convenção Européia e 63 da Convenção Americana. Quanto aos Pareceres, é digno de menção o fato de serem mais comuns no âmbito americano, haja vista de que poucos Estados partes autorizam a jurisdição da Corte em casos em que estivessem em situação de Parte Demandada.(5)
O art. 56, do Pacto de São José da Costa Rica, disciplina que o quorum para as deliberações da Corte é constituído por cinco juízes, sendo que o Colegiado sem a observância desse requisito não poderá decidir nenhuma matéria submetida a sua apreciação.
A Comissão que é a responsável pelo cumprimento e observância dos direitos disciplinados na Convenção Americana, por disposição do art. 57 comparecerá em todos os casos perante a Corte.
A Corte tem, em atendimento ao disposto no art. 58 da Convenção, a sua sede no lugar determinado pela Assembléia-Geral da Organização, mas poderá realizar suas reuniões no território de qualquer Estado-membro da Organização dos Estados Americanos em que o considerar conveniente pela maioria dos seus membros e mediante prévia aquiescência do Estado respectivo. Os Estados-Partes na Convenção podem, na Assembléia-Geral, por dois terços dos seus votos, mudar a sede da Corte.
O art. 60 da Convenção determina que a Corte Interamericana elaborará o seu Estatuto, o qual será submetido à aprovação da Assembléia-Geral e expedirá seu regimento.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos até 1993 havia julgado oito casos contenciosos. Segundo a Professora Jete Jane, "em virtude de poucos julgamentos até o presente, torna-se complexo fazer uma menção a uma jurisprudência Dominante da Corte Interamericana tendo em vista que ainda não ocorreu a cristalização de decisões pontuais, com a repetição de determinadas tendências de interpretação e aplicação da Convenção aos casos concretos de violações aos Direitos Humanos. Tem se ainda, alguns pontos comuns entre as decisões que poderão tornar-se a futura Jurisprudência do Tribunal. Atualmente só é possível a ênfase apenas a algumas tendências jurisprudenciais.(6)
No plano da jurisdição contenciosa é referência obrigatória o caso "Velasquez Rodriguez", atinente ao desaparecimento forçado de indivíduo no Estado de Honduras, o qual deu jurisdição à Corte para a realização desses julgamentos. Acolhendo a comunicação encaminhada pela Comissão Interamericana e após análise das provas apresentadas, que confirmaram a violação aos direitos fundamentais de Angel Manfredo Velasquez Rodriguez prevista no Pacto de São José da Costa Rica, a Corte condenou o Estado de Honduras ao pagamento de indenização aos familiares do desaparecido, em decisão publicada em 21 de julho de 1989,(7) sendo certo que os familiares de muitos presos políticos desaparecidos na Argentina, Brasil e Chile não tiveram a mesma sorte.
A Comissão Interamericana também encaminhou a Corte um caso contencioso contra o Estado do Suriname, concernente ao assassinato de 7 civis pela polícia do Estado. Embora no início do processo o Estado do Suriname tenha se declarado não responsável pelos assassinatos, posteriormente assumiu tal responsabilidade. Ao final, a Corte determinou o pagamento de justa e apropriada compensação aos familiares das vítimas.(8)
Os julgamentos realizados pela Corte Americana de Direitos Humanos demonstra que aos poucos a Convenção Americana vem se firmado como um instrumento garantidor dos direitos humanos na América, e que existem meios para se apurar as violações aos direitos consagrados no Pacto, e que os Estados que não respeitam as garantias fundamentais de seus cidadãos e as autoridades que fazem opção pela arbitrariedade ao invés do respeito à lei, encontram-se sujeitos a punições, nelas se incluindo indenizações as vítimas ou seus familiares.
A jurisprudência que vem se firmado na Corte evidencia que os magistrados que integram este Tribunal Internacional encontram-se preparados para julgarem qualquer questão relativa a violação dos direitos humanos, e aplicarem de forma exemplar punições no intuito de se evitar novas violações aos direitos fundamentais consagrados na Carta Americana.
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Referências Bibliográfias
1.PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 234-235.
2.BUERGENTHAL, Thomas. The inter-american system the protection. in PIOVESAN, Flávia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 235.
3.FIX-ZAMUDIO, Hector. Proteccion juridica de los derechos humanos. in PIOVESAN, Flávia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 235.
4.PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 235-6.
5.FIORATI, Jete Jane. A Evolução Jurisprudencial dos Sistemas Regionais Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos. Revista dos Tribunais nº 722. p. 13.
6.FIORATE, Jete Jane. A Evolução Jurisprudencial dos Sistemas Regionais Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos. Revista dos Tribunais nº 722. p. 20.
7.PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 238.
8. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 243
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O texto foi originariamente publicado no Site Jus Navigandi e é decorrente de um trabalho realizado pelo autor durante o mestrado, sob a orientação da Professora Jete Jane.
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