Esclarecimentos sobre a extinção dos contratos

Como todo negócio jurídico, o contrato cumpre seu ciclo existencial que vai do nascimento com o advento do consentimento, desenvolve-se, e termina. É patente que o direito obrigacional que é alimentado pelo contrato, é essencialmente transitório.

Normalmente, cessa com a prestação, a solutio é o que chamamos de sua morte natural, com consequente liberação do devedor e, a correspectiva satisfação do credor. Não importa a natureza da solução que é tema mais propício ao direito das obrigações.

Por vezes, a morte do contrato é abrupta posto que seja fulminado pela declaração de sua invalidade, quando ocorre defeito na sua formação subjetiva, ou de ordem objetiva, ou ainda de ordem formal travando assim o pleno e completo desenvolvimento da declaração de vontade e a produção de todos seus efeitos. Obstando desta forma tanto sua validade como sua eficácia.

Alude claramente Caio Mário as causas de rescisão contratual e por motivos especiais. Assim esses são revogados por fraude contra credores (tanto no caso de insolvência quanto no de falência).

Quando abordamos a teoria das arras que embora tenha função acessória, e de caráter notadamente penitencial, o que faculta obviamente o arrependimento e o desfazimento do vínculo contratual mediante a perda das arras ou sua restituição em dobro.

Já a impossibilidade da prestação que tanto na obrigação de dar quanto na de fazer, autoriza a resolução contratual com pedras e danos, se houver culpa do devedor, ou sem ressarcimento indenizatório se não a houver.

Pari passu é fundamental demonstrar que o caso fortuito e a força maior são escusativas excludentes de responsabilidade com a liberação do devedor. Salienta o insigne mestre Caio Mário que o caso fortuito é o acontecimento natural, ou o evento derivado de força da natureza, ou fato das coisas.

Conceitua-se força maior como damnum originado por fato de outrem como a invasão de um território, guerra, revolução, motim, ato emanado por autoridade (factum princpis), a desapropriação ou furto.

Não é qualquer acontecimento, mas somente aquele que impossibilita o adimplemento da obrigação. Para Caio Mário a onerosidade excessiva não se configura quer como caso fortuito, quer como força maior.

O obstáculo ao adimplemento tem que ser alheio ao poder dos contratos, oriundo da natureza ou de fato de terceiro. Requer-se, portanto que seja inevitável. E, há doutrinadores que ainda reforçam a exigência com a imprevisibilidade, o que Caio Mário repudia pois se surgiu a força indomável e suficiente para obstar o cumprimento da obrigação, o devedor não responde pelo prejuízo.

Por vezes, a imprevisibilidade determina a inevitabilidade. Para o direito positivo brasileiro tanto o caso fortuito como a força maior operam a exclusão da responsabilidade por inadimplência obrigacional.

Já na resilição voluntária temos o atuar da vontade humana que é declarada em consonância com a ordem jurídica, e como é dotada de poder jurígeno capaz de criar o contrato e, também, capaz de desfazê-lo. A resilição poderá partir de uma das partes ( a unilateral), ou de ambas partes( bilateral ou distrato).

A resilição bilateral ou distrato é prevista pelo art. 472 C.C., é o contrario consensus dos romanos gerando o contrato liberatório, também chamado de mútuo dissenso. A referida avença liberatória rompe o liame contratual. A lei, no entanto, determina que deve adotar a mesma forma (grifo nosso) que se utilizou para contratar. O distrato produz efeitos normalmente ex nunc.

A resilição unilateral possui caráter de exceção por força do princípio da obrigatoriedade do contrato. O comodato, o mandato, o depósito por sua própria etiologia admitem tranquilamente a resilição unilateral. Posto que sejam contratos unilaterais e, por vezes, até bilaterais imperfeitos.

Também os contratos de execução continuada ou trato sucessivo quando por prazo indeterminado comportam a resilição unilateral ou denúncia que é promovida por uma das partes contratantes.

Observe-se que no contrato laboral regido pela CLT por prazo indeterminado embora comporte a resilição unilateral, temos que observar forçosamente o aviso prévio, variável em função do regime salarial. Advirto, porém, que antes se consulte a recente Lei 12.506/2011.

Os efeitos da resilição unilateral (denúncia) e a resilição bilateral (distrato) divergem substancialmente quanto aos seus efeitos.

É o que expõe o parágrafo único do art. 473 do C.C. e, dependendo da natureza do contrato, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a etiologia particular do contrato e ainda com o vulto dos investimentos realizados. Essa é uma novidade trazida à baila pelo Código Civil de 2002.

Assim, caberá o ressarcimento de perdas e danos. Porém, é curial alertar que não é qualquer contrato onde é aplicável o referido parágrafo único do art. 473 C.C., pois existem avenças, como por exemplo, o mandato, admite tranquilamente a resilição unilateral incondicional posto que tenha como base a relação de confiança entre mandante e mandatário. Restando aos prejudicados apenas a indenização pelos eventuais danos sofridos, sem a possibilidade compulsória de sua dilatação obrigatória ou compulsória.

No contrato personalíssimo ou intuitu personae a impossibilidade executiva sem culpa se dá com a morte daquele pessoalmente envolvido pelo vínculo contratual traz fatidicamente a resilição unilateral uma vez que é insubstituível o contratante falecido. Pode-se dizer, no entanto, que é trata-se de modalidade de resilição convencional tácita posto que a extrema pessoalidade do vínculo contratual também ajustou uma cláusula implícita de extinção. (Mazeaud et Mazeaud)

Como o brilhante Pablo Stolze Gagliano destaca o intrincado tema da extinção contratual está emaranhado em relevantes questões correlatas como a exceção do contrato não cumprido, a teoria da imprevisão e o inadimplemento contratual, com a responsabilidade civil. Todos esses temas deverão estar sob a égide do princípio da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

Convém, em boa hora, destacarmos as importantes distinções entre os termos resilição, resolução e rescisão.

Resilição será somente para extinção baseada na declaração de vontade posterior de uma ou das duas vontades; resolução para extinção contratual baseada no descumprimento contratual e rescisão como modalidade específica de dissolução para os contratos.

A extinção natural do contrato quer pelo cumprimento ou pagamento do pactuado ou a verificação de fator eficacial. Extinção posterior por causa anterior ou contemporânea à celebração quer por nulidade, cláusula resolutória, direito de arrependimento e redibição. Extinção posterior por causa posterior à celebração seja por resilição, resolução, rescisão ou ainda por morte do contratante.

Compreende-se na resilição unilateral a declaração unilateral de vontade, manifestada em função de cláusula ajustada em contrato bilateral. Apear de haver notificação unilateral ocorre a cessão contratual que é efeito bilateral, o que levou a certos doutrinadores a denominá-la de resilição convencional.

No antigo direito romano havia na compra e venda uma cláusula (lex commissoria) segundo a qual se operava a resolução contratual por falta de pagamento do preço. Nos contratos inominados, o pretor criou mais tarde, uma condictio, pela qual o contratante se esquivava do prometido em face do descumprimento da outra parte.

Foi na Idade Média que a praxe inseriu em todos os contratos uma lex commissoria pactuando assim a resolução por inadimplemento. E, coube aos canonistas fazer seu fortalecimento por meio dos princípios morais em respeito à boa fé.

Os Códigos modernos adotaram a cláusula resolutiva tácita presente em todo contrato bilateral, onde a inexecução por uma das partes tem como efeito facultar à outra parte poder de promover sua resolução, se não preferir a alternativa de reclamar a prestação, muito embora não tenham sido ajustadas estas consequências.

Grande busilis paira sobre o fundamento da cláusula resolutiva tácita. Alguns doutrinadores assentam-na na teoria da causa, sob a alegação de que nos contratos bilaterais e sinalagmáticos, sendo a obrigação de uma parte corresponde a causa da outra, e vice-versa, o seu descumprimento gera a resolução do contrato.

A explicação não satisfaz, pois a cláusula resolutiva tácita não é incompatível com os sistemas não causalistas (como é o brasileiro) porque o credor pode exigir do devedor a execução do obrigado, ao invés da resolução contratual.

Por outro lado, se a causa é erigida em elemento do negócio contratual, sua falta gera a nulidade e, não necessariamente a resolução.

Para Picard e Prudhomme seu fundamento é a equidade (grifo nosso) que não admite a execução contratual quando ocorre desequilíbrio gerado pela inexecução.

Assentada no bojo contratual a interdependência das prestações avençadas, a inexecução de qualquer dessas traz a resolução por inexecução.

A teoria da cláusula tácita resolutiva remonta diretamente a interdependência das prestações, devendo ser expressa como hipótese de resolução por inexecução de um dos contratantes como consequência natural.

Quanto à atuação da clausula resolutiva tácita, dois entendimentos doutrinários desenham suas respectivas repercussões legislativas. O primeiro é do direito alemão capitaneado pelo BGB § 326: nos contratos bilaterais, um dos contratantes pode assinar ao outro, que esteja em mora, prazo para efetuar a prestação que lhe compete, sob pena de recusá-la, após a sua expiração, resolvendo o contrato ou exigindo a reparação das perdas e danos.

No sistema alemão é desnecessário o pronunciamento judicial, operando-se ex lege a cláusula tácita a resolução do ajuste, mediante a atuação direta do próprio interessado.

O segundo entendimento corresponde ao sistema francês: descumprindo o contrato bilateral, abre-se uma alternativa ao lesado para exigir a sua execução ou resolvê-lo com perdas e danos. Mas não cabe a atuação direta do interessado. Somente é admissível a resolução mediante sentença, em que o juiz aprecia a conduta do contratante acusado.

Por esse sistema, o interessado não tem direito à resolução automática da avença, porém a legitimidade ad causam para iniciar o processo judicial visando esse objetivo. Indo além, o Código francês confere ao juiz a faculdade de conceder ao contratante-réu, um prazo, conforme as circunstâncias.

Inclinou-se o Código Civil pátrio pela orientação francesa o que afina melhor com princípios dominantes em nosso direito anterior. Desta forma, a parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a resolução contratual com perdas e danos (art. 475 C.C).

Salienta que o art. 474 do C.C. que a condição resolutiva tácita depende de interpelação judicial com fixação de prazo para que a parte faltosa efetue a prestação que lhe compete, sob pena de resolução contratual.

Caio Mário aplaudia nosso sistema vigente. Mas frequentes são os descontentamentos e as partes ajustam que a inexecução da obrigação importa na resolução de pleno direito. É o ressuscitar da antiga lex commissoria que opera a ruptura do vínculo contratual como consequência da vontade mesma criadora deste, diante da cláusula resolutiva expressa.

Todavia, se o contratante descumpre a obrigação na forma e no tempo ajustado, resolve-se automaticamente a avença sem a necessária interpelação do contratante faltoso (arts. 474 e 128 do C.C.). É um efeito da mora ex re nas obrigações líquidas a prazo certo que opera a resolução e ainda sujeitar o inadimplente às perdas e danos.

A resolução pleno iure do contrato sem a devida proteção dos economicamente débeis tem sugerido ao legislador a sua proibição quando interfere com a economia popular.(Dec.-Lei 58/1937, Lei 6.766/79 onde a interpelação é sempre necessária; ou na venda com reserva de domínio, em que o protesto do título cambial é requisito essencial da ação de apreensão da coisa ( art. 1.071 do CPC).

Não se confunde a resolução contratual por cláusula resolutiva tácita ou expressa com a declaração de nulidade ou anulabilidade do contrato. É certo que a resolução opera-se retroativamente, não faz abstração do negócio jurídico desfeito.

É que nos contratos de trato sucessivo não se restituem as prestações já efetuadas (art. 128 CC) e nas demais, não se entrega a coisa devida (res debita) posto que a relação jurídica contratual deixa de existir.

Mas aquele que dá causa a resolução contratual arcará com as perdas e danos, ou com a cláusula penal estipulada.

Já diferentemente a ineficácia pressupõe uma declaração de vontade inoperante, ou um defeito de ordem formal e o desfazimento opera-se ex tunc, fulminando desde a origem (nulidade); ou ex nunc (anulabilidade) atingindo-o a partir da sentença mas sem sujeitar qualquer dos contratantes a perdas ou danos ou à multa convencionada.

A exceptio non adimpleti contractus é uma defesa substancial oponível pelo contratante demandado em face do inadimplente tendo em vista a interdependência das prestações. É expressa no art. 476 do C.C./2002 e, também o BGB expede regra análoga, mas a regra vigora como decorrência natural do contrato sinalagmático.

A exceptio é causa impeditiva de exigibilidade daquele que não efetuou a prestação por parte daquele que não efetuou a sua, franqueando ao outro uma atitude de justa expectativa, enquanto aguarda a normal execução do contrato.

Vige grande controvérsia sobre a origem da exceptio. Frederic Girard, grande romanista defende sua origem romana. Cassim em monografia especializada ao tema, já atribui o instituto aos canonistas. É certo que nos contratos bonae fidei ao contratante acionado pelo não havia adimplido reconhecia uma exceptio doli que seria um germe da exceptio non adimpleti contractus. É instituto desenvolvido e dotado de efeitos específicos e, Serpa Lopes também lhe atribui aos canonistas.

Assim, se um dos contratantes não adimple de forma plena e completa pode o outro opor-lhe em defesa esta exceção levada ao extremo de recusar a res debita, é a exceptio non adimpleti rite contractus, onde há inexatidão do implemento da outra parte equivale à falta de execução desta.

Animado o instituto pela equidade e pela boa fé não pode erigir-se em pretexto para descumprimento contratual. Se ambas as prestações têm de ser realizadas sucessivamente.

Não cabe invocar a exceptio por parte quem deve em primeiro lugar adimplir, pois que a prestação do outro não é devida; mas ao que tem de prestar em segundo lugar, cabe o poder de invocá-la, se o primeiro deixou de cumprir.

O art. 475 do C.C. autoriza o contratante que deveria em primeiro lugar adimplir, o direito de recusar-se a prestar, se depois de concluído o contrato, sobreviver ao outro contratante alteração econômica capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação a que se obrigou.

Cinge-se como medida excepcional, pois que ajustadas prestações combinadas. Não há predeterminação de garantia que pode ser fidejussória ou real. Uma vez que prestada a caução esta caduca com a prestação devidamente cumprida.

Quanto à resolução por onerosidade excessiva, cumpre destacar que em todo contrato há previsão de lucro ou prejuízo. O direito não pode restar insensível às vicissitudes que constritas ao lícito, podem afetar a execução do contrato.

A teoria tornou-se conhecida como cláusula rebus sic stantibus e consiste, resumidamente, em presumir nos contratos comutativos, uma cláusula implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao seu cumprimento rigoroso, no pressuposto de que as circunstâncias ambientes se conservem inalteradas no momento da execução, posto que idênticas àquelas que vigoravam na ocasião da celebração contratual.

A Primeira Grande Guerra mundial (1914-1918) trouxe grande abalo e desequilíbrio nas relações contratuais de longo prazo. Votou a França, a Lei Faillot de 21/01/1918 que versava sobre os contratos de fornecimento de carvão, concluídos antes da guerra; ao mesmo tempo na Inglaterra, vigeu a doutrina do Frustation of adventure; retomou-se na Itália a cláusula rebus sic stantibus, reconstituindo-se em toda parte, a proteção do contratante contra a onerosidade excessiva superveniente, o que pendeu para o princípio da justiça no contrato.

Jair Lins, Mendes Pimentel, Epitácio Pessoa, Sá Pereira, Eduardo Espínola, Espínola Filho, Bento de Faria, Jaime Landim, Jorge Americano, Caio Mário da Silva Pereira, San Tiago Dantas, Gabriel Resende, Filadelfo de Azevedo, Orlando Gomes, Serrano Neves, todos esses doutrinadores foram defensores da teoria da imprevisão, num tempo em que a nota individualista liberal do contrato era a nota dominante.

Apesar de que o CDC em seu art. 6, V já tinha resolvido entre nós sobre a incidência da chamada teoria da imprevisão e o Código Civil de 2002 resolveu de vez a questão, ao disciplinar a resolução por onerosidade excessiva explicitamente nos seus arts. 478 a 480 do C.C.

Não se justifica a apreciação subjetiva do desequilíbrio das prestações, porém a ocorrência de fato extraordinário que opere mutação no ambiente objetivo, de forma que o cumprimento do contrato acarrete forçosamente o enriquecimento de uma parte e o ao mesmo tempo o empobrecimento da outra.

É necessária a apuração de certos requisitos: a vigência de um contrato de execução diferida ou continuada; a radical alteração das condições econômicas objetivas no momento da execução contratual, em confronto com o ambiente objetivo presente na celebração; onerosidade excessiva para um dos contratantes e o benefício exagerado para outro, a imprevisibilidade daquela drástica modificação.

Nunca haverá lugar à aplicação da referida teoria nos casos em que há onerosidade excessiva provém da álea normal e não de acontecimentos imprevistos, e, ainda nos contratos aleatórios.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 16/08/2012
Reeditado em 16/08/2012
Código do texto: T3833629
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