Porte droga para uso próprio por militar
O militar que traz consigo para uso próprio pequena quantidade de substância entorpecente destinada para uso próprio no exercício de suas funções ou em ambiente sujeito à administração militar comete crime? Qual crime?
O militar que porta droga para uso próprio em ambiente sujeito à administração militar ou no exercício de sua função destinada para uso próprio comete crime.
Existe previsão da conduta como crime no Código Penal Militar art. 290, in verbis:
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos. (grifo nosso).
Extrai-se do dispositivo legal antes mencionado cominação de pena de reclusão ao militar que porta droga para uso próprio, extremamente excessivo o legislador ao prever no preceito secundário do tipo pena de até cinco anos,o que contraria em nosso entendimento o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, o qual deve intervir somente em condutas gravíssimas.
De outro lado infeliz a previsão no mesmo tipo penal, art. 290, do Código Penal Militar, da pessoa que porta para uso próprio e daquela que porta com destinação à mercancia (traficante), o que contraria conforme veremos adiante o princípio da igualdade.
Antes cumpre esclarecer que o Supremo Tribunal Federal entende pela aplicação do art. 290, do Código Penal Militar, conforme ementa do Acórdão do Habeas Corpus 107688 CORPUS
Relator(a): Min. AYRES BRITTO
Julgamento: 07/06/2011 Órgão Julgador: Segunda Turma, in verbis:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. POSSE DE REDUZIDA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM RECINTO SOB ADMINISTRAÇÃO CASTRENSE. INAPLICABILIDADE DO POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. INCIDÊNCIA DA LEI CIVIL 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. RESOLUÇÃO DO CASO PELO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL CASTRENSE. ORDEM DENEGADA.
A segunda turma do Supremo Tribunal Federal aplica a legislação castrense, de um modo geral o Supremo Tribunal Federal entende pela aplicação do Código Penal Militar.
Todavia destaca-se precedente do Supremo Tribunal Federal pela aplicação do princípio da insignificância afastando a tipicidade da conduta, ou seja, entendimento de que não há crime em portar droga para uso próprio o militar em ambiente sujeito à administração militar HABEAS CORPUS 97131 RELATOR Min. CELSO DE MELLO JULGAMENTO 10/08/2010 SEGUNDA TURMA:
E M E N T A: CRIME MILITAR (CPM, ART. 290) - PORTE (OU POSSE) DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - QUANTIDADE ÍNFIMA - USO PRÓPRIO - DELITO PERPETRADO DENTRO DE ORGANIZAÇÃO MILITAR - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - PEDIDO DEFERIDO.- Aplica-se, ao delito castrense de porte (ou posse) de substância entorpecente, desde que em quantidade ínfima e destinada a uso próprio, ainda que cometido no interior de Organização Militar, o princípio da insignificância, que se qualifica como fator de descaracterização material da própria tipicidade penal. Precedentes.
Verifica-se que a segunda turma do Supremo Tribunal em 10/08/2010 ao julgar Habeas Corpus acerca do tema aplicou insignificância para afastar a tipicidade da conduta, posteriormente 07/06/2011 aplicou entendimento da tipicidade, ou seja dois posicionamentos: há crime, não há crime.
A Lei 11313/06 em seu artigo 28 prevê a conduta de portar drogas para uso próprio:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Comparados os dispositivos legais art. 28, da Lei 11343/06 com o art. 290, do Código Penal Militar, ambos leis federais, acreditamos que ao militar que porta para uso próprio substância entorpecente, ainda que em ambiente sujeito à administração militar deva ser aplicado o art. 28, da Lei 11343/06.
Primeiro o art. 28, da Lei 11343/06 aplica penas alternativas e diversas da reclusão, obviamente mais benigno, o que está em conformidade com a dignidade da pessoa humana, ultratividade benigna da norma penal, intervenção mínima do direito penal.
Segundo o fato do sujeito ativo, aquele que porta droga para uso próprio, ser militar e estar sujeito à administração militar, não pode ser utilizado como argumento válido para aplicação de tipo penal, art. 290, do Código Penal Militar, extremamente mais severo: pena de reclusão até cinco anos.
Terceiro aplicação de penas diversas para condutas extremamente semelhantes, viola o princípio da igualdade.
Quarto entende-se que a competência para decidir acerca da aplicação do art. 290, do Código Penal Militar ou art. 29, da Lei 11343/06 é do Superior Tribunal de Justiça, justiça que possui competência para decidir acerca de conflito de legislação federal, art. 105, da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
II - julgar, em recurso ordinário:
a) os "habeas-corpus" decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;
b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;
c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
Por último em caso concreto envolvendo militar que porta droga para uso próprio possível impetração de habeas corpus para trancamento da ação penal, imagine que o militar esteja sendo processado pela Justiça de Primeira Instância em Minas Gerais, deverá o Habeas Corpus ser impetrado no Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, posteriormente impetra-se o Habeas Corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça, o qual irá decidir qual a legislação a ser aplicada.
Assim, respeitadas as decisões pelo Supremo Tribunal Federal que aplica ao militar que porta droga para uso próprio em ambiente castrense o Código Penal Militar, somos partidários do entendimento de que deve ser aplicado o art. 28, da Lei 11343/06, sobretudo face à discussão central do tema que trata de vigência de lei federal, a qual compete ao Superior Tribunal de Justiça e não ao Supremo Tribunal Federal.