Entenda esse 'Direito' e essa 'Justiça' no Brasil: A exceção e a regra

Entenda esse 'Direito' e essa 'Justiça' no Brasil: A exceção e a regra

A EXCEÇÃO E A REGRA (Bertold Brecht)

Prólogo

Agora vamos contar a história de uma viagem feita por dois explorados e por um explorador.

Vejam bem o procedimento dessa gente. Estranhável conquanto não pareça estranho.

Difícil de explicar embora tão comum. Difícil de entender, embora seja a regra.

Até o mínimo gesto, simples na aparência, olhem desconfiados.

Perguntem se é necessário, a começar do mais comum.

E, por favor, não achem natural o que acontece e torna a acontecer.

Não se deve dizer que nada é natural. Numa época de confusão e sangue, desordem ordenada, arbítrio propositado, humanidade desumanizada, não se considere nada como sendo imutável.

(BRECHT, Bertold. "Schriften zum Theater. Anmerkungen zu Stücken und Aufführunge 1918-1956, Frankfut am Main, Suhrkamp Verlag, 1967, p. 793, Trad. Roberto Schwarz)

Um comerciante chamado Karl Langmann, um guia e um carregador contratado fazem uma viagem à cidade de Urga em busca de petróleo, único motivo de tal empreendimento.

No meio do caminho, na Estação Han, o comerciante demite o guia por aparente incompetência e segue viagem apenas com o carregador pelo deserto inabitado de Jahí.

O carregador é, então, obrigado a assumir a tarefa do demitido, isto é, a guiar o comerciante, embora não saiba o caminho, acumulando assim duas funções: a do outro empregado e a própria.

A certa altura da viagem, o comerciante mata o carregador, pois acredita que o empregado iria atacá-lo com uma pedra, quando de fato o carregador apenas se preparava para lhe oferecer uma garrafa com água.

A viúva do carregador leva o comerciante a julgamento por assassinato, mas o juiz sugere que o comerciante agiu em legítima defesa, tendo em vista a sua classe social, ou seja, nas palavras do juiz, ele "pertencia a uma classe social que tinha motivos para ser ameaçado ou para se sentir ameaçado" diante de uma "classe social inferior", à qual o carregador pertencia.

O juiz absolve o comerciante e não concede qualquer indenização à mulher do carregador.

(cfe. Suzana Campos Albuquerque Mello - in "A exceção e a regra de Bertold Brecht ou a exceção como regra: uma leitura", São Paulo: USP, 2009)

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I

tratado sobre as vantagens e desvantagens da concorrência

entre o que fala (para as vantagens) e o coro (para as desvantagens)

II

Vocês ouviram

agora começa o deserto

os vigias ficam para trás,

a ligação está rompida

<da área << administrada>> com segurança>

a área protegida acabou

saem dela os indivíduos hesitantes

sob novas leis ainda não conhecidas

<sem recursos, o indivíduo tem que mostrar,

como ele pode ajudar>

os hábitos serão postos à prova

os costumes terão de se afirmar

tempestades de areia e marés altas testarão

sem piedade as relações das pessoas.

Bertold Brecht

in Steinweg, Reiner (Hrsg). "Brechts Modell der Lehrstücke - Zeugniss, Diskussion, Erfahrungen", Frankfurt am Main, Shrkamp Verlag, 1976, pp. 141-142 - cf. tradução de Suzana Campos Albuquerque Mello