CHEQUES SEM FUNDOS: Responsabilidade da Instituição Bancária.

Às instituições financeiras são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, pelo que respondem objetivamente por danos que causarem a clientes ou terceiros.

“É cediço que a responsabilidade civil "[...] pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às conseqüências do seu ato (obrigação de reparar)" (GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. III, p. 9).

Em outros termos, sintetiza Sílvio de Salvo Venosa, "em princípio, toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. [...]. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso" (Direito civil: responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. IV, p. 1). Carlos Roberto Gonçalves arremata que "toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano" (Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. IV, p. 1).

A responsabilidade civil, quanto à conduta, pode ser objetiva e/ou subjetiva, pelo que, a depender do sistema adotado, tem variações nos seus elementos, que influem diretamente na sua caracterização.

Assim diz-se subjetiva a responsabilidade civil que se caracteriza mediante o preenchimento de três elementos, quais sejam, a conduta, o dano e o nexo de causalidade; já a objetiva se configura pela existência de apenas dois: o dano e o nexo de causalidade, pouco importando a conduta do agente.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a despeito de estarem aplicando a responsabilidade civil no âmbito do Código Civil, explicam, de forma didática, a diferença entre os dois sistemas:

“Dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo CC: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do CC é o da responsabilidade subjetiva (CC 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência: a)do dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano; c) da culpa lato sensu (culpa – imprudência, negligência ou imperícia - ou dolo) do agente. O sistema subsidiário do CC é o da responsabilidade civil objetiva (927 par.ú), que se funda na teoria do risco: para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência: a) do dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano”. Código civil comentado. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 733).

Com estas ponderações e comprovado nos autos que o banco ou a instituição financeira mantenedoras de contas de depósitos à vista, diante de casos incompatíveis com as disciplinas que regulam a Lei de Cheques, não adotou as orientações inseridas na Resolução n. 3.972, de 28 de abril de 2011 é o banco ou a instituição financeira, responsável, perante a terceiro pela emissão de cheques sem fundo, por parte do correntista. São responsáveis civilmente os bancos que fornecem talonários de cheques a clientes sem capacidade econômica ou deixam de adotar medidas para retomada das cártulas. A decisão é do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no julgamento das Apelações Cíveis nº 2012.017315-9 e 2012.010350-9.

O Tribunal Catarinense frisou:

“No presente caso, a responsabilidade civil é a objetiva.

Tal se deve pela aplicabilidade das normas do Código de Defesa do Consumidor, que, de acordo com o seu artigo 14, caput, determina que "o fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços"

A responsabilidade civil subjetiva, como bem adverte João Batista de Almeida, "[...] conquanto aplicada eficazmente no campo das relações civis, mostrou-se inadequada no trato das relações de consumo, quer pela dificuldade intransponível da demonstração da culpa do fornecedor, titular do controle dos meios de produção e do acesso aos elementos da prova, quer pela inviolabilidade de acionar o vendedor ou prestador de serviço, que, só em infindável cadeia de regresso, poderia responsabilizar o fornecedor originário, quer pelo fato de que terceiros, vítimas do mesmo evento, não se beneficiariam de reparação" (Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 60).

E, sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, ponderou:

“A propósito, nenhuma discussão, atualmente, cabe a respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, seja porque o seu artigo 3º, § 2º dispõe expressamente que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária [...]"; seja porque o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 297, que diz que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Sobre o tema, traz-se a lição de Sílvio de Salvo Venosa:

“Os bancos prestam, atualmente, uma multiplicidade de serviços à população que não mais se restringe a suas origens, ligada ao fornecimento de crédito. A sofisticação dos serviços por meio da informática amplia os problemas e exige soluções jurídicas.

Por outro lado, não somente a lei, mas também os tribunais assumem posição rigorosa no tocante às instituições financeiras, mormente porque suas atividades dizem respeito aos recursos financeiros de toda a população e do país. Ainda, pelo fato de serem os bancos repositórios da confiança de seus depositantes, é justo que deles esperemos o mais elevado serviço e correição.

As atividades bancárias caracterizam-se por contratos de massa, contratos de adesão, na grande maioria. Os bancos praticam, [...], atividades essenciais e específicas do ramo financeiro, como depósitos, empréstimos, descontos etc. E atividades secundárias que modernamente complementam seus serviços, tendo em vista o mercado e a concorrência, como fornecimento de informações, recebimento de contas, serviços de caixa eletrônicos, comunicação por correio eletrônico etc.

Nessa gama de atividades, a responsabilidade dos bancos pode ser contratual ou aquiliana. Sob o manto dos princípios do Código de Defesa do Consumidor, [...], ultrapassa-se essa dicotomia: a responsabilidade decorre tão-só da prestação de serviços ao consumidor. Por outro lado, [...], toda atividade dos bancos e das instituições financeiras é atingida pelos princípios do Código de Defesa do Consumidor, se mais não fora pelos princípios gerais dessa lei, por disposição expressa (art. 3º, § 2º). Despiciendo se torna analisar as opiniões em contrário, ligadas exclusivamente a pareceres de encomenda. A jurisprudência do país não diverge sobre o tema (Direito civil: responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. IV, p. 249-250).

E arremata a discussão citando Carlos Roberto Gonçalves:

“Em face do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade dos bancos, como prestadores de serviços, é objetiva. Dispõe, com efeito, o art. 14 do aludido diploma que o "fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

[...].

O Código de Defesa do Consumidor incluiu expressamente as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias no conceito de serviço (art. 3º, § 2º). Malgrado a resistência das referidas instituições em se sujeitarem às suas normas, sustentando que nem toda atividade que exercem (empréstimos, financiamentos, poupança etc.) encontra-se sob sua égide, o Superior Tribunal de Justiça não vem admitindo qualquer interpretação restritiva ao aludido § 2º do art. 3º, afirmando que a expressão "natureza bancária, financeira, de crédito" nele contida não comporta que se afirme referir-se apenas a determinadas operações de crédito ao consumidor. Os bancos, "como prestadores de serviços especialmente contemplados no mencionado dispositivo, estão submetidos às disposições do Código do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, não o descaracteriza como consumidor dos serviços prestados pelo banco".

O Ministro José Augusto Delgado, do referido Tribunal, também teve a oportunidade de comentar que a expressão "natureza bancária, financeira, de crédito" contida no § 2º do art. 3º não comporta que se afirme referir-se, apenas, a determinadas operações de crédito ao consumidor. Se a vontade do legislador fosse essa - afirmou - "ele teria explicitamente feito a restrição, que, se existisse, daria ensejo a se analisar da sua ruptura com os ditamente da Carta Magna sobre o tema".

Tal orientação veio a se consolidar com a edição da Súmula 297 do aludido Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Idêntica posição assumiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 2.591, realizado aos 4 de maio de 2006, proclamando que as instituições financeiras se submetem às regras do Código de Defesa do Consumidor (Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. IV, p. 236-237).

O julgamento ainda destacou que do outro lado dessa relação jurídica está o autor, como consumidor, não diretamente, porquanto não é cliente do banco réu, mas por equiparação, uma vez que vítima da falha da prestação do serviço bancário, ex vi dos artigos 2º, parágrafo único, 17 e 29, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Zelmo Denari comenta que: “Com bastante freqüência, os danos causados por vícios de qualidade dos bens ou dos serviços não afetam somente o consumidor, mas terceiros, estranhos à relação jurídica de consumo.

[...], o Código assegura o ressarcimento dos danos causados a terceiros que, para todos os efeitos legais, se equiparam a consumidores (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 175).

Sobre o tema, traz-se à colação excerto doutrinário de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona filho:

“Para encerrar este capítulo, é preciso tecer algumas considerações acerca da responsabilidade civil das instituições financeiras em relação a terceiros. Compreendidas as lições sobre a reparação de danos causados a seus agentes (empregados ou prestadores de serviço) e a seus clientes, uma pergunta não quer calar: qual é a natureza jurídica da responsabilidade civil de tais instituições, quando a vítima não mantém com eles qualquer relação negocial. A resposta nos parece óbvia: nesse caso, deve ser aplicada a regra geral de responsabilização civil no nosso ordenamento positivo.

Todavia, é importante lembrar que essa regra foi modificada com o novo Código Civil brasileiro. De fato, ao lado da regra da responsabilidade civil subjetiva - também aplicável às instituições financeiras - pontifica a regra da responsabilidade civil objetiva, em função do risco da atividade habitualmente exercida.

Assim sendo, a resposta à pergunta formulada não é automática ou imediata.

Para respondê-la, será necessário verificar em função de qual conduta - atribuível à pessoa jurídica da instituição financeira - se perpetrou a lesão ao interesse de terceiro.

Caso seja algo decorrente da atividade habitualmente exercida, e não tem função de um fato isolado no seu amplo campo de relações negociais, podermos afirmar que a responsabilidade será objetiva (Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. , p. 336).

Se assim o é, não há falar em conduta (dolo ou culpa) do agente como elemento aferidor da responsabilidade civil, pois inexistente à espécie. Estando a causa amparada pela legislação consumerista, tem-se que a responsabilidade é objetiva, razão pela qual necessita averiguar somente o dano e o nexo causal.

O Tribunal frisou, ainda, que no caso julgado “O dano suportado pelo autor é de ordem material, visto que portador de 8 (oito) cheques emitidos por correntista da ré sem fundos, como se observa às fls. 20-27.

Também se faz presente o nexo de causalidade, visto que o autor é beneficiário de cheques emitidos por correntista da ré sem provisão de fundos, sendo mais uma das vítimas da voracidade das instituições financeiras, que, no afã de atingir metas e obter lucros cada vez maiores, fornecem ou mantêm talonários a clientes que não detêm nenhuma capacidade econômica para saldá-los, conquanto seja sua responsabilidade prezar pela boa saúde financeira da conta-corrente deles. Nesse norte, determina o artigo 2º, inciso I, da Resolução n. 2.025, do Banco Central do Brasil, de 24-11-1993, que "altera e consolida as normas relativas à abertura, manutenção e movimentação de contas de depósito", que as instituições financeiras são obrigadas a exigir um saldo médio para a manutenção da conta corrente de seus clientes, como se vê abaixo:

Art. 2º A ficha-proposta relativa a conta de depósitos à vista deverá conter, ainda, cláusulas tratando, entre outros, dos seguintes assuntos:

I - saldo médio mínimo exigido para manutenção da conta;

Isso porque a conta-corrente garante a prestação de todos os serviços que o banco põe a disposição de seus clientes, dentre os quais podemos citar o fornecimento de talonários de cheques.

A propósito, dada a importante função econômica que exerce esse título de crédito, a referida Resolução n. 2.025/1993 do Banco Central do Brasil dispensou, em outros dispositivos, inúmeras obrigações que o banco deve adotar quando do fornecimento de talonários de cheques aos clientes, autorizando-o, inclusive, "[...] a adotar providências imediatas com vistas a retomar os cheques em poder do depositante", in verbis:

Art. 2º [...].

[...].

II - condições estipuladas para fornecimento de talonário de cheques;

[...].

V - inclusão do nome do depositante no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), nos termos da regulamentação vigente, no caso de emissão de cheque sem fundos, com a devolução dos cheques em poder do depositante à instituição;

Art. 6º É vedado o fornecimento de talonário de cheques ao depositante enquanto não verificadas as informações constantes da ficha-proposta ou quando, a qualquer tempo, forem constatadas irregularidades nos dados de identificação do depositante ou de seu procurador.

Art. 7º O talonário de cheques somente poderá ser entregue mediante recibo datado e assinado pelo depositante ou portador expressamente autorizado, o qual deverá ser identificado no ato da entrega.

Parágrafo único. Caso seja suspenso o fornecimento de talonário de cheques, a instituição financeira deverá adotar providências imediatas com vistas a retomar os cheques em poder do depositante.

Art. 8º Quando, por qualquer motivo, o titular estiver impedido de receber talonário de cheques, a conta de depósitos à vista somente poderá ser movimentada por meio de cheque avulso, nominativo ao próprio emitente, por recibo ou por meios eletrônicos de pagamento.

Parágrafo único. A movimentação de conta referida neste artigo será efetuada sem ônus para o depositante.

Art. 10. É facultada à instituição financeira a abertura, manutenção ou encerramento de conta de depósitos à vista cujo titular figure ou tenha figurado no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF).

Parágrafo único. É proibido o fornecimento de talonário de cheques ao depositante enquanto figurar no CCF.

Art. 12. Ao encerrar conta de depósitos à vista, a instituição financeira deve:

I - expedir aviso ao titular, solicitando a retirada ou a regularização do saldo e a restituição dos cheques acaso em seu poder;

Nesse contexto, não há nenhuma dúvida de que a devolução de cheques sem provisão de fundos decorre da falha da prestação do serviço das instituições financeiras, pois os correntistas somente podem fazer uso desse título de crédito após autorizados por seu banco, que, antes, deve fazer cumprir todas as normas regulamentares relativas à conta-corrente.

A decisão, considerada uma guinada jurisprudencial, é da 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, aplicada no julgamento de duas apelações sob relatoria do desembargador Fernando Carioni, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Tal decisão torna-se um marco importante pois cria jurisprudência no sentido de que as instituições financeiras têm responsabilidade sobre o comportamento de seus clientes, inclusive com a obrigatoriedade de cobrir cheques emitidos sem provisão de fundos pelos seus correntistas.