PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.

Podemos definir a paternidade citando do trabalho intitulado "Família e Cidadania, O novo Código Civil e a Vacatio legis", coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira, IBDEFAM. Belo Horizonte, 2002:

(...) A parentalidade (e a inseparável filiação) socioafetiva existe quando uma criança ou um adolescente tem, em relação a adulto que não é seu genitor biológico nem adotivo, a posse do estado de filho, ou seja, existem entre eles "relações de afeto que se consolidam entre pais e filhos, mesmo na ausência de vínculo genético" (...)

A preponderância do elo afetivo nas relações de parentesco encontra fundamento na Constituição Federal de 1988 que, em capítulo que trata especificamente da unidade familiar, expressou tal orientação ao consagrar a igualdade entre filhos naturais e adotivos (art. 226, § 6º), reconhecer a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes como entidade familiar (art. 226, § 4º), assegurar o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, caput) e impor o dever de solidariedade entre os membros da família (arts. 229 e 230).

O novo CC, por seu turno, estabeleceu em seu art. 1.593 que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem", inserindo-se nesta última modalidade a filiação de origem afetiva.

Tratando do dispositivo supra, Eduardo de Oliveira Leite ensina:

"[...] a força maior do artigo radica de seu in fine, que escancara as portas a uma nova forma de parentesco, nem natural, nem civil, mas que fundamenta a filiação sócio-afetiva.

[...]

"Em última análise, é a aceitação ampla e irrestrita da noção da posse de estado de filho, que adentra a legitimidade total em ambiente, até então, reservado aos meros laços da consangüinidade"

Nesse contexto, saliente-se que, consoante preconiza Paulo Luiz Netto Lobo, "A Paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem (biológica ou não)" (Direito ao Estado de Filiação e Direito à Origem Genética: Uma Distinção Necessária, in Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 525).

Demonstrado o aspecto fático da afetividade entre a criança ou o adolescente o pai (socioafetivo), indispensável é a respectiva declaração judicial para que haja consonância entre o fato e o direito. Ora, existindo parentesco afetivo entre a criança ou adolescente e o pai socioafetivo, a Justiça deve declarar uma situação pré-existente a fim de que a mesma seja transcrita em documentos jurídicos do Estado.

De acordo com Paulo Luiz Netto Lobo, "Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe). O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade, em relação a ele".

"O estado de filiação constitui-se ope legis (em razão de lei) ou em razão da posse de estado, por força da convivência familiar (a fortiori social), consolidada na afetividade.

Nesse sentido, a filiação jurídica é sempre de natureza cultural (não necessariamente natural), seja ela biológica ou não biológica" (Direito ao Estado de Filiação e Direito à Origem Genética: Uma Distinção Necessária, in Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 508).

Vale citar como exemplo de definição de paternidade socioafetiva o seguinte acórdão julgado no Tribunal de Justiça do Paraná:

"A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular adoção à brasileira não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado" (Rel. Des. Accácio Cambi, j. em 12/12/2001, DJPR 04/02/2002).

Neste sentido é o entendimento jurisprudencial abaixo:

"A despeito da ausência de regulamentação em nosso direito quanto à paternidade sociológica, a partir dos princípios constitucionais de proteção à criança (art. 227 da CF), assim como da doutrina da integral proteção consagrada na Lei nº 8.069/90 (especialmente nos arts. 4º e 6º), é possível extrair os fundamentos que, em nosso direito, conduzem ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, revelada pela posse do estado de filho, como geradora de efeitos jurídicos capazes de definir a filiação" (TJRS, 7ª Câmara Cívil, AI nº 599296654, j. Em 18/08/1999).

A essencialidade desta modalidade de paternidade está na desnecessidade de existência de vínculo biológico ou mesmo jurídico entre as partes; entende-se que a paternidade abrange muito mais que o provimento de alimentos ou direitos sucessórios.

Na ótica de Paulo Luiz Netto Lôbo:

"A paternidade é munus, direito-dever, construída na relação afetiva e que assume deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação "à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a à convivência familiar '(art. 227 da Constituição). É pai quem assumiu esses deveres, ainda que não seja o genitor." - (PATERNIDADE SOCIOAFETIVA e o Retrocesso da Súmula nº 301/STJ, in Rodrigo da Cunha Pereira (coord) - Família e Dignidade Humana. São Paulo: IOB Thmosom, 2006).

Embora se reconheça que a afetividade e a posse do estado de filiação são indissociáveis e é necessária a coexistência de tais fatores para se caracterizar a paternidade socioafetiva, a renúncia da posse do estado de pai e a suposta ausência de afeto por parte deste não ensejam a desconstituição do vínculo.

Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:

"RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES. IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO.

O reconhecimento de PATERNIDADE é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil." - (REsp nº 878.941, 3ª Turma, relª Minª Nancy Andrighi, DJ de 17/9/2007 p. 267).

Em conclusão, podemos definir que o estado de filiação independe da origem biológica, pois pode nascer da existência de vínculo afetivo entre pais e filhos. Tal vínculo afetivo nasce da interação psicossocial existente entre ambos. A paternidade socioafetiva agrupa não só a integração definitiva da pessoa no grupo familiar, mas também - e principalmente - a relação de afeto resultante no convívio entre quem assume o papel de pai e quem assume o papel de filho. Portanto, temos a desnecessidade da existência de vínculo biológico para o reconhecimento da PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.

Texto também disponível em: www.gprudencio.blogspot.com