O afeto familiar e a função paterna

2. O AFETO FAMILIAR E A FUNÇÃO PATERNA

Não há dúvidas de que o afeto é um benefício legal e um princípio constitucional, além do que proporciona e deve ser aproveitado, para estabelecer relações e entidades familiares. Assim, a pergunta-problema a ser respondida é:

“A ausência de afetividade paterna teria competência de gerar o dever de indenizar?”.

Vale lembrar que não se considera neste artigo arbitrar valores morais do ponto de vista social, embora o direito não se omita como um todo nesse sentido, a resposta que se divida é no âmbito legal da questão, respeitando doutrinas e ciências que explicam o afeto como conceito e sentido.

Para tentar responder a indagação feita, como dito anteriormente, não se pode restringir o estudo apenas à ciência do direito, deve-se caminhar por outras estradas buscando encontrar a direção certa. A psicanálise de Freud e Lacan, sem sombra de dúvidas, será instrumento de grande utilidade para se chegar ao objetivo final. O direito não pode fechar os olhos para outras ciências, sob pena de regular fatos que por sua natureza não são reguláveis.

3 GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e psicanálise/ Rumo a uma Nova Epistemologia: Rio de Janeiro: Imago, 2003.

Dano Moral por Abandono Afetivo Parental A controvérsia é lugar-comum no direito, mas, em se tratando de direito de família e, especialmente, da relação entre pais e filhos, o que se vê são posições diferentes: alguns defendendo a posição de que o amor parental não pode ser resumido em pecúnia, outros que cobram com ressarcimento, no sentido de reprimenda e prevenção, também negligência qualquer dos pais na educação e cuidado dos filhos, ou que não reconhecem esse sentido de reprimenda, mas apenas o de compensação pelo dano sofrido.

É importante ressaltar que o tipo de indenização aqui discutida, distingue-se daquela eventualmente devida entre cônjuges, em decorrência dos deveres conjugais, que tem como base o princípio da igualdade, e tampouco pode ser confundida com o dever de prestar alimentos ao filho. Outrossim, qualquer referência deve ser entendida como abrangente também da genitora.

O exame do tema se justifica diante do crescente questionamento em nossos tribunais e, de modo geral, das maiores exigências da sociedade, que cobram do ordenamento jurídico efetividade para assegurar o pleno desenvolvimento dos seus cidadãos.

Situações várias como a do pai que foi impedido de ter contato com os filhos, também podem ser abrangidas por pedido de danos morais. Em todos os casos, as provas do dano e do nexo, embora muitas vezes complexas, são fundamentais para amparar o pedido, devendo-se impedir o que a doutrina chama de indústria do ressarcimento.

O questionamento legal do tema, não pode sobrepor etapas que têm significativa importância para se entender o papel efetivo de pai/mãe, suas atribuições e deveres enquanto entendidos como tal e de sua responsabilidades usando de seu afastamento do dependente, como bem conceituou o Juiz Mário Romano Maggioni quando deixa patente que:

É preciso ser pai (e mãe) na amplitude legal (sustento, guarda e educação), e o abandono afetivo se configura, desta forma, pela omissão dos pais, ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na sua acepção mais ampla HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. Repertório de Jurisprudência IOB. [S.I.], v. 3, n. 13, 2006, p. 365

Dano Moral por Abandono Afetivo Parental Como se trata do exercício das funções parentais em seu modo mais amplo, ou seja, no atendimento, pelo genitor ou genitora, das necessidades morais e psicológicas do filho pelo genitor ou genitora, ser em desenvolvimento, desde já se esclarece que a presença física não se revela preponderante. É notória a relevância que participação efetiva de ambos os genitores na criação e formação do indivíduo, logo sua responsabilidade toma dimensão e proporção externa ao simples fato de gerar.

Não obstante se impõe o justo em analisar o que a psicanálise diz no tocante à função paterna, o psicanalista francês Jacques-Alain Miller , quando se refere a Lacan interpretando os mitos de Freud traz a idéia de que a paternidade é uma função, uma função simbólica

. Assim, a máxima “Freud explica” tem amplo sentido nas relações parentais estudadas neste artigo. Nota-se que o simbolismo da figura paterna de acordo com o exposto por Miller, é tão significativo quanto à presença do ser em si. Uma vez que a afetividade não está diretamente relacionada a outro ser de mesma espécie, podendo assim ser expresso das mais variadas maneiras e aos mais diferentes seres e objetos. Ainda nessa linha de pensamento, entende-se que diversos elementos podem exercer a função paterna, acredita-se relevante citar também as palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, onde diz: “[...] a verdadeira paternidade é adotiva e está ligada á função, escolha, enfim ao desejo”

O que importa, é saber o que funcionou para aquele sujeito como Nome do Pai, a referência que ele tem como figura paterna: O genitor, o marido da mãe, o amante oficial, o companheiro da mãe, o protetor da mulher durante a gravidez, o tio, o avô, aquele que cria a criança, aquele que dá seu sobrenome, aquele que reconhece a criança legal ou ritualmente, aquele que fez a adoção.

O ser pai nesse caso não se atrela unicamente à ação de um ser que figura como genitor ou tutor de outrem, pode ainda ser estendido ao ponto de Jacques-Alain Miller, genro de Jacques Lacan e difusor da psicanálise lacaniana quando depois da morte de Lacan. Atualmente proferindo seminários como Lacan e enviando-os às escolas por email, Miller faz releitura de Lacan assim como Lacan releu Freud. Vem ao Brasil para palestras. Um dos textos importantes é: Os seis paradigmas do gozo.

MILLER, Jacques-Alain. Comentário del Seminário Inexistente. Buenos Aires: Manancial, 1992, p.21

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste?. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.), op. cit., p. 224.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 121. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental estabelecer-se na simples forma do mais modesto objeto, que em seu valor real pode não parecer muito, porém é no seu valor afetivo que se caracteriza a verdadeira importância do mesmo. Além destes, podem realizar a função paterna, o discurso da mãe ou até mesmo um objeto.

Rodrigo da Cunha Pereira quando se refere ao filme Central do Brasil, o faz no sentido de ilustrar essa situação. Josué, uma criança que nunca conheceu o pai, através do discurso da mãe, constrói uma imagem paterna. “A mãe falava bem do pai, e introduzindo para o filho a imago paterna fez presente um outro, e através de seu desejo possibilitou que o filho se estruturasse psiquicamente”

Uma outra situação também difundida nas “telonas” de todo o mundo é o caso do filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Um menino recebe de um companheiro de guerra de seu pai (morto na guerra) um relógio que havia pertencido a toda sua geração passada. Tratava-se de um relógio com uma carga simbólica muito forte. O menino, que não possuía pai, passou a ter um pai simbólico.

O objeto relógio fez com que o menino construísse a imago paterna. Em ambos os exemplos, embora de histórias bem distintas, percebe-se como a função paterna pode ser exercida mesmo sem a presença física do pai, onde o aspecto que realmente importa é noção afetiva despendida, cada qual em seu devido contexto, a um discurso ou mesmo a um objeto. É bastante assim, o discurso da mãe com a intenção de se preencher o vazio deixado pelo pai, ou um objeto com valor simbólico que representa de modo ímpar a presença paterna.

Assim, cada filho constrói o pai de uma forma. Dois irmãos que possuem o mesmo pai, nunca vão possuir o mesmo pai simbólico. A paternidade não reside unicamente em gerar e fazer-se conhecer como pai, ainda além deste pequeno detalhe está à razão do indivíduo em se compreender como responsável direto por alguém é isso e mais a consciência do mesmo de se firmar como referencial afetivo da criança que gerou, não deixando

Para Miller, “[...]el Nombre-del-Padre funciona muy bien en la ausencia del padre[...]” e continua, “[...] es a partir de eso que Lacan critica la teoria de la carência del padre.” MILLER, Jacques-Alain.

Comentário del Seminário Inexistente. Buenos Aires: Manantial, 1992, p.22. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste?. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.), op. cit. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental que ela transfira todo o seu sentimento a uma outra figura que não ele. A verdadeira paternidade é uma adoção, um ato, pelo qual, se estabelece uma função. Esse ato de adoção, não pode ser imposto, pois, depende de uma “escolha” do inconsciente, ou seja, é tão subjetivo que nem mesmo o sujeito sabe ao certo o porquê ou não de fazê-lo. Essa adoção é composta de dois aspectos: um formal-material, reconhecimento e sustento material, e um afetivo, que está ligado ao amor. Ou seja, um pai pode reconhecer e atender as necessidades materiais de um filho, mas não desejá-lo como filho, não amá-lo. Esse amor é difícil de ser mensurado, pois depende da subjetividade do pai e do filho. Passando-se às premissas do pedido indenizatório, observa-se que, para aqueles que admitem a responsabilidade por abandono afetivo, há de se estabelecer requisitos básicos. Primeiramente, observe-se que é primordial a existência de uma efetiva relação paterno-filial, de efetivo conhecimento do genitor (a). Outro sim, imperioso que se constate a existência de um dano à formação sócio psicocultural da criança, o que muitas vezes pode não ocorrer.

Isso se verifica quando a figura paterna é substituída por outrem, um segundo marido, um tio, um avô. Não havendo dano, não haverá dever de indenizar. Observa-se que o dano entendido aqui é inexistente posto que a figura do pai foi naturalmente substituída por outra pessoa ou até mesmo por algum objeto, logo, têm-se os casos onde a falta da figura paterna causa dano de ordem afetiva e até moral em muitas crianças, contudo no tocante a uma possível indenização é mister agir com prudência pois valorar o afeto é demasiado arriscado e tampouco tem sua aplicação legal. Não se nega o fato de haver situações em que a falta do afeto parental traz transtornos diversos, mas ainda julga-se importante entender que a obrigação de um ser está em assistir o que se entende por responsabilidade, e tanto no âmbito legal como no social não se pode atribuir ao amor um cunho meramente obrigatório, posto que esse é uma manifestação externa à vontade do ser, é um estado de espírito que não se aplica por necessidade e independe da vontade.

3. DANO MORAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Dano Moral por Abandono Afetivo Parental Desprende-se aqui a necessidade de se conceituar o dano moral, e para tanto se toma por base a lição de Savatier, para quem, “dano moral é qualquer sofrimento que não é causado por uma perda pecuniária”

Esse conceito traduz a idéia de que qualquer sofrimento humano é passível de reparação. A simples dor, vexame, tristeza, humilhação, desconforto seriam suficientes para a configuração do dano moral.

Embora louvável o conceito defendido por Savatier, este não se basta quando a Constituição de 1988 em seu art. 1º, III, consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.

Assim, com o advento da Carta Magna se evidencia a preocupação necessária com a proteção da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é valor espiritual e moral inerente à pessoa, é fator de diferenciação e caracteriza o ser como ente de direito, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais

É assim que se entende o direito garantido pela constituição à dignidade humana, o que acumula maior importância e amplitude ao dano moral. Assim, para que a justiça se consolide sobre os pilares da igualdade, da liberdade e da fraternidade, é preciso que haja interação dos conhecimentos das varias disciplinas sociais e, especificamente, da Psicologia, que traz grande contribuição por meio da análise e compreensão do comportamento humano no contexto afetivo e social. A dignidade humana ”repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano”

Dessa forma a Constituição da República concebeu o homem como “centro de referência da ordem jurídica, que se humaniza e legitima imantada pelo valor que se irradia a partir do princípio da dignidade da pessoa humana”

SAVATIER, p. 585 apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.54.

FARIAS, Cristiano Chaves de. A Separação Judicial à Luz do Garantismo Constitucional: A afirmação da dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.11.

SARLET, 2001, p. 42 apud FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil Teoria Geral. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 93.

SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 60.

Ibidem, p. 60 Dano Moral por Abandono Afetivo Parental A necessidade do Direito manter uma relação interdisciplinar com outras ciências urge quando se permeia os aspectos da dignidade humana, dentre elas a Psicologia, visto que esta busca a compreensão do comportamento humano e aquele, por meio de regras, regula tal comportamento, prescrevendo condutas e formas de soluções de conflito. Através de uma análise à luz da Constituição de 1988 podemos afirmar que dano moral é a “violação do direito à dignidade”

Dessa forma “pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação a dignidade”

Para Moraes, “será ‘desumano’, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto”

Nota-se a partir de então que a ciência jurídica sempre coloca o estudioso na condição de aprendiz, num constante buscar, visto que as necessidades humanas são inesgotáveis, devendo o Direito, e seus operadores, estar atento a luz do seu tempo.

A dignidade da pessoa humana, vista sob uma acepção moral e jurídica, está intimamente ligada às relações humanas, às quais implicam um recíproco dever de respeito, para que as pessoas se sintam valorizadas, seguras no meio social as quais estão inseridas. No concernente às crianças, tem-se que o primeiro lugar onde estabelecem as relações sociais é no seio da família, a mais importante instituição na formação do ser humano; é inaceitável que a paternidade não seja uma escolha consciente.

Para saber se houve violação à dignidade humana, se faz imperioso destrinchar os princípios corolários que a compõem. Nesse passo, o substrato material da dignidade da pessoa humana pode ser decomposto nos seguintes princípios jurídicos: princípio da igualdade, da integridade física e moral, da liberdade e da solidariedade. Haverá, portanto, dano moral, quando houver “violação a algum desses aspectos ou substratos que compõem, e conformam, a dignidade .

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 31.Ibidem

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos a pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 85. “Dano Moral por Abandono Afetivo Parental humano”

Importa ainda considerar que, em se tratando de um valor, de um guia, a dignidade da pessoa humana atrairá direitos fundamentais e, uma vez sendo negado o direito à paternidade, ao amor, ao convívio familiar, estar-se-á negando a própria dignidade.

O dano moral, por sua vez, ainda na linha de pensamento de Rovinski, não implica conformação patológica e favorece uma percepção mais pessoal do prejuízo, a que, em tese, facilita as fatores probantes. Como nos casos da dor do pai que perde o filho, quando um sujeito tem a sua honra ou imagem maculada, quando a sua liberdade e restringida, sendo estas situações, muitas vezes, perceptíveis de plano, tomando-se objeto de melhor avaliação e conceituação par parte dos profissionais do direito. Dessa forma, não se pode vincular o dano moral a meros sentimentos e sofrimentos, aliás, cada vez mais comuns na vida em sociedade.

Deve-se sempre vincular o dano moral à ofensa de valores constitucionalmente tutelados, sob pena de fomentar a indústria do dano moral e conseqüentemente a banalização do mesmo. É comum, todavia, que na prática, esses valores constitucionais colidam, dificultando a configuração, ou não, do dano moral. Nesses casos, recorreremos à ponderação de interesses. Foi-se o tempo dos equívocos das relações familiares gravitarem exclusivamente na autoridade do pai, como se ele estivesse acima do bem e do mal apenas por sua antiga função provedora, sem perceber que deve prover seus filhos muito mais de carinho do que de dinheiro, de bens e de vantagens.

4. A PONDERAÇÃO DE INTERESSES

Havendo colisão entre princípios de igual hierarquia, deve-se buscar resolver o conflito por meio da técnica de ponderação de interesses. Assim:

Essa possibilidade de contradição entre diferentes normas ou princípios integrantes de um mesmo sistema é um fenômeno absolutamente natural e ROVINSK, Sonia Liane Reichert. Fundamentos da Perícia Psicológica Forense. São Paulo: Vitor, 2004, p. 157

TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separaryiio, violaryiio e danos morais, a tutela da personalidade dos jilhos, São Paulo, Paulistanajur Ediyoes, 2004, p. 180-181. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental inevitável, pois na formação dele são acolhidas diferentes idéias fundantes, que podem conflitar entre si O princípio da dignidade humana, por sua essência e valor, jamais poderá ser ponderado, visto que, é considerado absoluto. Ou seja, [...] a dignidade da pessoa humana afirma-se como o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses [...] Nenhuma ponderação pode implicar em amesquinhamento da dignidade da pessoa humana, uma vez que o homem não é apenas um dos interesses que a ordem constitucional protege, mas a matriz axiológica e o último desta ordem Logo, será este princípio “o fiel da balança, a medida de ponderação, o objetivo a ser alcançado”

Os demais princípios corolários serão sopesados, visando descobrir, no caso concreto, quais dos valores em tensão expressam com maior amplitude o fundamento maior, a dignidade humana.

Na responsabilidade civil o silencio da lei, por si só, não é motivo bastante para arrefecer a necessidade do ser humano em buscar a felicidade Tímida e por vezes, preconceituosa, a justiça deve encontrar as possíveis soluções àqueles que batem a sua porta, visto que é da essência humana o permanente conflito na busca da satisfação pessoal. Tal situação exige que a tutela jurisdicional invocada esteja alerta para atender toda espécie de demanda, dando a resposta justa, mesmo aquelas de caráter eminentemente subjetivo, como e ocaso das indenizações por abandono afetivo, as quais adentram no campo da responsabilidade civil.

Nas relações entre pais e filhos, ponderados os interesses contrapostos, observa-se: de um lado o princípio da liberdade (do pai) e do outro, o princípio da solidariedade familiar e integridade psíquica (do filho). Explica Maria Celina Bodin de Moraes que:

FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil Teoria Geral. 3.ed., Rio de Janeiro: Lumen, 2005, p. 30

SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 76.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 85.

Revista Brasileira de Direito de Família. Ano VIII – Nº 35 – Abril – Maio 2006. IOB Thonson. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Dano Moral por Abandono Afetivo Parental dado a peculiar condição dos filhos, e a responsabilidade dos pais na criação, educação e sustento dos mesmos, seria incabível valorizar a sua liberdade em detrimento da solidariedade familiar e da própria integridade psíquica dos filhos no que pese a posição da autora, ousa-se discordar em parte, de seu posicionamento.

No tocante á responsabilidade do sustento material, garantindo o direito à vida, à saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura e demais direitos previstos no caput do art. 227 da CF/88, concordamos plenamente no que tange á prevalência do princípio da solidariedade em relação ao princípio da liberdade de não prover sustento material.

O direito não é estático, pois, de forma dinâmica, evolui através dos tempos, a fim de atender às novas linhas de pensamento no que refere aos assuntos jurídicos e as emergentes necessidades sociais. Enquanto a evolução atende as exigências permanentes da justiça, forçosamente determina alterações periódicas no elemento de segurança das normas com intuito de acomodá-las à sociedade que se transforma. Entretanto, o princípio da liberdade, não pode ser visto de maneira geral, aberta; deve ser fracionado em liberdade material e liberdade afetiva A paternidade é uma função que implica uma adoção, “[...] pode ser sustentada por alguém distinto do pai da família em questão [...]”. Essa adoção esta ligada ao desejo, à vontade a “[...] paternidade só existe se for exercida.”

Não existe liberdade entre desejar ou não. Essa “escolha” vai mais além do simples querer. As escolhas percorrem caminhos inimagináveis onde o direito não pode

MORAES, Maria Celina Bodin de. Deveres parentais e responsabilidade civil, texto gentilmente cedido pela autora através de correspondência virtual. p. 15.

Art. 227 CF/88. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Revista Brasileira de Direito de Família. Ano VIII, nº 35, Abril-Maio 2006. IOB Thonson. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

BASSOLS, Miguel. Scilicet dos Nomes do Pai: textos preparatórios para o congresso de Roma. Rio de Janeiro: AMP, p.54.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste?. In: GROENINGA, Giselle Câmara;

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord). Direito de Família e psicanálise/ Rumo a uma Nova Epistemologia: Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 226. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental interferir. Desta forma, “É preciso demarcar o limite de intervenção do Direito na organização familiar para que as normas estabelecidas por ele não interfiram em prejuízo da liberdade do ser sujeito”

Assim, defende-se algo imensurável, que é a liberdade afetiva, que por estar relacionada com o desejo inconsciente, independe da vontade do sujeito não se podendo, portanto, quantificar o desejo e o amor, muito menos exigir que se goste ou não, que se realize ou não o ato de adoção.

Por se tratar de uma matéria com alta carga de subjetividade, por mais que moralmente rejeitada, o princípio da liberdade afetiva se sobrepõe a qualquer outro princípio para a realização da dignidade, visto que não se pode exigir afeto.

Nesse sentido, o questionamento que se faz é: o princípio da integridade psíquica do filho estaria violado com o abandono afetivo? A resposta é negativa, visto que “[...] diante da carência do pai, é o filho que constitui a função com seus próprios instrumentos”

De certo que, mesmo que não exista pai, este poderá ser construído pelo próprio filho, através dos elementos da função paterna que estejam a sua disposição.

Segundo Moraes não há qualquer caráter punitivo à indenização por dano moral, ou seja: não se trata, pois, de condenar um pai que abandonou seu filho (eventual dano causado), mas de ressarcir o dano sofrido pelo filho quando, abandonado pelo genitor biológico, não pôde contar nem com seu pai biológico, nem com qualquer figura substituta [...].

Observe-se que o dano é mais facilmente verificável nas hipóteses em que existia um vínculo de afetividade que foi rompido, causando à criança uma sensação de abandono, de rejeição, de dano à personalidade do indivíduo.

O outro pressuposto do dever de indenizar diz respeito à culpa. Esta se refere à conduta omissiva do genitor (a) que, sem que se possa atribuir a outrem.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 3.

V. FREUD, Sigmund. La Interpretacion de los Sueños. Buenos Aires: Santiago Rueda, 1953.

CHAMORRO, Jorge. Scilicet dos Nomes do Pai: textos preparatórios para o congresso de Roma. Rio de Janeiro: AMP, p.10.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 85.

Dano Moral por Abandono Afetivo Parental qualquer responsabilidade, deixa de participar do desenvolvimento da personalidade do seu filho.

No que refere as relações parentais, mormente quanto às relações entre pais e filhos, a psicologia faz alguns apanhados evolutivos que desmistificam a idéia de que o amor pelos filhos e inerente a pessoa humana, mais especificamente quanta a figura da mãe, colocando em questionamento se o amar materno é, verdadeiramente, um instinto, uma tendência feminina nata.

Vários registros têm demonstrado que os comportamentos sociais variam de acordo com a época e os costumes, como bem as segura Badinter o amor paterno e apenas um sentimento humano como outro qualquer e, como tal, incerto, frágil e imperfeito. Pode existir ou não, pode aparecer e desaparecer, mostrar-se forte ou frágil, preferir um filho ou ser de todos.

Contrariando a crença generalizada em nossos dias, ele não está profundamente inscrito na natureza feminina. Observando-se a evolução das atitudes maternas, verifica-se que o interesse e a dedicação a criança não existiram em todas as épocas e em todos os meios sociais.

Por fim, é preciso existir o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo filho, devidamente apurado em perícia psicológica, e a conduta do pai como determinante desse sofrimento, devidamente ponderados todos os fatores.

Conquanto não haja menção expressa na legislação ao dever de amor e zelo, encontramos a fundamentação jurídica do dever de indenizar o abandono afetivo, primeiramente, na Constituição Federal, no tocante à preservação da dignidade da pessoa humana, quando aduz ser dever da família colocar a criança e o adolescente a salvo de toda a forma de negligência, o que inclui a afetividade e, por fim, quando assegura o direito à saúde, que abrange a psicológica (art. 227 da CF). Ademais, os pais têm o dever de guarda e de educação dos filhos menores Outrossim, há previsão de aplicação de pena de multa aos que deixarem de cumprir com os deveres decorrentes do poder familiar BARDINTER, 1980, p. 4 arts. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente e 1566, IV, do Código Civil

Art. 249 do ECA e o art. 3 do mesmo Estatuto assegura às crianças e adolescentes o direito ao desenvolvimento mental, moral, espiritual e social. (Ver também arts. 19 e 20 do ECA). Dano Moral por Abandono Afetivo Parental Há enorme resistência dos operadores do direito e da sociedade em geral em se desatrelar da idéia de pai como simples provedor material, idéia arcaica, ligada à sociedade patriarcal.

O desenvolvimento da dignidade da pessoa humana preconizado pela Carta Magna não se resume a dinheiro, e aí a monetarização da relação, mas do lado dos que negam o dano afetivo, também deve ser combatida. A importância da figura do genitor ou genitora para o desenvolvimento do filho vai muito além, abrange aspectos sócio psicológico que interessam não apenas à família, mas à sociedade como um todo, que busca o desenvolvimento global do país e de suas crianças e jovens para a formação de cidadãos íntegros em todos os aspectos.

Como há aspectos da formação dos indivíduos que escapam ao controle estatal, os que dependem direta e especialmente da família, a atuação será a posteriori, com sentido de reposição do dano e prevenção de outros casos.

É inquestionável o dano causado pela conduta omissiva, geradora de infração aos deveres de assistência imaterial e proteção que derivam do poder familiar. E ainda mais, nos termos da sentença proferida pelo Juiz de Direito Cirillo a paternidade prova o surgimento de deveres. Examinando-se o Código Civil vigente à época dos fatos, verifica-se que a lei atribuía aos pais o dever de direção da criação e educação dos filhos, e de tê-los não somente sob a sua guarda, mas também sob sua companhia (art. 384, I e II). Há, portanto, fundamento estritamente normativo para que se conclua que a paternidade não gera apenas deveres de assistência material [...]. De acordo com Hironaka é certo que não se pode obrigar ninguém ao cumprimento do direito ao afeto, mas é verdade também que, se esse direito for maculado – desde que sejam respeitados certos pressupostos essenciais - seu titular pode sofrer as conseqüências do abandono afetivo e, por isso, poderá vir a lamentar-se em juízo, desde que a ausência ou omissão paterna tenham lhe causado repercussões prejudiciais, ou negativas, em sua esfera pessoal – material e psicológica – repercussões essas que passam a ser consideradas, hoje em dia, como juridicamente relevantes.

CIRILLO, Luis Fernando. A prisão civil do depositário judicial. São Paulo: Repertório IOB de Jurisprudência – abril de 2000 – Nº7/2000.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. Repertório de Jurisprudência IOB. [S.I.], v. 3, n. 13, 2006, p.118. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental

De acordo com Moraes, há julgados que afastaram o pedido indenizatório, entre eles. Sem adentrar na correção do julgamento à vista do caso concreto, concluiu-se que ninguém está obrigado a contemplar quem quer que seja com amor e afeto. Há ainda julgados em que o pedido foi julgado improcedente porque o dano sofrido pode ter decorrido de circunstâncias outras não imputáveis ao pai, em que houve o reconhecimento de filho em ação de investigação de paternidade.

Segundo Santos, um recente acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais reconheceu ao filho o direito a ter reparados os danos morais decorrentes do abandono paterno, fixando indenização correspondente a 200 salários mínimos.

No entanto não existe dano moral nem circunstância similar que permita uma penalidade indenizatória por abandono afetivo. O pai deve cumprir suas responsabilidades financeiras. O pagamento regular da pensão alimentícia supre outras lacunas, inclusive sentimentais. Para sustentar o filho, os pais têm que trabalhar, com o objetivo de manter um bom nível de vida até a maioridade ou a formatura na faculdade. Isso já é um ato de afeto e respeito Entende-se que não será uma decisão judicial que irá mudar a vida de um filho, pois, o laço sentimental é algo mais muito mais profundo. Na maioria das vezes, o afastamento entre pai e filho é resultado de uma separação judicial. Tal separação procede da vontade dos genitores. O pai que cumpre suas obrigações não deve ser penalizado por danos afetivos. Por outro lado, o pai que dá amor durante toda a vida ao filho, porém não paga pensão alimentícia, deve ser preso.

De acordo com Carbone, tal caso ineditamente discutido pelo STJ, conforme o processo aconteceu com um estudante que até os seis anos (hoje com 24 anos) mantinha contato com seu pai de maneira regular. Com o nascimento de

MORAES, Maria Celina Bodin de. Deveres parentais e responsabilidade civil. In: Revista Brasileira de Direito da Família, Porto Alegre: 2005.

Acórdão do TJRJ, (Ap. Civ. N. 2004.001.13664.Como, na Apel. 70019263409 do TJMG,AC nº 408.550-5, de 01.04.2004, 7ª. Cam. Cível, in SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Indenização por Abando Afetivo. Disponível em: http://www.gontijo-familia.adv.br/tex252.htm, Acesso 11 fev. 2008

CARBONE, Angelo. Abandono Afetivo – Justiça não pode obrigar o pai a amar o filho. Disponível

em: http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1136419239, Acesso em: 10 fev. 2008. Ibidem. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental

sua irmã, fruto de novo relacionamento conjugal do pai, o mesmo teria se distanciado definitivamente e deixado de conviver com o filho. Mesmo sempre recebendo pensão alimentícia, afirmou que o que ele realmente queria do pai era o amor e o reconhecimento como filho, tendo recebido apenas abandono, rejeição e frieza, até mesmo em datas importantes, como aniversários, formatura no ensino médio e na aprovação do vestibular.

Carbone ainda acrescenta que a petição do filho foi aceita com base no artigo 227 da Constituição. Reza que "a responsabilidade pelo filho não se pauta somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano aos filhos, com base no princípio da dignidade da pessoa humana". Esse entendimento foi contestado pelo pai. Ele argumentou que o pedido de indenização tem caráter abusivo, que a guarda do filho ficou com a mãe após a separação e que sua ausência se deu em razão de suas atividades profissionais, inclusive fora do país. Assim, a 4ª Turma do STJ afastou o dever do pai de indenizar o filho por abandono afetivo.

Há de concordar que é bastante arbitrário e abusivo esperar que o pai seja punido por problemas causados ao filho pela carência de amor, amizade, pela falta de companheirismo e até, talvez, pela separação. O pagamento apropriado da pensão alimentícia ao filho, deixando-o em condições de se tornar um homem digno, deve ser avaliado como uma forma de atenção.

Portanto, vê-se como a legislação civil põe em relevo a notória importância da função parental na formação da pessoa. Falando especificamente sobre a figura paterna, noticia Pereira que, em 1989, a jurista belga Bernadete Bawin Legros, refletindo sobre essas mudanças no Direito de Família, a partir da década de 70, publicou um artigo, sob o título de A função paterna: sua história e sociologia, onde considera que essa função, menos evidente que a materna, comporta três aspectos: a reprodução (função biológica), a relação educativa (função psicopedagógica) e a transmissão de um nome e de um patrimônio (função social).

Idem.PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord). Direito de Família e psicanálise/ Rumo a uma Nova

Epistemologia: Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 226. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental Desta forma, a ausência sem justificativa do pai causa notável dor psíquica e conseqüente prejuízo à formação da criança, resultado da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, principalmente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade. E, além do dano, também se apresenta, na omissão do pai, a violação aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que lhe são impostos como decorrência do poder familiar.

Na expressão de Hironaka tem me sensibilizado, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar indenização compensatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave. A função dos pais não se limita apenas ao dever de sustento, de prover materialmente o filho com os meios necessários à subsistência orgânica. Vai muito além, para compreender a subsistência emocional, e a função psicopedagógica, de educação e assistência em geral. Ao passo que não é exercido esse irrenunciável

papel, por injustificável ausência paterna, exsurge o dano que há de ser reparado.

Nesse aspecto, destaca a atuação da justiça na aplicação integrativa dos princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, como forma de não deixar recair unicamente sobre a vítima as conseqüências do dano.

CONCLUSÃO

Em primeiro ponto observa-se a dificuldade de se valorar o amor, ao ponto de implicar em sua falta uma multa por ser ele objeto de dor e sofrimento. Este trabalho teve o objetivo realizar uma revisão bibliográfica acerca do dano moral em razão do abandono afetivo por parte dos parentes. Diante de tudo exposto, conclui-

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Palestra proferida no III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e Cidadania: o novo Código Civil Brasileiro e a ‘vacatio legis’, promovido pelo IBDFAM e pela OAB/MG, Minas Gerais: Ouro Preto, 2001. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental se não ser cabível o dano moral por negativa de afeto de pai para filho. Entende-se que, por mais que o pai possua deveres decorrentes da paternidade responsável, esses deveres não podem invadir o campo subjetivo do afeto. A negativa deste, não implica em um dano juridicamente indenizável, visto que outros elementos podem realizar a função paterna.

O ato de abandono paternal em toda sua amplitude é merecedor de considerações no sentido de se avaliar o dano causado ao filho, contudo, no tocante a se responsabilizar o pai por não amar, adentra-se em uma área que ainda não se legisla, os pontos que independem da vontade do ser, os sentimentos que em hipótese alguma podem ser subtraídos contra ou a favor da vontade de alguém, uma vez que estes têm sua existência na sua própria independência, vivem por si e para si e independem do querer, são senhores e não obedecem a ordens naturais e racionais, são instâncias do sentir e sobre os quais o homem não tem ainda o domínio.Não se está aqui a afirmar, que a atitude de um pai que não quer ver seu filho seja louvável, pelo contrário, é uma atitude moralmente reprovável. Entretanto, ser a favor da monetarização do afeto e consequentemente dos danos morais por negativa deste, seria monetarizar o amor, o afeto.

Ao quantificar o afeto, outras situações poderiam ensejar a reparação civil. Haveria dano moral decorrente de maior ou menor grau de afeto, um pai, que possui dois filhos, entretanto, gosta mais de um do que do outro, poderia ser obrigado a ressarcir o filho prejudicado. Enfim inúmeras situações surgiriam no dia a dia com base na quantificação do afeto Invertendo a situação. Poder-se-ia pensar em danos decorrentes do excesso de afeto, a chamada super-proteção afetiva. Desse modo, o judiciário invadiria o campo afetivo terminado por decidir se houve ou não afeto, o que corresponde ao campo do subjetivo.

A ciência jurídica tem demonstrado que a forma encontrada para o sancionamento do infrator pela causação de dano moral e o ressarcimento patrimonial, produzindo, em poucas palavras, a moralização da sociedade, instituindo a necessidade de prevenção, pelo temor do desgaste patrimonial 18Dano Moral por Abandono Afetivo Parental excessivo, a todo tipo de atentado a personalidade humana em seus atributos físicos, psíquicos e morais

Rovinski preconiza que, no Brasil, como em vários países do mundo, a delimitação dos prejuízos psicológicos decorrentes de situações traumáticas e matéria recente, sem clara definição em lei. A legislação associa o conceito de dano psicológico a dano moral, a que gera uma confusão nos seus conceitos, que, embora de grande proximidade, não se misturam. No meio jurídico, trata-se de matéria incipiente e, por vezes, contraditória. Segundo a autora, a literatura estrangeira, especificamente a argentina e a italiana, e quem melhor aborda a diferenciação destes temas trazendo aspectos importantes no sentido de a dano moral ser arbitrado por agentes jurídicos, ao passo que o dano psíquico estaria no campo dos técnicos da saúde mental.

Ainda no entendimento da autora supra-referida, o dano psíquico estaria mais ligado a noção de lesão as faculdades mentais, incluindo o afetivo e pressupondo uma disfunção, um transtorno, uma limitação na capacidade laboral, social e recreativa do individuo. Requer uma avaliação minuciosa a fim de determinar a presença real dos seus danos, pressupondo uma relação causal entre o fator traumático a e as danos psíquicos apresentados. Para tanto, deverá ser levado em consideração o ambiente em que a pessoa vive, suas condutas diárias, seu desempenho escolar, seus vínculos familiares e suas relações sociais. O dano psíquico não esta ligado somente ao sofrimento; poderá ser a criação de uma patologia, a incremento de alguma preexistente ou o desencadear de sintomas em uma personalidade predisposta ao patológico. Especialistas elucidam que o dano psíquico está mais vinculado a área da saúde, pressupondo investigação e avaliação por método específico.

A privação de direitos é também tônica em um assunto tão controverso, não se pode privar de certo uma criança de ser amada como também não se pode privar a um pai o direito de não amar, sabendo-se ainda que o não amar independe

Revista Brasileira de Direito de Família. Ano VIII, nº 35, Abril-Maio 2006. IOB Thonson. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

ROVINSK, Sonia Liane Reichert. Fundamentos da Perícia Psiciológica Forense. São Paulo: Vitor,2004, 155p. Dano Moral por Abandono Afetivo Parental de sua vontade. A liberdade afetiva esta acima de qualquer princípio componente da dignidade da pessoa humana, sob pena de gerar um dano ainda maior para ambos. Seria muito mais danoso obrigar um pai, sob o temor de uma futura ação de reparação de danos, a cumprir burocraticamente o dever de visitar o filho. Ademais, a responsabilidade civil ocupa uma função preventiva. Caso a negativa de afeto gere responsabilidade civil, não seria possível adotar providências acautelatórias preventivas, pois dessa forma o direito forçaria o pai a visitar a criança, supondo que visitar implica amar.

Há correntes que defendem o abandono afetivo como uma simples presença no âmbito familiar, pensa-se então que as mesmas diminuem o valor do afeto em si, não levando em conta que a presença paterna não está demonstrada unicamente em sua forma física, mas sim em toda a sua carga sentimental de afeto para com o filho gerado. Parte da doutrina que admite o ressarcimento por abandono afetivo acredita que a simples presença do pai já supre a carência afetiva do filho. Todavia, existe uma quantidade infinita de pais que por mais que se façam presentes fisicamente, não dão afeto aos filhos, os maltratam, ou pior, os destratam.

Privar o homem de sentir é o maior dos castigos, e este a própria natureza humana trata de aplicar. O não amar um filho é antes de tudo uma deficiência afetiva que perturba a mente humana mais inalcançável. A maior punição que pode receber um pai que não deseja seu filho afetivamente e o abandona, é não ter o prazer de conviver em uma das relações mais maravilhosas que existe sobre a face da terra. Relação esta, onde ambos aprendem um dos verdadeiros sentidos da vida. O amor! O privar-se do amor é algo involuntário na maioria das vezes, e este aspecto causa maior dano em quem se priva do que o objeto de sua privação, ou de quem é privado de ser amado. Dói mais não amar do que não ser amado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSOLS, Miguel. Scilicet dos Nomes do Pai: textos preparatórios para o congresso de Roma. Rio de Janeiro: AMP, p.54.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 31. 20Dano Moral por Abandono Afetivo Parental

CHAMORRO, Jorge. Scilicet dos Nomes do Pai: textos preparatórios para o

congresso de Roma. Rio de Janeiro: AMP, p. 10

FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil Teoria Geral. 3.ed. Rio de Janeiro:

Lumen Júris, 2005, p. 30

A Separação Judicial à Luz do Garantismo Constitucional: A afirmação da dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

FREUD, Sigmund. La Interpretacion de los Sueños. Buenos Aires: Santiago Rueda, 1953.

MILLER, Jacques-Alain. Comentario del Seminário Inexistente. Buenos Aires: Manantial, 1992.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civilconstitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 _____. Deveres parentais e responsabilidade civil, texto gentilmente cedido pela autora através de correspondência virtual. p. 15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste?. In: GROENINGA,

Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord). Direito de Família e psicanálise/ Rumo a uma Nova Epistemologia: Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 226.

_____. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 03.

SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio

de janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 76.

Dr João Evangelista
Enviado por Dr João Evangelista em 08/05/2012
Reeditado em 08/05/2012
Código do texto: T3656377
Classificação de conteúdo: seguro