Argumentos contra a reparabilidade do dano moral
O dano moral consiste em lesão ao patrimônio psíquico ou ideal da pessoa, à sua dignidade, que se traduz nos modernos direitos da personalidade. Pode envolver, como vítima, não somente a pessoa natural como também a jurídica, já que no caso desta o dano pode atingir seu nome, sua tradição de mercado, com repercussão econômica, ainda que de forma indireta. No entanto, no caso da pessoa jurídica como vítima de dano moral ainda há restrições na nossa doutrina e jurisprudência, principalmente por parte dos que defendem que a personalidade é bem personalíssimo, exclusivo da pessoa natural.
Antes da Constituição Federal de 1988 a discussão girava em torno de se indenizar ou não o dano moral. A CF/88, em seu art. 5º, incisos V e X, colocou um ponto final nessa discussão, cujo foco deslocou-se então para a questão dos limites e formas de indenização, problemática que passou a preocupar a doutrina e a jurisprudência de 1988 para cá.
Os que antes defendiam a irreparabilidade do dano moral baseavam-se essencialmente em oito argumentos, a saber:
1. Falta de um efeito penoso durável
Argumento baseado na ideia de dano intimamente relacionado à diminuição do prazer, não importando a natureza do direito ofendido, se moral ou material. Seria, segundo esse entendimento, algo de efeito moral temporário, uma simples ofensa, e não propriamente um dano. Tal ponto de vista tem sua fragilidade no fato de que certas “dores morais” podem perdurar por uma vida inteira, a depender das circunstâncias, e ainda, em razão de que a questão da maior ou menor duração dos efeitos da lesão somente pode influir na forma e intensidade de sua reparação, e não na discussão envolvendo sua reparabilidade.
2. Incerteza de um verdadeiro direito violado
O dano moral seria visto como a lesão de um direito especial e abstrato para o qual não haveria valor jurídico reconhecido (posição defendida pelo jurista italiano Chironi). De acordo com a corrente de entendimento que acabou prevalecendo, o dano moral deve ser visto como o efeito não patrimonial da lesão de um direito, de modo que a não materialização imediata do dano em valores econômicos não quer dizer que ele seja etéreo. Em outras palavras, o fato de os efeitos do direito violado serem imateriais não implica em inocorrência de violação, tampouco na inexistência de direito lesado.
3. Dificuldade de descobrir a existência do dano
Entendimento de alguns autores segundo o qual seria muito difícil, praticamente impossível, saber se o ofendido sofreu de fato uma dor em decorrência do fato ilícito, e o juiz poderia, inclusive, entender estar havendo um sofrimento verdadeiro, quando na verdade poderia simplesmente se tratar de uma dissimulação da (suposta) vítima de dano moral. Os que não estão de acordo com tal argumento alegam que, ainda que não seja fácil para o magistrado descobrir a verdadeira existência do dano moral, isso seria uma simples dificuldade de ordem probatória, e não um impedimento à ressarcibilidade do dano, que deve ser visto sob o prisma da moralidade média do cidadão comum.
4. Indeterminação do número de pessoas lesadas
Argumento relacionado à questão da legitimidade para pleitear a reparação do dano moral, intimamente ligada ao argumento anterior. Em se tratando de sentimentos, quais seriam as vítimas com direito à reparação? – indaga a corrente defensora da irreparabilidade do dano moral.
Tanto para esta objeção quanto para a anterior os defensores da reparabilidade do dano moral contra-argumentam, no sentido de que todo aquele que efetivamente sofre uma lesão, ainda que de natureza extrapatrimonial, deve ter direito à indenização, cabendo ao juiz verificar, em cada caso concreto e segundo as circunstâncias, quem são as pessoas cuja dor merece ser reparada, ainda que o ofensor não tenha tido a intenção de causar essa dor, aspecto que ele deveria ter considerado antes de praticar o ato ilícito que deu causa ao dano.
5. Impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro
Baseado na teoria da responsabilidade civil, pela qual todos os danos devem ser fixados pecuniariamente, este argumento é um dos pontos centrais da discussão entre os que aceitam e os que rejeitam a reparação dos danos morais. Estes, numa visão equivocada, sustentam que o dano deve ser matematicamente redutível em pecúnia, sob pena de ser indevida qualquer prestação monetária. Já aqueles defendem que o dinheiro, na reparação do dano extrapatrimonial, não teria o propósito de real correspondência monetária quanto aos bens atingidos pela lesão, mas sim o de servir para atenuar, ainda que em parte, as consequências do prejuízo sofrido pela vítima, propiciando-lhe condições de um futuro melhor, menos penoso, por assim dizer. Desse modo, o dinheiro aqui deve ser visto como mero meio de proporcionar à vítima essas condições.
6. Imoralidade de compensar uma dor com dinheiro
Este argumento, na opinião dos defensores da reparabilidade do dano moral, seria de uma hipocrisia descabida, posto que mais imoral que compensar uma lesão com dinheiro seria deixar a vítima sem qualquer tutela jurídica, ao “deus dará”, e o causador da lesão sem punição, o que muito provavelmente, diante da impunidade, levá-lo-ia à prática de novos atos lesivos no futuro. A compensação em dinheiro não deve ser vista, pois, como imoral, já que não se está tratando da comercialização de um bem moral, mas sim buscando atenuar o sofrimento da vítima, não se podendo descartar o efeito psicológico dessa reparação, que visa a prestigiar o respeito ao bem violado.
7. Amplo poder conferido ao juiz
Objeção baseada no receio da chamada “ditadura do Judiciário”, temor esse bastante marcado pelo positivismo jurídico. Eis que se trata de um argumento infundado, pois não se pode apartar do papel do juiz a responsabilidade inerente ao cargo, sua requerida cautela em examinar todas as circunstâncias dos autos e julgar fundamentadamente. E, ainda assim, como em qualquer processo judicial, usar de seu arbítrio para decidir e prolatar a sentença, vez que os elementos dos autos nem sempre dão a certeza do final resultado ou da final sentença, conforme preleciona Wilson Melo da Silva. Ademais, não se poder perder de alcance que toda e qualquer decisão prolatada sempre será passível de reexame e reforma junto às instâncias superiores, caso assim desejem os litigantes.
8. Impossibilidade jurídica da reparação
Este último argumento empregado pelos que se postam no extremo contrário à reparação do dano moral é de frágil sustentação, já que vários países mundo afora têm, em seus ordenamentos jurídicos, previsão específica de reparabilidade do dano moral. Além disso, ou como fundamento dessa tendência mundial do Direito, inequívoco é o fato de que se os bens morais são também jurídicos, qualquer violação praticada em relação aos mesmos deve ser objeto de tutela do Estado. Em síntese, nas palavras de Maria Helena Diniz: “Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é evidente que esse interesse é indenizável, mesmo que o bem moral não se exprima em dinheiro. Se a ordem jurídica sanciona o dever moral de não prejudicar ninguém, como poderia ela ficar indiferente ao ato que prejudique a alma, se defende a integridade corporal, intelectual e física?”.
(Fonte de pesquisa: Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, v. III, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2006)