Comentários ao art. 9, parágrafo único, do Código Penal Militar
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica.
A norma sob comento cuida da competência para processar e julgar o crime doloso contra a vida praticado pelo militar da União, dos Estados e do Distrito Federal, em desfavor de um civil. Segundo o legislador nestas hipóteses o militar será processado e julgado perante o Tribunal do Júri da Justiça Comum. Ao contrário do pretendido por alguns que se afastam das disposições estabelecidas no texto constitucional, o Tribunal do Júri não poderá ser instituído na Justiça Militar da União ou mesmo das demais Unidades Federativas da União que possuem a Justiça Castrense, mas apenas e tão somente na Justiça Comum, onde caberá aos jurados no exercício de sua soberania decidirem sobre a culpabilidade ou não do militar que no exercício de suas funções acabou praticando o ilícito denominado de crime doloso contra vida, em regra, o homicídio tentado ou consumado. Nestas hipóteses, o militar que a princípio teria praticado o ilícito capitulado no art. 205, do Código Penal Militar responderá pela prática em tese do crime capitulado no art. 121, do Código Penal Militar. Apesar destas disposições legais, a Lei Federal 12.432 de 2011 estabeleceu que se o militar praticar o ilícito de homicídio na forma do estabelecido no art. 303, do Código Brasileiro de Aeronáutica que cuida do abate de aeronaves este será processado e julgado perante a Justiça Militar da União e não perante o Tribunal do Júri da Justiça Comum . Para um melhor entendimento da norma sob comento deve ser trazida a colação, transcrito, o art. 303, do Código Brasileiro de Aeronáutica , o qual estabelece que, “A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos: I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim; II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional; III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis; IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);V - para averiguação de ilícito.§ 1º A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado. (Regulamento) §2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614 , de 1998) §3º A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório. (Renumerado do § 2º para § 3º com nova redação pela Lei nº 9.614 , de 1998)”. Percebe-se que em razão da alteração que foi feita pela Lei Federal 12.432 houve uma exceção a regra estabelecida pelo legislador constituinte derivado que modificou a competência da Justiça Militar quando se trata de processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, praticados pelos militares no exercício de suas funções em desfavor dos civis, que são os destinatários dos serviços de segurança pública e da soberania nacional.
A análise do artigo sob comento não deixa dúvidas que a discussão sobre a constitucionalidade ou não das alterações ocorridas no Código Penal Militar quanto à vedação da Justiça Militar processar e julgar os crimes dolosos contra a vida praticados em desfavor dos civis perdeu o seu sentido.
A competência é do Tribunal do Júri excetuada a hipótese expressamente estabelecida no parágrafo único do art. 9º do CPM. A discussão que permanece é quanto à competência da Polícia Judiciária Militar para apurar ou não os crimes dolosos contra vida praticados pelo militar em desfavor do civil. Deve-se observar que por força do estabelecido na Lei Federal 9299/1996, a fase de apuração do ilícito penal é feita na Justiça Militar, Federal, Estadual ou do Distrito Federal, e posteriormente os autos serão remetidos ao Tribunal do Júri. Isto significa que no momento em que o crime de homicídio é praticado caberá ao Juiz-Auditor ou ao Juiz de Direito da Justiça Militar decidir sobre a concessão ou não da liberdade provisória, e posteriormente remeter os autos a Justiça Comum. Deve-se ressaltar ainda que a Associação Nacional dos Delegados de Polícia chegou a ingressar com uma ADIN, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade para questionar a competência dos oficiais de polícia de presidirem um Inquérito Policial Militar destinado a apuração de um crime militar praticado por um policial militar contra um civil, e o Supremo Tribunal Federal decidiu que é possível a abertura de dois inquéritos para apurar o fato, um pela Polícia Judiciária Militar e o outro pela Polícia Civil.
A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal não resolveu a questão, mas pode-se afirmar com base na lei e sem qualquer dúvida que a competência para processar e julgar o militar acusado da prática de um crime de homicídio contra a vida de um civil, tentado ou consumado, pelo menos no âmbito dos Estados e do Distrito Federal é da Justiça Comum Estadual, mas a apuração em fase de Inquérito Policial e a lavratura de Auto de Prisão em Flagrante é da Polícia Judiciária Militar, que por força do vigente Código de Processo Penal Militar, Decreto-lei 1002, de 1969, é exercida pelos oficiais integrantes da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar.
Notas:
Paulo Tadeu é autor dos livros Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo Parte Geral e Parte Especial, Editora Líder que estão disponíveis no mercado para aquisição.
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