CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A POLÊMICA SOBRE AS PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO: AFINAL, QUEM DEVE FICAR COM OS ROYALTIES?
INTRODUÇÃO
As discussões no Congresso Nacional acerca da mudança do atual regime de exploração de petróleo para um novo modelo - que estabelece uma divisão igualitária dos royalties entre Estados produtores e não produtores, colocaram nossa Unidade Federativa em polvorosa e levantaram uma série de questões constitucionais.
De um lado, temos os Estados produtores de petróleo, que se apegam ao § 1º do artigo 20 da Constituição - que garante uma compensação financeira aos produtores pela exploração; de outro, temos os Estados não produtores que, além de defenderem uma interpretação sistemática do texto constitucional, estendem suas argumentações aos artigos 1º, caput e 3º, inciso III, ambos da nossa Carta Maior - que proclamam a união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal; a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais, respectivamente.
O estudo que se inicia tem como objetivo principal trazer esclarecimentos acerca das controvérsias ocorridas no Congresso e sobre a proporcionalidade de uma norma que determina a distribuição idêntica dos recursos obtidos com exploração de petróleo entre Estados produtores e não produtores.
I. “PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS”: BREVE HISTÓRICO
O objetivo deste primeiro capítulo, ao apresentar uma breve síntese sobre a evolução histórica da apropriação da renda mineral pelo Poder Público no Brasil, é proporcionar ao leitor um melhor aprofundamento sobre as normas constitucionais vigentes - em especial o artigo 20, e o artigo 176, ambos da Constituição Federal, e expor determinados momentos do passado nos quais certos problemas, que parecem muito atuais, ocorreram pela primeira vez.
I.1. O Período Colonial
O direito colonial lança as bases do sistema normativo que rege o setor petrolífero na atualidade, pois funcionava da seguinte forma: O Poder Público tinha direito a uma contraprestação pela exploração de bens sob seu domínio, quando esta fosse feita por particulares. No “regime fiscal das minas”, o Poder Público estabelecia a propriedade do subsolo, ou melhor, das riquezas encontradas nele e, por conta disso, não seria aceitável que privados enriquecessem gratuitamente pela exploração desses bens, que possuíam elevado valor econômico e que se extinguiriam com a própria atividade exploratória. Se em diversos setores o Estado é remunerado por privados que fazem uso de bens públicos, o mesmo deveria ocorrer quando a atividade importasse em um aniquilamento de um bem público em favorecimento de privados.
Sobre a atividade de mineração no período colonial e a atual regulação do setor petrolífero, brilhante é o comentário do professor Gustavo Kaercher Loureiro:
O direito colonial lançou, em boa medida, as bases da disciplina normativa que até hoje rege o setor mineral, dentro do qual esteve (ou está), o petróleo. Aliás, a perspectiva do contexto ampliado a partir do qual estudar esta riqueza (petróleo no seio do setor mineral) é um ganho não negligenciável proporcionado pelo estudo do período, que evita a perda de padrões comparativos e mesmo se coloca em linha com uma parte da disciplina constitucional atual que congrega, no tema que aqui interessa, o petróleo e a mineração em geral (bem assim o aproveitamento de recursos hídricos cfe. art. 20, § 1o da Constituição de 1988). (LOUREIRO, 2012, p. 38)
I.2. A regulação da atividade mineradora - “regalia”
Devido aos embates ocorridos entre soberania e dominialidade, culminando sempre em luta com centros de poder de maior e menor dimensão, as monarquias ocidentais contaram com o apoio de especialistas em direito romano para a elaboração de um catálogo com as prerrogativas da Coroa - denominado de direitos reais (regalia).
Os primeiros “superficiários”- grandes proprietários territoriais - despojados da riqueza do subsolo devido à consolidação destes regalia foram a nobreza e a Igreja.
O movimento consiste, basicamente, em um acréscimo de competências e vantagens que atribuem uma maior concentração de poder nas mãos do Monarca, objetivo: a formação e sobrevivência de um Estado centralizado e economicamente fortalecido. Resíduos desse modelo arrecadatório ainda são perfeitamente visíveis na atualidade.
No plano das classificações, o direito real específico relativo à riqueza mineral foi considerado como uma das res que potius ad fiscale ius, et proventus, quam ad ipsam supremam authoritatem et dignitatem spectant, ou seja, como um direito real de cunho econômico (onde o que mais importa é a obtenção de recursos para o Estado) e não ligado essencialmente à dignidade e autoridade real. Esta forma de ver o direito relativo à riqueza mineral foi muito longe e inspirou mesmo a visão geral que nossos autores tiveram da legislação colonial, como um todo. Resquícios da mentalidade fiscalista ainda são visíveis na atual regulação, tanto do setor de petróleo, quanto aquele mineral geral, de onde, aliás, desmembrou-se tardiamente a disciplina jurídica do petróleo no Brasil (1938, cfe. adiante). (LOUREIRO, 2012, p. 8) (Grifei)
I.3. Os regalia nas Ordenações Afonsinas e Manuelinas
Em nossas primeiras ordenações, as Afonsinas, a “argentaria” é um dos “Direitos Reais que aos Reis pertence de haver em seus reinos por Direito Comum” .
O significado de “argentaria” vem explícito no item 26, do Título XXIV, do Livro II - que especifica a relação do poder público, do mineiro e do proprietário da terra; servindo, ainda, em parte, de inspiração para a base do direito minerário moderno.
26. Item, Direito Real é argentaria, que significa veias de ouro e de prata e qualquer outro metal, os quais todo o homem poderá livremente cavar em todo lugar, contanto que antes que comece a cavar de entrada pague a El Rei oito escrópulos de ouro, que valem tanto como uma coroa de ouro cada um; a além destes oito escrópulos de ouro, que assim há de pagar de entrada, por assim cavar qualquer metal, aquele que cavar ouro, por ser em si mais nobre e mais excelente metal, que nenhum outro, pagará mais em cada ano ao dito Senhor, sete escrópulos de ouro; e quando cavar qualquer outro metal, que não seja ouro, pagará em cada ano uma libra de quatorze onças; e além disto pagará mais a El Rei de todo o metal que purificar, duas dízimas, se o dito metal for cavado em terras d'El Rei; e sendo cavado em terra que seja de alguma privada pessoa, pagará ao dito Senhor Rei uma dízima e outra pagará ao senhor da terra, e toda a outra maioria será daquele que o houver cavado.
Diz-se que o texto das ordenações Afonsinas, em parte, serviu de inspiração para o direito minerário moderno, pois um ponto crucial não ficou bem esclarecido: como o Monarca interfere na exploração dos recursos minerais em desfavor do “superficiário”? A norma não traz uma inequívoca afirmação sobre a titularidade da jazida.
“Diante dessa indefinição, caberia indagar quanto ao fundamento para a participação da Coroa, especialmente quando a lavra ocorresse em terras privadas, ocasião em que haveria uma partilha da renda mineral entre o poder público e o superficiário (e, consequentemente, caberia indagar quanto ao fundamento para a participação do proprietário da superfície no resultado da lavra)”.
Em termos técnicos, para responder a esses questionamentos havia duas explicações possíveis; todavia, antes de adentrarmos ao assunto, ressalta-se que qualquer semelhança com a proposta dos artigos 20, V e IX e 176, da atual Constituição Federal poderá não ser mera coincidência.
A primeira explicação é a de que “o Estado possui é uma competência para titular o aproveitamento da riqueza mineral - um “direito formativo gerador” que cria para um privado, titular ou não do bem, a faculdade jurídica de explorar a riqueza mineral”. Nessa primeira hipótese, paga-se ao poder público pela regulamentação da atividade exploratória.
Na segunda explicação, que foi a escolhida pelo Direito português juntamente com o restante da Europa, “as riquezas do subsolo são da Coroa e não do privado superficiário” . O privado seria dono apenas da superfície da terra, não do subsolo, nem tampouco das riquezas extraídas dele, o que justificaria a cobrança de uma contraprestação em decorrência de uma atividade de um privado sobre um bem público que, uma vez extraído do subsolo, passa a propriedade particular, esgotando-se, por consequência disso, a riqueza pública. “de modo que este sujeito não mais terá direito a uma participação nos resultados, mas à indenização, se e quando tal for o caso”. Nessa segunda hipótese, o Estado teria direito a ser remunerado pelas explorações em suas terras porque as riquezas do subsolo pertenciam à Coroa.
Feitas essas considerações históricas, passemos à atualidade.
II. SOBRE O ATUAL REGIME DE EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO
A atividade de exploração do petróleo no Brasil é regulamentada pela Lei 9.478/97. Atualmente, a distribuição dos “royalties” do petróleo obtido na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva (offshore) segue as diretrizes traçadas pelos artigos 47 a 49 da supracitada Lei; isso significa que 10% dessa produção será pago pelas empresas concessionárias, sendo distribuído da seguinte maneira: 5% segundo os critérios da Lei 7.990/89 e 5% divididos consoante o art. 49, II da Lei 9.478/97, a saber:
II - quando a lavra ocorrer na plataforma continental:
a) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados produtores confrontantes;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios produtores confrontantes;
c) quinze por cento ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção; (Vide Decreto nº 7.403, de 2010)
d) sete inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP;
e) sete inteiros e cinco décimos por cento para constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios;
f) 25% (vinte e cinco por cento) ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural, dos biocombustíveis e à indústria petroquímica de primeira e segunda geração, bem como para programas de mesma natureza que tenham por finalidade a prevenção e a recuperação de danos causados ao meio ambiente por essas indústrias. (Redação dada pela Lei nº 11.921, de 2009) Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9478.htm - Acesso em 20 mar. 2012.
Percebe-se, claramente, a partir da leitura da alínea “e”, em negrito, que o atual regime de distribuição dos “royalties” já beneficia a Estados e Municípios não produtores; pois destina uma parcela de 7,5% “[...] para a constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios”. Todavia, existe uma diferenciação nesse percentual destinado, que favorece aos Estados produtores; pois estes suportam, de fato, os custos da exploração do petróleo. Questiona-se, a partir daí, se seria razoável fixar critério de distribuição dos “royalties” que desconsiderasse a situação de Estado Produtor. Contudo, antes de respondermos a esse questionamento, é necessário análise da natureza jurídica dessa espécie de “participação governamental” - os “royalties”.
III. “PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS”
Como já dito anteriormente, a atividade de exploração do petróleo no Brasil é regulamentada pela Lei 9.478/97 - que define procedimentos básicos para tal atividade, fixando o regime jurídico das “participações governamentais” - que são as importâncias pagas pela Indústria do Petróleo ao Poder Público.
As “participações governamentais” subdividem-se em quatro espécies, a saber:
1. O Bônus de assinatura - É a parcela paga com a assinatura do contrato de concessão. Incide uma única vez;
Consoante o artigo 46 da supramencionada Lei “[...] corresponderá ao pagamento ofertado na proposta para obtenção da concessão, devendo ser pago no ato da assinatura do contrato”;
2. Os Royalties - Também são conhecidos como “compensação financeira”, sendo previstos no artigo 20, § 1.º da Constituição Federal e regulados pela Lei 7.990/89, consistem em uma forma de ressarcimento, aos Estados produtores de petróleo, pelos danos decorrentes da atividade exploratória;
3. As Participações Especiais - Visa a remunerar o ente concedente nos casos em que haja grande volume de produção ou grande rentabilidade (art. 50 da Lei 9.478/97);
4. Por fim, o pagamento pela ocupação ou retenção da área - Consiste em um pagamento anual, fixado por quilômetro quadrado ou fração da superfície do bloco explorado (art. 51).
Elencadas as distintas modalidades de participações governamentais, voltemos nossas atenções ao objeto principal das polêmicas no Congresso Nacional - os royalties.
IV. OS ROYALTIES NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Consoante o artigo 20, incisos V e IX, da Constituição Federal, à União, igualmente, pertence a propriedade dos recursos naturais da plataforma continental, da zona econômica exclusiva e dos recursos minerais - incluindo os do subsolo.
A plataforma continental, conforme o nome já explicita, é prolongação do continente no mar, compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas do Estado Costeiro, além do seu mar territorial, até a distância de 200 milhas marítimas ou em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre até bordo exterior da margem continental.
O país da Costa exerce soberania na plataforma continental para exploração dos recursos naturais, e exerce jurisdição na regulamentação dos usos e operações com ilhas artificiais, instalações e estruturas, das investigações científicas marinhas, na proteção e preservação do meio ambiente marinho. (PENNAS, 2010, p. 02) (Grifei)
A zona econômica exclusiva é uma faixa que se estende a partir das 12 milhas do mar territorial e vai até 200 milhas marítimas, é sujeita a regime jurídico específico estabelecido pela Convenção. O Estado costeiro nesta área tem soberania para exploração econômica dos recursos naturais das águas, leito e subsolo, e tem jurisdição para colocação de ilhas, instalações e estruturas (como por exemplo, uma plataforma de exploração de petróleo), também para fazer investigações científicas marinhas, e para proteger e preservar o meio ambiente marinho deste espaço. Os demais estados têm direitos assegurados sobre a área em questão, como a liberdade de navegação, de sobrevôo, de colocação de cabos e dutos, operação de navios, entre outras consideradas lícitas e compatíveis com as disposições da Convenção. (PENNAS, 2010, p. 02) (Grifei)
Igualmente, nossa Constituição assegura a Estados e Municípios usufruir, seja na modalidade de “participação nos resultados”, seja mediante “compensação financeira”, das participações governamentais pela exploração desse bem da União.
Art. 20, § 1.º - “É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”. (Grifei)
O artigo 11 do Decreto n.º 2.705/98, juntamente com os artigos 45, II e 47 da Lei 9.478/97 nominam de “royalties” essa “compensação financeira” a que ser refere o § 1.º, do artigo 20 da Constituição.
Art 11. Os royalties previstos no inciso II do art. 45 da Lei nº 9.478, de 1997, constituem compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da produção, vedada quaisquer deduções. (Grifei)
Nesse mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) - que entende que os “royalties” ou “compensação financeira” têm natureza jurídica de “reparação” por perda ou dano ao ente federado. Para comprovação do que foi dito, destacamos um excerto do voto do Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do RE 228.800:
“Essa compensação financeira há de ser entendida em seu sentido vulgar de mecanismo destinado a recompor uma perda, sendo, pois, essa perda, o pressuposto e a medida da obrigação do explorador. [...] A compensação financeira se vincula, a meu ver, não à exploração em si, mas aos problemas que gera”. (Grifei)
E, ainda, o pronunciamento do Ministro Gilmar Mendes, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no AI 453.025:
“[...] a causa à compensação não é a propriedade do bem, pertencente exclusivamente à União, mas sim a sua exploração e ao dano por ela causado”. (Grifei)
Faz-se imperativo ressaltar que a “compensação financeira”, prevista no § 1.º, do artigo 20 da Constituição Federal (CF), surgiu como contrapartida a não incidência de ICMS sobre petróleo e seus derivados (art. 155, X, “b” da CF); o que, sem dúvida alguma, prejudica os Estados produtores.
Sobre o assunto, traz-se à baila o pronunciamento do Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Azevedo Jobim, no julgamento do MS 24.312:
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - Em 1988, quando se discutiu a questão do ICMS, o que tínhamos? Houve uma grande discussão na constituinte sobre se o ICMS tinha que ser na origem ou no destino.
A decisão foi que o ICMS tinha que ser na origem, ou seja, os Estados do Sul continuavam gratuitamente tributando as poupanças consumidas nos Estados do Norte e do Nordeste.
Aí surgiu um problema envolvendo dois grandes assuntos: energia elétrica - recursos hídricos - e petróleo.
Ocorreu o seguinte: os estados onde ficasse sediada a produção de petróleo e a produção de energia elétrica acabariam recebendo ICMS incidente sobre o petróleo e energia elétrica.
O que se fez? Participei disso diretamente, lembro-me que era, na época, o Senador Richard quem defendia os interesses do Estado do Paraná e o Senador Almir Gabriel quem defendia os interesses do Estado do Pará, além do Rio de Janeiro e Sergipe, em relação às plataformas de petróleo.
Então, qual foi o entendimento político naquela época que deu origem a dois dispositivos na Constituição? Daí por que preciso ler o § 1º do Art. 20, em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição Federal.
O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que se destinassem a outros estados - petróleo, inclusive lubrificante, combustíveis líquidos, gasosos e derivados e energia elétrica -, ou seja, tirou-se da origem a incidência do ICMS.
Veja bem, toda a produção de petróleo realizada no Estado do Rio de Janeiro, ou toda produção de energia elétrica, no Paraná e no Pará, eram decorrentes de investimentos da União. Toda arrecadação do País contribuiu para aquela produção.
Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da origem e se dá aos estados uma compensação financeira pela perda dessa receita. Aí criou-se o § 1º do art. 20 [...] (Min. Nelson Jobim, MS 24.312. Fonte: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86118 - acesso em 20 mar. 2012) (Grifei)
Desse modo, compartilhando de nosso entendimento, é o juízo do Supremo Tribunal Federal (STF), que é a mais alta instância do Poder Judiciário e atua como Guardião da Constituição, para quem essa “compensação financeira” (ou “royalties”) é devida aos Estados produtores de petróleo a fim de suprimir eventuais danos - sejam eles ambientais, fiscais ou sociais, decorrentes dessa exploração.
A partir do exposto, analisaremos alguns dos impactos sofridos pelos Estados produtores em decorrência do funcionamento da atividade de exploração e produção de petróleo.
V. O CUSTO DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO PARA OS ESTADOS PRODUTORES
Iniciaremos nossas reflexões sobre o alto custo da Indústria do Petróleo para os Estados e Municípios produtores analisando o encargo que talvez seja o mais perceptível à primeira vista: o impacto dessa atividade no meio ambiente local, principalmente pela emissão de gases poluentes.
De modo geral, considera-se que as atividades de perfuração causam impactos diretos na biota, no uso dos recursos naturais devido à descarga no oceano de lama de perfuração, perturbação no ambiente causada pela liberação de rochas do fundo do oceano (produtos da perfuração) e pelo descarte de esgoto sanitário e de cozinha provenientes de navios e plataformas. Pode-se acrescentar ainda impactos advindos dos ruídos dos equipamentos, movimentação das águas do oceano causadas pela circulação de navios no entorno do local da perfuração, luz advinda dos equipamentos e navios, e influência na mudança da composição da atmosfera devido à liberação de gases provenientes da perfuração.
Nas fases de perfuração, produção e desenvolvimento da substância, pode ocorrer um fenômeno conhecido como “blowout” ou erupção de poço, que é um escoamento descontrolado dos fluidos contidos na rocha-reservatório para dentro do poço, eventualmente atingindo a superfície de forma catastrófica. Com a ocorrência do “blowout”, lançam-se toneladas de petróleo no oceano, e, quando associados a fogo, disseminam grande quantidade de poluição na atmosfera em curto espaço de tempo. (PALMA, 2011. p. 63)
No que diz respeito aos impactos ambientais, o royalty - por ser uma forma de indenização pelos danos decorrentes da atividade exploratória, que é paga pela Indústria Petrolífera aos Estados produtores, além de servir como um importante mecanismo para que o Poder Público desestimule as atividades de perfuração e exploração de petróleo, ainda poderá ser aplicado em atividades que melhorem as condições do meio ambiente local - como o reflorestamento, por exemplo.
Outro argumento que justifica a maior destinação dos “royalties” a Estados produtores está ligado ao incremento da demanda por serviços públicos e de infra-estrutura devido à atividade de exploração e produção de petróleo. Segundo Leal e Serra (2003a, p. 168-169), a atividade petrolífera, assim como qualquer projeto de investimento de grande vulto, gera elevação extraordinária no nível de emprego e renda local e regional, o que faz aumentar a demanda por serviços públicos. A aplicação dos “royalties” nas esferas subnacionais normalmente é defendida pela necessidade de aumentar a oferta desses serviços.
A necessidade da aplicação dos “royalties” nas regiões produtores está também correlacionada ao fato de o petróleo ser um recurso natural não renovável - que se esgota com o passar do tempo. Ora, se a produção de petróleo é imprevisível, como as regiões produtoras, que são intensamente impactadas por essa atividade, manterão os níveis de emprego e renda alcançados durante a produção petrolífera?
Sobre esse assunto, interessante é o posicionamento de Leal e Serra:
Sobre o território que atende à produção petrolífera são imobilizados capitais cuja função deixa de existir quando do esgotamento do petróleo. São estruturas industriais, equipamentos de infra-estrutura terrestre e portuária, escritórios de serviços, que se cristalizam nessas regiões e que, muitas vezes, podem responder pela dinâmica de crescimento local ou regional. É somente a qualidade finita desses impactos territoriais, e não sua magnitude, que pode justificar a necessidade crucial de aplicação de parte dos recursos de “royalties” nas regiões produtoras.
A grande diferença de uma região que produz petróleo para uma região qualquer, sujeita sempre ao risco da obsolescência econômica, é a certeza de que o esvaziamento e seus impactos sobre o produto e o emprego chegarão algum dia.
Este aspecto previsível dos movimentos de saída de capitais e de pessoas nos territórios que atendem à atividade de exploração de recursos não renováveis aponta para a justeza da aplicação de royalty nessas regiões. Ora, se uma região é intensamente impactada pela atividade petrolífera, maior será, ceteris paribus, seu esvaziamento econômico quando do fim das reservas. (LEAL E SERRA, 2003, p. 170).
A vinculação das receitas dos “royalties” se faz necessária aos Estados produtores para que o Poder Público possa utilizá-las na diversificação econômica da região afetada. Investimentos em infra-estrutura local, apoio e incremento a setores que possam gerar empregos seriam ótimas formas de amenizar esses impactos sofridos pela indústria do petróleo.
Por fim, os recursos dos “royalties” poderão ser utilizados na aplicação da justiça intergeracional.
A extração do petróleo hoje, por ele ser um recurso natural não-renovável, reduz a sua disponibilidade para as gerações futuras - que devem ser indenizadas por isso. Investimentos em saúde, educação, emprego e infra-estrutura são exemplos de uma política promotora da justiça intergeracional, que pode facilmente ser confundida com aquelas voltadas ao desenvolvimento; isso porque, ambas se caracterizam pela preocupação com as futuras gerações.
Feita a exposição dos motivos que justificam aos Estados produtores o benefício dos “royalties”, convém realizarmos uma análise sobre a repartição igualitária dessa receita entre os Estados, sejam eles produtores ou não, confrontando preceitos de dois princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, a saber: o Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade e o Princípio da Igualdade. Antes, porém, é imprescindível que se esclareça o significado da terminologia “Princípio”.
VI. NOÇÕES SOBRE PRINCÍPIO
O vocábulo princípio pode ter vários significados. De acordo com Plácido e Silva,
princípio derivado do latim principium (origem, começo) em sentido vulgar quer exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começaram a existir. É, amplamente, indicativo do começo ou origem de qualquer coisa. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se em axiomas". (SILVA,1989.p.433.)
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas . Consoante os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por José Afonso da Silva, o princípio jurídico é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental, que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico .
Sobre os Princípios jurídicos, magnífica é a explanação de Plácido e Silva:
[...] os princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura, jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito. Assim nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos (SILVA,1989.p.447).
E, ainda, os preceitos de Miguel Reale, citado por Marcelo Amaral da Silva:
os princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários .
A partir do conhecimento sobre o significado do vocábulo Princípio, faz-se necessária uma análise das imposições propostas pela nova norma, que altera o atual modelo de distribuição dos “royalties” do petróleo, partindo do juízo apregoado pelo Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade e pelo Princípio da Igualdade.
VI. A DIVISÃO DOS “ROYALTIES” DO PETRÓLEO SOB O MANTO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE OU RAZOABILIDADE E DA IGUALDADE
Norteando o poder legislativo, implícito na nossa Lei Maior, está o Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade, que proíbe excessos normativos e abusos de poder por parte do Estado, além de ser uma importantíssima ferramenta do Direito Constitucional brasileiro, utilizada para deliberar sobre a colisão entre princípios jurídicos - já que não há hierarquia entre eles. O Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade age diante do conflito entre valores, elegendo a solução mais adequada para o caso concreto, levando em conta condições sociais, econômicas e políticas, sem se afastar, todavia, da legalidade.
Desse modo, tal Princípio tem como objetivo principal evitar resultados desproporcionais e injustos, ainda que sejam fundamentados em valores constitucionais, pois a observância e a imposição da razoabilidade permitem vislumbrar a circunstância de que a proteção constitucional a determinado direito deverá ceder diante da violação a outro direito que, diante das circunstâncias concretas, seja mais valorado.
Ao explanar a doutrina de Karl Larens, que inclusive, já fora citada por outros doutrinadores, o ilustre professor Pedro Lenza articula sobre o princípio epigrafado:
[...] utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos – muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios -, o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. (LENZA, 2009, p. 97)
Nesse mesmo sentido, ordena o art. 5º, caput, da nossa Constituição Federal de 1988: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade [...]”.
Ressalte-se que o Princípio da Igualdade está estampado no texto constitucional, mencionado, inclusive, no preâmbulo da Constituição, devendo as normas que integram o ordenamento jurídico nacional estar em total conformidade com seus preceitos para serem validadas.
Para José Afonso da Silva, a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite privilégios e distinções. Isso porque o Estado, efetivador dos direitos da humanidade, objetiva garantir não somente a igualdade formal, mas principalmente a igualdade material- na medida em que assegura tratamento igual para os iguais, e desigual para os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.
Ora, se consoante o Princípio Constitucional da Igualdade, a lei deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, como pode uma norma infraconstitucional querer tratar dois desiguais de forma igual? E mais, será razoável ou proporcional, atribuir uma indenização, que nesse caso são os “royalties” do petróleo, a quem não tenha sido onerado pela exploração desse recurso natural?
É exatamente isto que essa mudança na divisão dos “royalties” almeja alcançar: dar tratamento igual a Estados produtores e não produtores - destinando a compensação financeira pela exploração do petróleo em valores idênticos, privilegiando, com isso, Estados não produtores, ainda que sejam os Estados produtores que suportem, de fato, os custos da Indústria do Petróleo. Esse tipo de tratamento igualitário não seria razoável, tampouco proporcional, ainda que os Estados não produtores encontrem argumentos dentro do próprio texto da Constituição. Percebe-se, com base no exposto, uma nítida violação ao Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade e ao Princípio da Isonomia, que deverão prevalecer, hermeneuticamente falando, no caso de ponderação.
Por fim, sobre interpretação da norma, brilhantes são os ensinamentos de Carlos Maximiliano, para quem: “[...] deve ser o Direito interpretado inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá a ter conclusões inconsistentes ou impossíveis”. E continua o autor afirmando que “desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz a injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um sentido equitativo, lógico e acorde com o sentir real e o bem presente e futuro da comunidade”.
CONCLUSÃO
Com a finalidade de trazer esclarecimentos acerca das discussões sobre a nova proposta de regulação da atividade exploratória de petróleo no Brasil, este trabalho trouxe questões relevantes para aplicabilidade de uma norma em consonância com os preceitos constitucionais vigentes.
No capítulo I foi feita uma breve análise histórica sobre a evolução da apropriação da renda mineral pelo Poder Público, que serviu de inspiração para o artigo 20 e para o artigo 176 da nossa Constituição. Igualmente, demonstrou como problemas, que aparentemente são atuais, já aconteciam no passado.
O capítulo II esclareceu sobre o atual regime de exploração de petróleo, regulamentado pela Lei 9.478/97 que, em seu artigo 49, II, “e”, atribui uma maior destinação dos “royalties” aos Estados produtores, pois estes suportam, de fato, os custos da Indústria do Petróleo, sem esquecer, todavia, dos Estados não produtores, que ainda contam com uma parcela evidentemente menor.
O capítulo III tratou do gênero “Participações governamentais” - que são as importâncias pagas pela Indústria do Petróleo ao Poder Público. Nele, inclusive, foram conceituadas as quatro espécies de tal instituto, a saber: o Bônus de assinatura; os “Royalties”; as participações especiais e o pagamento pela ocupação ou retenção da área.
Já o capítulo IV versou sobre a natureza jurídica dos “royalties”; empregando, para melhor entendimento, a doutrina do “Guardião da Constituição” - Supremo Tribunal Federal - que entende que os “royalties” ou “compensação financeira” têm natureza jurídica de “reparação” por perda ou dano ao ente federado.
Conclusões interessantes foram trazidas no capítulo V - que fala sobre o custo da Indústria do Petróleo para os Estados produtores. O referido tópico articulou sobre questões ambientais, analisando o impacto dessa atividade no meio ambiente local; questões sociais, ligadas ao incremento da demanda por serviços públicos e de infra-estrutura devido à atividade de exploração e produção, e de como aplicação dos “royalties” nas esferas subnacionais normalmente é defendida pela necessidade de aumentar a oferta desses serviços. Igualmente, ainda nesse capítulo, falou-se na condição do petróleo como recurso natural não renovável e de como a aplicação dos “royalties” serviriam para a manutenção de empregos e do padrão econômico local quando esse recurso se esgotasse.
Por fim, o sobredito capítulo argumenta que os recursos dos “royalties” poderão ser utilizados na aplicação da justiça intergeracional. Isso porque, a extração do petróleo hoje, por ele ser um recurso natural não renovável, reduz a sua disponibilidade para as gerações futuras - que devem ser indenizadas.
O presente trabalho, em seu capítulo VI, trouxe a noção de “Princípio”, e de como esse instituto serve de base para todo o ordenamento jurídico.
Por fim, o capítulo VII analisou a divisão dos “royalties” do petróleo sob o manto dos Princípios da Proporcionalidade ou Razoabilidade e sob o Princípio da Igualdade.
Sobre o Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade, o tópico esclareceu como este norteia todo o Poder legislativo, proibindo excessos normativos, privilégios, benefícios e abusos de poder por parte do Estado. Igualmente, o mesmo tópico demonstrou como o supramencionado princípio age, diante do conflito entre valores constitucionais, elegendo a solução mais adequada para o caso concreto, levando em conta condições sociais, econômicas e políticas, sem se afastar, todavia, da legalidade.
A propósito do Princípio da Igualdade, o capítulo demonstra como o Estado, efetivador dos direitos da humanidade, objetiva garantir não somente a igualdade formal, mas principalmente a igualdade material, na medida em que assegura tratamento igual para os iguais, e desigual para os desiguais, na exata medida de suas desigualdades, e termina alegando que o tratamento igualitário, no que diz respeito à divisão dos “royalties” do petróleo, não parece ser medida razoável, proporcional nem, tampouco, compatível com o Princípio da Igualdade.
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