O LEOPARDO NA DESOCUPAÇÃO DO PINHEIRINHO
Leio as notícias sobre a força do Estado na desocupação do Pinheirinho em São José dos Campos e lembro de uma antiga leitura:
“Kilimanjaro é uma montanha coberta de neve de seis mil metros de altura que dizem ser a mais alta da África. O seu cume ocidental é chamado em masai “Ngaje Ngbi”, a Casa de Deus. Junto a esse cume existe a carcaça seca e congelada de um leopardo. Ninguém explicou o que o leopardo buscava, àquela altitude.” (“As neves de Kilimanjaro”, Ernest Hemingway - ver observação no final).
Penso que, talvez, o leopardo cansou de viver eternamente na planície.
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O direito é simples questão de poder.
Poder significa Estado.
Tudo o que chamamos de crise ou de litígio, só pode ser resolvido pelo Estado.
Em direito, essas são afirmativas do positivismo jurídico.
Em política, isso se chama fascismo.
Isso porque, são pressupostos que não se deixam corromper por ilusões como justiça e social.
Aceitam-no assim os homens nascidos sob o jugo, alimentados e educados na servidão, a contentar-se em viver como nasceram e a gozar o direito senão na maneira que já o encontraram.
Pelo menos é o que espera o Estado fascista e positivista, que afirma:
"Que as leis existam para afirmarem a irremediável desigualdade entre os homens".
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Sobre a desocupação do Pinheirinho, o governador paulista repetiu uma frase batida e acomodada:
“Decisão judicial não se discute, se cumpre”.
Lembra um pouco a desculpa dos carrascos nazistas:
“Nós cumpríamos ordens !”
O governo podia sim, ter suspenso a ordem de remoção.
Até porque haviam duas decisões judiciais conflitantes; uma estadual autorizando a ocupação; e, outra federal anulando a liminar.
O cidadão bem informado sabe que hoje nosso governador é refém da polícia militar.
O comando são de homens nomeados pelo Serra, que o governador atual tem que engolir para cumprir regras de promoção e hierarquia da caserna.
E os dois políticos, embora sejam do mesmo partido, vivem jogando brasa quente um na mão do outro.
Essa, é outra desgraça do paulista.
Voltemos, então, ao Pinheirinho.
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Os doutrinadores modernos do direito consideram que a questão da justiça se confunde com a questão da moral.
A moral estabelece comportamentos “justos”, ou seja, adequados e aceitos pela maioria da sociedade porque fazem bem a “humanidade”.
Somos humanos e nossas questões se revestem de "humanidade", na melhor expressão e lembrança que nos possa ocorrer.
Por esta tese, a pessoa moralmente correta deve fazer o justo adotando comportamento conforme o ideal da justiça social.
Lembro que, (há muito tempo), foi removido um lixão na marginal do Tiete.
Rapidamente um grupo empresarial se apossou irregularmente do imóvel e nele construiu um shopping, aproveitando a "inércia" do Estado.
O governador da época, Paulo Maluf, apoiou a iniciativa com o argumento:
“Se o terreno ficar desocupado, rapidamente ele se transformará numa favela”.
Naquela ocasião, a justiça acompanhou o ritmo da música, alguém distribuiu alguns drinques e todos dançaram alegremente o baile de gala da Ilha Fiscal.
Não houve trator derrubando a invasão; nem empresário levando bordoada da policia militar e nem investidor chorando por não ter onde morar.
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De lá-prá-cá, nossa democracia evoluiu, (evoluiu sim senhor, pode ter certeza), mas infelizmente hoje o judiciário decidiu diferente.
Desalojou mais ou menos mil e quinhentas famílias, oito mil pessoas, que moravam no “Pinheirinho” há sete a dez anos.
A PM deu-lhes as bordoadas necessárias e jogaram todos nas ruas, para devolver à Nadji Nahas o que ele diz lhe pertencer, embora ele próprio nunca tenha devolvido nada.
Para quem não se recorda, de acordo com jornais de janeiro de 1989, Nahas, especulador financeiro, tomava emprestado de bancos e aplicava na bolsa, fazendo negócios consigo mesmo por meio de laranjas e corretores.
Com essa esperteza, inflacionou o mercado de ações artificialmente.
Embolsou para si o que pode e, quando os bancos perceberam o golpe e pararam de lhe emprestar, causou quebra em cascata na bolsa do Rio, que nunca se recuperou totalmente.
Pequenos investidores perderam suas poupanças e os grandes tiveram o socorro do Estado para minimizar os seus prejuízos.
Claro, o Estado buscou o recurso no bolso do contribuinte; mas isso, é outra nossa infelicidade.
Processado judicialmente, Nahas foi absolvido de todas as acusações.
O que foi bom para o Nahas; mas não o foi para a Justiça.
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Como o leopardo, o povo não precisa se conformar a viver na superfície.
Se julgar que o sistema jurídico lhe é opressor e injusto, deve encontrar coragem para subir a montanha e criar um novo direito, mais de acordo com os seus anseios e ideais.
O diabo é que nem sempre se chega vivo ao cume da montanha.
Talvez, por esta e por outras, seja mais seguro e confortável se conformar com os conceitos políticos do "Zorra Total".
Samuel Sajob - jan/2012
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O trecho transcrito está no filme "As neves de Kilimanjaro", baseado no conto de Hemingway. O filme, de 1952, teve Gregory Peck (como o escritor Henry Street - alter ego de Hemingway), Suzan Hayward e Ava Gardner, direção de Henry King.
O conto original narra a história de um escritor gravemente ferido (Henry Street) ao sopé da montanha. Enquanto espera a morte, ele faz a revisão da inutilidade da sua vida, pautada pelo comodismo.
E faz reflexões, tais como: "Negociara a troca (da vida) pela segurança, conforto, isso era indiscutível"; "Somos moldados pelo que fazemos".
A história é uma metáfora de como podemos, facilmente, fazer de nossa vida uma bobagem.
Leitura obrigatória.
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