TARDE NA DEFENSORIA PÚBLICA

Os trajes da moça davam a impressão de formalidade. Relógio, pulseiras e colares dourados reforçavam a imagem de seriedade. Formalidade, seriedade e até mesmo uns ares de elegância podiam ser percebidos para quem a olhasse.

Sentada atrás da mesa com fumos de doutora, interrogava qual seria a minha pretensão para aquela demanda que propunha. E a demanda era que eu requeria uma perícia para verificação de uma possível alienação parental, um divórcio e a prestação de contas detalhadas sobre os alimentos que seriam pagos por mim à minha filha menor. Pedidos cumulativos, conforme o nosso Código de Processo Civil prevê.

Fazia cara de “an?” a moça de trajes formais.

- Ah, vocês me trouxeram uma coisa nova; alienação parental?

Percebi que ela tentou esconder sua ignorância da lei publicada no final do ano de 2010. Hesitava, ficou visivelmente tensa, tentou adaptar nossa pretensão ao seu parco conhecimento de causa, mas não conseguiu.

Eu e a minha Baixinha explicamos várias vezes; a minha Baixinha faltou desenhar para a moça estagiantária* o que queríamos daquela Defensoria Pública. Mas estava difícil, bem difícil. E olha que nós estávamos falando em português com ela, mas...

A menina de jóias douradas fazia a todo tempo comparações para tentar explicar o seu raciocínio de senso comum. Até que, num milagroso feixe de luz que brilhou dentro de sua cabeça, soltou a mais óbvia das observações:

- Vocês estudaram o caso, né?

Sim! Respondemos em uníssono eu e a minha Doce Baixinha. E ainda tivemos que ouvir mais algumas inutilidades ditas pela moça candidata a bacharel.

- Olha, eu não sei tudo não, hein. Tenho formação em psicologia, e a síndrome da alienação parental é um tema da psicologia. A genitora alie. Alien. A...

Tive que ajudá-la a pronunciar toda a palavra que ela tinha dificuldades para falar:

- Genitora alienante.

“Ah, sim, a genitora alie. Alien. Alienante (ufa!) deve ser tratada também, pois não adianta destamparmos o balde e não colocar a tampa, pois a enxurrada vai enchê-lo novamente”. (Estagiantária Vanessa da Defensoria Pública de São Paulo – Copyright - Todos os direitos reservados).

E a estagiantária nos disse essa história de balde, tampa e enxurrada mais uma meia dúzia de vezes.

Depois de mais de meia hora tentando fazer aquela mulher entender nossa pretensão, ela terminou a sua incipiente petição inicial e a levou para a Defensora Pública responsável.

Nem conto a vocês, leitores das classes A e B, que ficamos lá na Defensoria das 13h00 às 17h34 para sermos (mal) atendidos.

A Senhora Doutora Defensora Pública do Estado de São Paulo olhou rapidamente para as linhas que a estagiantária escreveu; a maior parte da petição já estava salva. Deve ter acrescentado umas três palavras ou quatro, não sei; mandou imprimir e com um semblante de tédio unido à pressa e à má vontade, mandou que eu assinasse aquilo que chamavam ser uma petição inicial.

Pedi para ler e ela não se opôs. Li e considerei bastante incipiente o trabalho que a Defensoria me prestou. E essa tarde na Defensoria somente reforçou aquilo que eu já sabia; que no Brasil os serviços prestados para os pobres são os piores possíveis, ou são feitos de maneira leviana, em série, despersonalizada e, consequentemente, desrespeitosa, enfim...

Atendem ao povo como se produzissem parafusos numa linha de produção, sem capricho e sem o mínimo de reflexão sobre uma causa tão delicada como um divórcio que possui como agravante o interesse de incapaz.

Como diria um professor que tive:

“Para a estupidez não há limite”.

O Brasil cresce e prospera, isso é fato, contudo não há infra-estrutura; a educação das pessoas é a mias precária possível, e há mais gente burra por metro quadrado do que a densidade demográfica da cidade de Pequim.

Não vejo a hora de ascender socialmente, de ganhar de dinheiro de fato para não ter que depender destes serviços mal feitos oferecidos pelo governo.

38 anos e pobre, ninguém merece.

* Estagiantária. Substantivo feminino. Neologismo criado por mim. É uma mistura de estagiária com anta; substantivo que define a inteligência notável da moça que nos atendeu na Defensoria Pública.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 17/01/2012
Reeditado em 17/01/2012
Código do texto: T3446102
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