O militar usuário de drogas, é doente ou criminoso?

ART. 290 DO CPM OU LEI ANTIDROGAS? PROPOSTA DE UMA NOVA LEITURA DO CRIME RELACIONADO A DROGAS NA SEARA MILITAR

Welson Barbosa Rezende defende que a especialidade em se tratando do conflito entre o art. 290 e a lei antidrogas deve se dar pela pena,uma vez que a especialidade nessa questão deve ser vista pela droga,e não o serviço. Dessa forma, se admitir que a questão seja de competência da Justiça Militar, seria como se enviasse uma mensagem para que o traficante viesse para as Forças Militares, uma vez que em nosso seio, poderiam usar armas, equipamentos, viaturas e todo o aparato estatal para traficar, e caso fossem flagrados, suas penas seriam reduzidas, uma vez que o máximo da pena do art. 290 do CPM é a mínima prevista do art. 33 da Lei 11.343/06, qual seja, de 05 anos.

O raciocínio de Welson Barbosa Rezende é a nosso ver, totalmente lógico, motivo pelo qual passamos a locupletar os seus fundamentos.

A lei 11.343/06 concedeu um novo viés ao usuário de droga, sendo este visto como um doente, incumbindo ao Estado oferecer políticas sociais eficientes para curar o vício. É a política criminal de redução de danos.

Pela lei de tóxicos, em absolutamente nenhuma hipótese é possível prender o usuário de drogas, mesmo se este recusar-se a assinar o Termo Circunstanciado de Ocorrência.

Lado outro, a pena para o traficante na lei 11.343/06 varia de 05 a 15 anos, enquanto que no Código Penal Militar varia entre 01 a 05 anos.

No CPM o crime de uso de drogas e tráfico de drogas encontram-se no mesmo preceito primário (art. 290), enquanto que na lei 11.343/06 o uso de drogas encontra-se no art. 28 e o tráfico no art. 33, possuindo ambos o mesmo preceito secundário (01 a 05 anos de prisão).

É sabido que a especialidade se dá pela aplicação da lei especial, e não do conteúdo de que trata a lei, sendo este o posicionamento da Suprema Corte, manifestando-se pela aplicação do art. 290 aos militares.

Todavia, vislumbramos que o princípio da especialidade pode ser aplicado sob um outro ângulo em casos peculiares, como o da droga,pelas seguintes razões:

A uma, a lei antidrogas visualiza o usuário como um doente que necessita de tratamento,e o Código Penal Militar como um criminoso. Verifica-se que tal distinção não faz sentido, uma vez que a visão como doente decorre de pura e simplesmente da pessoa, e não de leis, de tal forma que torna-se totalmente incompatível e ilógico uma pessoa ora ser vista pelo mesmo fato como doente, ora criminoso. Basta imaginarmos uma situação em que um militar no horário de folga, é flagrado na rua usando drogas, será visto como doente, todavia, se for flagrado usando drogas em lugar sujeito à administração militar será visto como um criminoso. Tem sentido? Cremos que não.

A duas, o Código Penal Militar não evolui, e as penas para o crime de tráfico de drogas no CPM são muito brandas, para fato tão grave, mormente se cometido por militar, já na lei de tóxicos as penas são mais duras, sendo a máxima do CPM,a mínima da lei de drogas (05 anos). Imaginemos um cidadão que ganha a vida com o tráfico de drogas,até ser preso em flagrante, responderá pelo art. 33 da lei 11.343/06, com pena de até 15 anos.Caso o mesmo cidadão passe em concurso para as Instituições Militares e consiga ingressar por ser ficha limpa e ludibriar o concurso, a partir do momento em que estiver investido em lei para preservar a ordem pública, prender traficantes, reprimir a criminalidade, caso venha a traficar, mesmo com a obrigação de reprimir o tráfico, sua pena será muito mais branda, e no máximo 05 anos (três vezes menor do que a pena conferida ao traficante despido da função de militar). Tem sentido? Cremos que não.

A três, pelo fato do usuário ser visto como doente, assim também deve ser visto no seio militar, sob pena de configurar o direito penal do autor, só porque é militar é visto como criminoso e não como doente. Logo, suas penas devem ser específicas de doentes, e não de criminosos, e as penas previstas na lei 11.343/06 para os usuários (art. 28) são de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

A quatro, pelo fato do traficante ser visto como um criminoso e de alta periculosidade para a sociedade, um dos maiores motivos relacionados ao alto índice de homicídios e causas de problemas à saúde pública, a pena prevista no art. 33 é de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, em vista do princípio da proporcionalidade da pena à reprovação da conduta criminosa. Com maior razão o militar que trafica utilizando do aparelho estatal, deve ser suas penas valoradas, e não reduzidas.

Dessa forma, entendemos que para evitar aberrações e teratologias na aplicação da lei, visando uma aplicação justa desta, devemos abstrair do legalismo de Savigny e Kelsen e aplicar os princípios fundados em justiça e valores constitucionais, conforme Dworkin, Alexy e Ferrajoli. E a especialidade deve ser aplicada de forma sui generis,de forma moderna, que nesses casos afasta-se a aplicabilidade tão somente da lei especial, mas sim deve se aplicar a especialidade pela finalidade da lei, naquilo que ela procurar resguardar e defender a sociedade, sob pena de se tornar inoperante e injusta para o usuário e para o traficante.