Não há hierarquia entre Forças Armadas e Forças Auxiliares

Há hierarquia entre Forças Armadas e Forças Auxiliares?

Resposta: não! Então porque um Soldado da Polícia Militar deve prestar continência a um Tenente do Exército?

De início, bom transmitirmos as lições de Jorge César de Assis, a quem me refiro em meu livro como "Papa do Direito Militar", conforme consta em sua Revista Jus Militaris, n. 03.

Jorge César de Assis (1) ensina que "A história das Polícias Militares confunde-se com a história dos Estados a que pertencem. São instituições híbridas, possuindo, de um lado uma estrutura militar com base na hierarquia e disciplina (por ser reserva das FFAA) e, de outro uma atividade policial, de natureza civil, destinadas ao exercício da polícia ostensiva e à preservação da ordem pública."

E ainda que “Já em relação à ampla, nobre e difícil missão de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas, o que fazem através do exercício da polícia ostensiva e das atividades de defesa civil, as policias e os corpos de bombeiros militares são os titulares de suas atividades, exercendo-as de acordo com a Constituição, as leis vigentes e as particularidades de cada Unidade da Federação. Portanto, nesse aspecto relacionado a segurança pública, as polícias e os corpos de bombeiro militares não são forças auxiliares nem reserva de ninguém.” (grifo nosso)

Célio Lobão (2) discorre que “Superior é o militar que em relação a outro, ocupa grau mais elevado na hierarquia militar, e também, ‘o militar que, em virtude de função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior, para aplicação da lei penal militar” (art. 24 do CPM)

E explica: “As duas situações de superioridade hierárquica comportam a seguinte distinção: aquela decorrente de posto ou graduação superior que se aplica indistintamente a militar da mesma ou de corporações diversas, por exemplo, capitão de fragata da Marinha é superior hierárquico, não só do capitão de corveta da Marinha, mas também do major da Aeronáutica ou do Exército; a superioridade em razão da função prevalece em relação ao militar de igual posto que serve na mesma unidade militar e não, igualmente, ao de outra unidade ou Arma.”

Exemplificando “o oficial, desde o tenente ao oficial-general que comanda unidade militar é superior hierárquico do oficial do mesmo posto que serve na unidade, mas não é do que serve em outra unidade ou pertence a outra Arma, pois o art. 24, como vimos acima, exige que o militar exerça autoridade sobre outro de igual posto ou graduação em virtude de função, o que somente é possível se ambos servirem na mesma unidade militar”

Observa-se inexistir hierarquia entre militares federais e estaduais, ou seja, não há hierarquia entre Oficiais e Praças das Forças Armadas e policiais e bombeiros militares. O Decreto nº 88.777/1983 que aprova o regulamento para as policiais militares e bombeiros militares (R-200) diz em seu artigo 2º, item 15:

15) Hierarquia Militar - Ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas e Forças Auxiliares.

E ainda o que dispõe o art. 14, § 1º, da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), conforme se segue:

Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.

§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, DENTRO DA ESTRUTURA DAS FORÇAS ARMADAS. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade. (grifo nosso)

Assim a continência e sinais de respeito prestados entre os militares Federais e Estaduais é decorrente de previsão da Portaria Normativa 660/MD (Regulamento de Continências, art. 15, XV ). Logo, se um Soldado do Exército passa por um Tenente da PM deverá prestar continência, e da mesma forma deve se proceder um Soldado PM ao passar por um Tenente do Exército.

A expressão superior hierárquico deve ser analisada de forma meticulosa, pois pela análise feita acima, inexiste hierarquia entre as Forças Armadas e Auxiliares, um Oficial das Forças Armadas seria superior hierárquico de praças das Instituições Militares Estaduais? A questão do superior nestes casos,deve ser observada para fins de tratamento e sinais de respeito. Certamente, este tema encontrará muitas controvérsias entre os doutrinadores e estudiosos do Direito Militar, sendo o entendimento predominante que não existe hierarquia entre as Forças Armadas, ou seja, Marinha, Exército e Aeronáutica estão no mesmo patamar, bem como entre as Forças Auxiliares, isto é, Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militares.

De fato, há precedência entre as Instituições Militares, de acordo com a antiguidade, sendo nas Forças Armadas a Marinha, Instituição mais antiga, seguida pelo Exército e Aeronáutica, nesta ordem. Possuem também precedência sobre as Forças Auxiliares, e entre estas, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros seguirão o critério de antiguidade, sendo comum a precedência da Polícia Militar sobre o Corpo de Bombeiros Militares, haja vista que muitas vezes a criação do Corpo de Bombeiros deriva até mesmo da Polícia Militar.

No que se refere à inexistência de superioridade hierárquica entre militares federais e estaduais, como ficariam os crimes militares especificamente de recusa de obediência (art. 163, CPM) e desacato a superior (art. 298, CPM)?Haja vista que ser superior é elemento do tipo.

A resposta encontra-se no art. 24 do Código Penal Militar que conceitua superior para fins de aplicação da lei penal militar, sendo o militar que em razão da função, mesmo que par, exerça autoridade sobre o outro. Assim, um militar Estadual poderá desacatar um militar Federal cometendo o crime do art. 298 do CPM?Sim, desde que em razão da função exercida. Mas em quais situações os militares estaduais estarão subordinados em razão da função aos militares federais? Pode haver esta subordinação funcional em diversos casos, como por exemplo, nas Forças de Paz da ONU (conhecidos também como Boinas ou Capacetes Azuis), na qual militares estaduais são mobilizados, convocados e incorporados juntamente com os militares federais.

(1) http://www.jusmilitaris.com.br/uploads/revista_edicoes/revista_03.pdf

(2) LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica. 2006. p. 104-107.

(3) http://www.jusmilitaris.com.br/uploads/docs/precedencia.pdf