O TRANSEXUAL NAS INSTITUIÇÕES MILITARES

O direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. (Ministro Luis Felipe Salomão.)

Infelizmente não existe igualdade real em vida, somente a formal (no papel). A igualdade real existe na morte, é o momento em que somos todos iguais. (Rodrigo Foureaux)

Não podemos descartar a hipótese de um militar ingressar nas Instituições Militares como homem e no decorrer de sua carreira resolver tornar-se mulher, realizando a cirurgia de troca de sexo denominada neocolpovulvoplastia. O contrario também é possível e se chama neofaloplastia(a mulher se tornar homem), ambas são espécies do gênero transgenitalização.

Pois é!Isso já aconteceu nas Forças Armadas brasileiras.

O primeiro caso foi na Aeronáutica, em 2000 quando um(a) Cabo começou a se trajar como mulher e foi submetido(a) à Junta Médica que o(a) considerou inapto(a) para o serviço, sendo reformado(a) com proventos proporcionais ao tempo de serviço. Em 2005 realizou a cirurgia de mudança de sexo. Na Justiça, a Cabo conseguiu receber os proventos integrais na reforma e a obtenção da identidade militar feminina, e luta na Justiça para ser reintegrada nos quadros da Aeronáutica.

Na Marinha, em 2003, um 3º Sargento realizou a cirurgia de troca de sexo, sendo reformado por invalidez, mas com proventos integrais de 3º Sargento,e na Justiça conseguiu colocar seu companheiro como dependente para fins de assistência à saúde.

No Exército um 3º Sargento tirou licença, realizou a cirurgia de troca de sexo, em 2008, e retornou para o serviço como mulher e menos de um mês após a cirurgia foi licenciado contra a sua vontade das Forças Armadas, então procurou a Justiça para ser reformado e manter o salário de 3º Sargento, o que conseguiu liminarmente.

Os fatos ocorridos nas Forças Armadas podem ocorrer também nas Corporações militares estaduais. Como se proceder nessas situações? Seria realmente motivo de exclusão, licença ou reforma?

Vários serão os argumentos contrários à permanência dos transexuais nas Instituições Militares, como descumprimento de normas; concurso feito na condição de homem; natureza do cargo ocupado, etc. A nosso ver todos os argumentos contrários à permanência dos transexuais nas Instituições Militares, da União ou Estaduais, possuem caráter discriminatório, pelos motivos que exporemos a seguir de forma sucinta.

O primeiro deles repousa na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). Esta é um núcleo axiológico da Constituição brasileira e um princípio reitor, um princípio-matriz de muitos outros. Está relacionada diretamente aos valores essenciais do ser humano e à observância de seus direitos e garantias fundamentais.

O ser humano é livre para fazer suas escolhas, desde que sejam lícitas e não prejudique direitos de terceiros, a troca de sexo, sob todos os ângulos não ofende direitos, nem prejudica terceiros e o Estado deve preservá-lo, inclusive trocando na certidão de nascimento o sexo e o nome em sua identidade.

A realidade biológica deve ceder espaço à realidade psicossocial, em homenagem à dignidade da pessoa humana, sob pena do ser humano ser constrangido a manter uma identidade que não condiz com a sua realidade, o que conduziria o ser humano à infelicidade, e ao Estado é vedado interferir nas escolhas e decisões das pessoas, pois estas possuem o direito de serem felizes. Atualmente tramita no Congresso Nacional a PEC da Felicidade que propõe alterar o art. 6º da Constituição Federal para direcionar os direitos sociais à realização da felicidade individual e coletiva. O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social!

Se o ser humano não é feliz como homem, a ele é dado o direito de se tornar mulher e vice-versa, sem sofrer quaisquer atos discriminatórios, sobretudo do Estado, o qual tem por obrigação preservar os direitos de cada um em sua plenitude sem distinção de qualquer natureza, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (art. 3º, inc. IV c/c art. 5º, caput).

No meio militar muitas vezes os homossexuais sofrem discriminações, ainda mais se resolverem trocar de sexo.

Compartilhamos do entendimento de Rogério Greco que diz “Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um homem em uma mulher, isso não acontece diante de uma decisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciário depois de cumprido o devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive penal.” (grifo nosso)

Se um homem torna-se mulher por decisão judicial, a ela deverão ser resguardados todos os direitos que uma mulher por natureza possui, para todos os fins de direito, em sua concepção mais ampla, seja para fins penais, civis, previdenciários, militares, etc.

O fato do militar ingressar nas Instituições Militares como homem não é fator impeditivo para prosseguir na carreira ao se tornar mulher. As regras legais e editalícias não foram descumpridas, uma vez que à época o ato jurídico se tornou perfeito, pois preencheu e cumpriu com todos os requisitos exigidos pela lei e edital do concurso, se consumou segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Art. 6º, § 1º, LINDB ). E o ato jurídico perfeito nem a lei altera. (art. 5º, inc. XXXVI, CF)

Outrossim, não há que se falar que o ato administrativo de nomeação do militar ao cargo é inválido ou inexistente, pois os vícios devem ser pré-existentes. Não há vício “pós-existente”. Logo, se o militar tivesse participado do concurso para vaga de homens, tendo ocultado ser mulher, para concorrer a um maior número de vagas, haveria vício, pois este é pré-existente. Todavia, o mesmo não ocorre caso passe no concurso, respeitando todas as normas, e após tomar posse no cargo, decorrido certo lapso temporal, resolve transformar-se em mulher.

A alegação de que o cargo era para homens não encontra respaldo para prosperar. Cargo não possui sexo! Ademais, salário antes e após a mudança de sexo será o mesmo, não havendo maiores dispêndios para o Estado.

O que pode ocorrer são determinados cargos, pela sua natureza e peculiaridades exigirem um porte físico mais avantajado, e serem preenchidos somente por homem, nesses casos, o homem que pertencesse ao Batalhão de Operacionais Especiais que só é integrado por homens, p. ex., e resolvesse virar mulher, terá direito a ser transferido de suas funções, e assumir outro cargo compatível com a sua realidade. Repetimos, cargo não tem sexo!

Não existe um terceiro sexo em nosso mundo, ou se é homem ou se é mulher. O transexual se torna homem ou mulher, não devendo prevalecer a sua realidade biológica, mas sim social, e o Direito deve preservar todos os seus direitos, em respeito à sua dignidade, princípio supremo e inafastável.

Forçoso concluir que o militar que troca de sexo possui o inarredável direito a ser tratado e respeitado como todo e qualquer ser humano, inclusive prosseguir na carreira militar, ter sua identidade militar substituída; freqüentar o vestiário feminino; direito à licença maternidade nos casos de adoção; a realizar os exames físicos na tabela feminina; a se aposentar mais cedo nos casos previstos em lei de forma proporcional, etc, etc, etc.

Para fomentar o debate, considerando que a compleição do transexual que se submete a neocolpovulvoplastia será, ao menos em tese, mais avantajada do que a compleição de outras mulheres, seria justo em competições femininas serem dominadas por transexuais? Da mesma forma, um transexual que se submete a neofaloplastia estaria em condições de competir de igual para igual com outros homens?

Para responder a esta pergunta recorreremos às regras do Comitê Olímpico Internacional que debateu o assunto em 2004, decidindo que

As rígidas exigências estabelecidas pelo COI asseguram que nenhuma transexual feminina (MtF) possa ter alguma vantagem física sobre outra atleta.

Os níveis de testosterona e massa muscular das transexuais femininas baixam aos níveis femininos após a terapia hormonal e a cirurgia de harmonização sexual.

A autorização para competir, segundo os médicos do COI, será concedida após reconhecidas que todas as mudanças físicas sejam completas.

O Esporte é para todos, homens, mulheres, deficientes, pessoas de todas as raças, credos e nacionalidades. Transexuais assim como todos os seres humanos possuem os direitos que todo cidadão possui.

A autorização para que uma mulher transexual possa competir no gênero adequado dependerá do cumprimento de todas essas normas, como o reconhecimento legal no gênero adequado, tempo suficiente para alteração de todas as mudanças físicas necessárias , cirurgia de sexo, e se necessário um tratamento especial hormonal antes de cada competição

Se transexuais forem proibidas de jogar em esportes por causa de uma presumida vantagem genética, isto mostra que também toda e qualquer pessoa que nasça com uma vantagem genética deve ser proibida de jogar.

A troca de sexo não é doença! Embora, assim considere a Classificação Internacional de Doenças, CID – 10 F64.0 que diz “Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado.”

Todo ser humano vem ao mundo para ser feliz, e ninguém pode lhe tirar este direito, mormente o Estado que tem a obrigação de garanti-lo. E cada um sabe onde encontrar a sua felicidade!

Encontra-se em discussão o anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, que prevê o crime de homofobia (Praticar condutas discriminatórias ou preconceituosas previstas neste Estatuto em razão da orientação sexual ou identidade de gênero), com pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Não temos dúvidas de que a referida previsão será bastante salutar. Geralmente, as leis não acompanham a evolução da sociedade, mas neste caso, sem dúvidas, é a sociedade que não está acompanhando a evolução legislativa. É a sociedade que precisa evoluir e respeitar a todos, em seu sentido mais amplo, em absolutamente toda a sua diversidade.

Cremos que muitos membros da sociedade não aceitariam ser atendidos por transexuais fardados, mas aí o problema já é com a sociedade.

Por não constituir a reforma por invalidez ou a licença compulsória modalidade de ato disciplinar militar, eventual ação de reintegração ao cargo deve ser proposta na Vara da Fazenda Pública.

Caso seja excluído arbitrariamente, por ter violado normas (não sabemos quais), o ato administrativo constituir-se-á em disciplinar militar, sendo a Justiça Militar competente para apreciar o feito.

E você, o que acha do transexual nas Instituições Militares?