AUTORIDADE POLICIAL, POLÍCIA MILITAR E SEGURANÇA PÚBLICA

Eu fico chateado quando chego a algum local fardado e as pessoas dizem para outras que "A polícia chegou para te prender","Prende ele"; "A polícia vai te prender", principalmente quando dizem isso a crianças. A Polícia existe para proteger! Que tal dizer "A polícia está aqui para te proteger"? (Rodrigo Foureaux)

1. INTRODUÇÃO

No ambiente acadêmico muito se discute se policial militar é autoridade policial, sendo dito por diversos doutrinadores e renomados juristas que não.

Este não é o nosso posicionamento, pelas razões que a seguir exporemos, com a devida máxima vênia aos que pensam em contrário

A segurança pública é um assunto bastante discutido em nossa sociedade, sobretudo por estar relacionado diretamente com a criminalidade. Os órgãos responsáveis pela preservação da ordem pública constam no art. 144 da Carta Máxima, a saber:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Nota-se que a Constituição tentou delimitar as atribuições de cada órgão imbuído da missão constitucional de preservar a ordem pública.

O problema da criminalidade não está afeto somente aos órgãos de segurança pública, sobretudo à Polícia Militar, que lhe compete o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. A questão é muito mais complexa, e a raiz do crime encontra-se na questão social, nas desigualdades sociais, má distribuição de rendas, ensino deficiente, corruptos políticos, etc.

Como muito bem exposto por Jorge César de Assis(1), ao mencionar o ex-prefeito Roberto Requião, ao asseverar que “enquanto a periferia não come, o centro da cidade não dorme.”

Assim, afirmamos, sem dúvida, que a Polícia Militar, como diz o outro “existe não para estabelecer o paraíso, mas para evitar que o inferno se instaure.”

Pois bem, feito este breve intróito, passamos a analisar o policial militar enquanto autoridade policial.

2.POLICIAL MILITAR E A AUTORIDADE POLICIAL

Rogério Greco (2) leciona que “A Polícia Militar, principalmente através dos seus Batalhões de Operações Policiais Especiais espalhados pelo Brasil, bem como as Polícias Civil e Federal vêm reconquistando, aos poucos, a confiança da população. Hoje, a separação existente entre a polícia militar, considerada, ao mesmo tempo, como uma polícia repressiva e preventiva, e a polícia civil (e mesmo a federal, em sua área de atuação), cuja finalidade precípua é investigar os delitos já ocorridos.:

E prossegue: “Assim, resumidamente, caberia à polícia militar, precipuamente, o papel ostensivo de prevenir a prática de futuras infrações penais, enquanto que à polícia judiciária, civil, caberia, também de forma precípua, o papel investigativo.”

Jorge César de Assis (3) ensina que “No campo da segurança pública propriamente dito, a Polícia Militar tem como exercício regular de sua atividade, o policiamento ostensivo fardado e a preservação da ordem pública. A competência para tal mister é decorrente da Constituição da República. Daí por que, seus integrantes, respeitado o grau hierárquico e as atribuições que lhe forem dadas, têm AUTORIDADE POLICIAL, correspondente a sua missão constitucional da ordem pública.”(grifo no original)

E ainda que “Essa autoridade, conhecida, por AUTORIDADE POLICIAL MILITAR, só cessa quando, onde houver, a ocorrência é entregue a outra autoridade policial, a civil, encarregada da feitura do inquérito. E isto é feito diariamente, com a apresentação de infratores nas delegacias competentes. O já tão conhecido telefone 190, recebe diariamente, centenas de pedidos de atendimento, que a Polícia Militar cumpre dentro das possibilidades existentes, com elevado espírito de sacrifício. O inquérito, peça informativa, contém as diligências investigatórias e tudo o que possa interessar à realização da Justiça. Uma vez conclusa a fase cartorária da atividade policial judiciária, e assim, com o envio do inquérito policial à Justiça, também cessa a autoridade de quem o tenha presidido, pois o fato ficará agora, sub judice.” (grifo no original)

O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo por intermédio do Provimento 806/2003, que consolidou as Normas relativas aos Juizados Informais de Conciliação, Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Juizados Criminais com ofício específico no Estado de São Paulo diz que:

41. A autoridade policial, ao tomar conhecimento da ocorrência, lavrará termo circunstanciado, que encaminhará imediatamente ao Juizado e, considerando a peculiaridade de cada caso, determinar que as partes compareçam, de pronto ou em prazo determinado pelo Juízo, ao Juizado Especial.

41.1. Considera-se autoridade policial, apta a tomar conhecimento da ocorrência e a lavrar termo circunstanciado, o agente do Poder Público, investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural, que atue no policiamento ostensivo ou investigatório. (grifo nosso)

41.2. O Juiz de Direito, responsável pelas atividades do Juizado, é autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados elaborados por policiais militares, desde que também assinados por Oficial da Polícia Militar. (grifo nosso)

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina no julgamento da Apelação Criminal n. 2010.047422-0, de Itapoá, de relator do Desembargador Irineu João da Silva, asseverou que:

A expressão "autoridade", conceituada como "aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis; representante do poder público" (Dicionário Aurélio Eletrônico, versão 2.0) é utilizada pela legislação pátria para designar "o poder pelo qual uma pessoa ou entidade se impõe às outras, em razão de seu estado ou situação. É o poder de direito de uma pessoa em virtude de sua especial capacidade de fato" (GOFFREDO TELLES JÚNIOR, Enciclopédia Saraiva do Direito, SP: Saraiva, 1978, v. 9, p. 330). (grifo nosso)

Mas várias são as derivações que se pode dar ao conceito de "autoridade", de acordo com o prefalado "estado ou situação" e sua "especial capacidade de fato", dando origem, entre outras, à expressão autoridade policial, indicativa da "pessoa que ocupa cargo e exerce funções policiais, como agente do Poder Executivo, subordinado ao Ministério da Justiça. Tais agentes têm o poder de zelar pela ordem e segurança públicas, reprimir os atentados à lei, ao direito, aos bons costumes" (Enciclopédia Saraiva do Direito, SP: Saraiva, 1978, v. 9, p. 351). (grifo nosso)

Daí os conceitos de polícia administrativa (preventiva e inerente aos órgãos da Administração Pública), polícia judiciária (Polícia Civil) e polícia de manutenção da ordem pública (Polícia Militar); enquanto a primeira incide sobre bens ou restringe direitos, as demais agem visando reprimir a criminalidade, auxiliando a "ação judiciária penal, de competência dos Juízos e Tribunais Criminais", como preleciona o Dr. ROGÉRIO LAURIA TUCCI (A Lei dos Juizados Especiais, Porto Alegre: Revista Unidade, ano XIV, n. 27, jul/set-96, p. 11) (Ap. Crim. N. 00.002909-2, de Blumenau, rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. 18.4.2000).(grifo nosso)

O Senador Demóstenes Torres apresentou a Emenda nº 5 ao Projeto de Lei do Senado 156/08 que trata do novo Código de Processo Penal, e a emenda constava:

Modifica a redação do caput do art. 291 do Substitutivo do Relator, para substituir a expressão “delegado de polícia” por “autoridade policial”. (grifo nosso)

O autor justifica que o conceito de autoridade policial é mais abrangente, abarcando, por exemplo, os integrantes das polícias militares. (grifo nosso)

Ressalta que a autorização para que os agentes encarregados do policiamento ostensivo possam lavrar o termo circunstanciado implica desafogar as delegacias, possibilitando um desempenho mais eficiente do Estado na área da segurança pública.

Percebe-se claramente que o Código de Processo Penal ao se referir a autoridade policial abrange também o policial militar, e não somente o Delegado de Polícia. Verifica-se exatamente que essa é a vontade do legislador, conforme a Emenda nº 5 ao Projeto de Lei do Senado 156/08 supra exposta.

Podemos dizer que autoridade policial é gênero, que subdivide-se em autoridade policial militar e civil.

Em algumas passagens do Código de Processo Penal, a expressão autoridade policial refere-se exclusivamente ao Delegado de Polícia (autoridade policial civil); noutras passagens refere-se ao Delegado de Polícia e policiais militares, mais especificamente aos oficiais, conforme detalharemos melhor abaixo.

O art. 6º do CPP diz que “Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: (...)” e elenca variar providências a serem adotadas pela autoridade policial, dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais. Na prática, quase na totalidade das ocorrências é a Polícia Militar que faz esse papel, de deslocar-se imediatamente ao local do crime, pois a preservação da ordem pública foi rompida, e à PM incumbe restaurá-la imediatamente.

Dessa forma, o art. 6º refere-se à Polícia Civil e à Polícia Militar, assim como o art. 301 do CPP ao tratar que “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”

Os artigos. 7º, 15, 16, 17, 18, 32, § 2o e vários outros referem-se exclusivamente à autoridade policial civil (Delegado de Polícia), uma vez que tratam de medidas relacionadas a inquérito policial.

Importante mencionar também a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que diz em seu art. 11 que “No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

A autoridade policial a que se refere o art. 11 é a Polícia Civil ou Militar? A nosso ver às duas, uma vez que a intenção da lei é exatamente dar amparo à mulher, ampliando o leque de apoio e proteção estatal.

Outrossim, na prática verifica-se que em quase a totalidade dos casos é a Polícia Militar que realiza as determinações contidas nos incisos supra citado.

Interessante mencionar a mutação constitucional que consiste em um processo informal de modificação do conteúdo da Constituição, sem no entanto ocorrer qualquer alteração em seu texto, em decorrência de um novo costume constitucional. Conforme ensina o constitucionalista Marcelo Novelino “São processo informais de alteração da Constituição, sem que haja qualquer modificação em seu texto.” E através da “interpretação se altera o sentido de uma norma, sem modificar o seu texto. A interpretação é um elemento que pode ser utilizado para a mutação constitucional.” Outra forma de se alterar o conteúdo da Constituição é através dos “costumes”, que é muito comum na Inglaterra.

Como exemplo citamos o art. 5°, XI CF, in verbis:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

“Quando a Constituição surgiu, o conceito de casa limitava-se a residência ou domicilio. Atualmente, a interpretação que se da é bem mais ampla, segundo o entendimento do próprio STF, passou-se a abrangir local de trabalho, quarto de hotel, quarto de motel, trailer, etc.” (4)

Dessa forma, podemos falar em mutação legal, que consistiria em um processo informal de modificação do conteúdo de uma lei, sem no entanto ocorrer qualquer alteração em seu texto, em decorrência dos costumes, prática e realidade da sociedade, o que, sem dúvidas, adéqua perfeitamente a Polícia Militar dentro do conceito de autoridade policial e seus agentes utilizado pelo Código de Processo Penal.

Discordamos do entendimento de Márcio Ferreira Rodrigues Pereira (5) que equipara os policiais militares a agentes, conforme aduz:

Primeiramente, é preciso lembrar que, segundo o art. 301, caput, do Código de Processo Penal, enquanto os particulares têm a faculdade de prender quem quer que se encontre em situação de flagrante delito (é o chamado flagrante facultativo), os agentes policiais(policiais militares, federais, rodoviários federais e civis) e autoridades policiais (civis e federais) têm o dever de agir (flagrante compulsório). (grifo no original)

Outrossim, ousamos discordar também do ilustre Doutor Jorge César de Assis (6) que diz que “o agente da autoridade é o colaborador do serviço público de polícia: vigilantes, guardas e detetives particulares e todos aqueles que necessitam de prévia licença da autoridade policial competente para o desempenho de suas funções.”

O art. 301 transmite, a nosso ver, uma idéia de subordinação hierárquica ao mencionar as autoridades policiais e seus agentes, nota-se, “e seus agentes”. O “e” é uma conjunção aditiva e “seus’ é um pronome possessivo que significa dizer que os agentes estão subordinados à autoridades policial.

Dessa forma, é inadmissível inserir a Polícia Militar em patamar inferior à Polícia Civil, simplesmente porque este patamar não existe e ambas as Instituições ocupam o mesmo degrau no Poder Executivo. Não há hierarquia entre civis e militares, com exceção do Governador do Estado, que é o Comandante Supremo das Forças Auxiliares.

Quanto aos agentes serem os colaboradores do serviço público de polícia, temos que não se refere aos agentes mencionados no Código de Processo Penal, haja vista que estes não detêm o poder decorrente de lei que os obrigam a efetuar a prisão em flagrante, nos termos do art. 301 do CPP.

Pois bem, na prática, percebe-se que a Polícia Militar exerce “n” atividades previstas no Código de Processo Penal e em legislações esparsas que a própria lei diz competir à “autoridade policial”.

Quanto ao cumprimento do mandado de busca e apreensão no dia a dia operacional, nota-se que há certo desgaste entre a Polícia Civil e a Polícia Militar, sendo esta questionada por aquela se possui competência para o cumprimento.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que sim, senão vejamos:

RECURSO. EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE EXAME PRÉVIO DE EVENTUAL OFENSA À LEI ORDINÁRIA. [...] 2. AÇÃO PENAL. PROVA. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. CUMPRIMENTO PELA POLÍCIA MILITAR. LICITUDE. Providência de caráter cautelar emergencial. Diligência abrangida na competência da atividade de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública. Recurso extraordinário improvido. Inteligência do Art. 144, §§ 4º e 5º da CF. Não constitui prova ilícita a que resulte do cumprimento de mandado de busca e apreensão emergencial pela polícia militar. (Recurso Extraordinário nº 404.593/ES, 2ª Turma do STF, Rel. Cezar Peluso. j. 18.08.2009, unânime, DJe 23.10.2009). (grifo nosso)

E ainda:

BUSCA E APREENSÃO - TRÁFICO DE DROGAS - ORDEM JUDICIAL - CUMPRIMENTO PELA POLÍCIA MILITAR. Ante o disposto no artigo 144 da Constituição Federal, a circunstância de haver atuado a polícia militar não contamina o flagrante e a busca e apreensão realizadas. AUTO CIRCUNSTANCIADO - § 7º DO ARTIGO 245 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Atende ao disposto no § 7º do artigo 245 do Código de Processo Penal procedimento a revelar auto de prisão em flagrante assinado pela autoridade competente, do qual constam o condutor, o conduzido e as testemunhas; despacho ratificando a prisão em flagrante; nota de culpa e consciência das garantias constitucionais; comunicação do recolhimento do envolvido à autoridade judicial; lavratura do boletim de ocorrência; auto de apreensão e solicitação de perícia ao Instituto de Criminalística. (STF HC 91481/MG , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 19/08/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-202 DIVULG 23-10-2008) (grifo nosso)

Ademais, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina no julgamento da Apelação Criminal n. 2010.047422-0, de Itapoá, de relator do Desembargador Irineu João da Silva, considerou que a Polícia Militar pode também exercer as atividades de polícia judiciária, eis que não é exclusiva da Polícia Civil, nos seguintes termos:

Insurge-se o apenado (...) quanto à regularidade da interceptação telefônica, ao argumento de que a polícia militar não detinha competência para tanto, sendo o "munus" restrito à polícia judiciária.

Entretanto, na tônica do que assentou o nobre parecerista, cuja manifestação serve de embasamento para afastar a insurgência, "não há vedação constitucional ou legal na realização, pela polícia militar, de escutas telefônicas autorizadas judicialmente, considerando que a polícia judiciária não é exercida, exclusivamente, pela polícia civil no âmbito estadual" (grifo nosso)

A Associação dos Magistrados Mineiros manifestou-se no Ofício 080/2010 direcionado ao Secretario do Estado de Defesa Social de Minas Gerais ser lícito o cumprimento de mandado de busca e apreensão pela Polícia Militar, inclusive citando os precedentes do STF.

Ora, nota-se que quando a lei processual penal menciona “autoridade policial”, a própria Polícia Civil reconhece que é nossa competência, como chegar ao local do crime e preservá-lo; garantir proteção policial e acompanhar as mulheres para buscar seus pertences em casos de violência doméstica, dentre outras.

Em se tratando de cumprimento de mandado de busca e apreensão a Polícia Civil já entende que a Polícia Militar não detém competência para o cumprimento de tal, chegando ao ponto de querer autuar o policial militar por usurpação de função pública e liberar o meliante, por entender que a prisão foi ilegal.

Citamos como exemplo o fato ocorrido na Comarca de Almenara, em que o Delegado de Polícia deixou de ratificar prisão em flagrante por tráfico ilícito de drogas devido a “irregularidades apontadas no caso em tela promovida pelos policiais militares”, enquadrando os policiais militares no crime de “usurpação de função pública”, uma vez que prenderam traficante dentro de sua residência com drogas, mas sem mandado de prisão

O juiz Thiago França de Resende, nos autos do processo feito nº 0049125-97.2010.8.13.0017, originado com o comunicado do Delegado que deixou de ratificar o flagrante fez notar que:

Outrossim, tenho que a autoridade policial assim agindo deixou de praticar ato de ofício para satisfazer sentimento de ordem pessoal, o que configura, menos em tese, em crime de prevaricação, pelo que determino a extração de cópia destes autos, bem como sua remessa ao representante do Ministério Público e à Corregedoria de Polícia Civil, para as ações que entenderem cabíveis. (grifo nosso)

Patente a flagrância delitiva, é lícito a qualquer do povo realizar a prisão do agente, ou seja, a situação de um crime em execução autoriza a atuação de qualquer pessoa para fazer cessar a sua prática, ainda que usurpação de competência ou desprovido de autorização legal ou judicial, notadamente àqueles que integram a Polícia Militar, a quem compete “a polícia ostensiva de prevenção criminal” (CF, art. 142, I), lição das mais comezinhas, mas que não informou a atuação da autoridade policial por ocasião dos fatos.

Tenho, contudo, que andou mal a autoridade policial, já que suas convicções pessoais não devem dominar nem condicionar sua atuação profissional – e no caso vertente comprometram-na de forma veemente, já que culminou na soltura indevida e restituição à sociedade de elemento nocivo que foi flagrado em patente atividade criminosa.

Não vou, aqui fazer qualquer digressão acerca das inesgotáveis divergências institucionais entre as Polícia Civil e Militar, que vêm de longa data e somente enfraquecem o compromisso com a segurança pública não rendendo qualquer dividendo à sociedade, só prejuízo. Não há disposição, nem tempo para isso. Mas não poderia me furtar de reconhecer que, não raro, em inúmeros rincões deste Estado, a Milícia de Tiradentes acaba por se incumbir das funções de polícia judiciária por pura inexistência ou deficiência estrutural da Polícia Civil local, ainda que não sejam preparados para essa finalidade exercendo-a com esforço e dedicação. (grifo nosso)

Por fim, decretou a prisão preventiva expedindo o competente mandado de prisão do investigado que fora liberado pelo Delegado.

Nota-se diante de todo o exposto, em se tratando do ”bônus” da legislação processual penal, que pode desencadear em reconhecimento de mérito (apreensão de drogas e armas; prisão de criminosos) e repercussão positiva perante a sociedade, a Polícia Civil entende ser tão somente ela a autoridade competente. Em se tratando do “ônus” que são as atividades de polícia naturais do dia a dia, como cercar local de crimes, acompanhar vítimas da Lei Maria da Penha em domicílio para retirar pertences, recaem sobre a Polícia Militar. Sem dúvidas, a Polícia Militar exerce essas atribuições com dedicação, esforço e satisfação, visando sempre a paz social.

A rigor, se pensarmos assim, a Polícia Militar somente deverá atuar no policiamento ostensivo, preservando a ordem pública, sem deslocar nas ocorrências após o cometimento do crime, pois se este ocorreu, iniciar-se-á a investigação criminal, e esta é de competência da Polícia Civil. Logo, os cidadãos deveriam ligar 197, e não 190.

O que não pode ocorrer é o conceito de autoridade policial oscilar de acordo com as convicções íntimas de cada autoridade. Ou é autoridade policial, ou não é!

Dessa forma, nosso entendimento é que a autoridade policial referida na legislações processual penal comum refere-se ao Delegado de Polícia e ao Oficial da Polícia Militar.

O Delegado por ser bacharel em Direito e concursado para o seu respectivo cargo. O Oficial da Polícia Militar por realizar o Curso de Formação de Oficiais, que em muitos Estados é curso superior, como é em Minas Gerais até as turmas que se formarem em 2013. E em alguns Estados já se exige o curso de Direito, como é exigido em Minas Gerais para ingressar em 2012, já no concurso de 2011.

Insta salientar que o oficial da Polícia Militar exerce atividades típicas de polícia judiciária, como condução de Inquéritos Policiais Militares e lavratura de Auto de Prisão em Flagrante. Ademais, os oficiais podem exercer ainda a função de juiz militar perante os Conselhos de Justiça da Justiça Militar, tem durante o processo, inclusive, os mesmo poderes de um juiz de direito concursado em diversos atos processuais.

O legislador como se notou na Emenda nº 5 ao Projeto de Lei do Senado 156/08 substituiu o termo “Delegado de Polícia” para “autoridade policial”, exatamente para abarcar os policiais militares na proposta do novo Código de Processo Penal que tramita pelo Senado. Isto é, a mens legis, a finalidade do legislador foi inserir o policial militar dentro do termo “autoridade policial”, sendo esta a interpretação teleológica.

Defendemos que o termo “agente” do Código de Processo Penal não se refere a policiais militares, muito menos a vigilantes e outros congêneres.

Caso a autoridade policial a que se refere for o Delegado de Polícia (autoridade policial civil), os “seus agentes” serão os investigadores (7) , agentes e detetives que com ele trabalham.

Caso a autoridade policial mencionada possa ser o Oficial da Policia Militar (autoridade policial militar), os “seus agentes” serão as praças.

Percebe-se que há uma relação hierárquica entre autoridade policial e agente, sendo inadmissível inserir a Polícia Militar como agente no Código de Processo Penal.

O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo por intermédio do Provimento 806/2003 conforme supracitado autoriza que policiais militares lavrem TCO, e a lei 9.099/95 menciona “a autoridade policial” (art. 69). O Termo Circunstanciado de Ocorrência somente terá validade “desde que também assinados por Oficial da Polícia Militar” (item 41.2) O que comprova mais ainda que o Oficial da Polícia Militar é autoridade policial, se a praça fosse autoridade policial não haveria necessidade de ser assinado por Oficial da Polícia Militar.

Resumindo:

1. Autoridade policial é gênero que subdivide-se em militar e civil;

2. A autoridade policial militar é o oficial da Polícia Militar, e seus agentes são as praças;

3. A autoridade policial civil é o Delegado de Polícia, e seus agentes são os investigadores;

3.TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS E A INVESTIGAÇÃO POLICIAL

A Polícia Militar tem o dever de preservar a ordem pública (art. 144,§ 5º, CF), e para preservá-la, está autorizada implicitamente a investigar preventivamente, antes da ocorrência do crime, atuando durante o iter criminis.

O iter criminis é o caminho percorrido pela infração penal,é conjunto de fases que se sucedem em ordem cronológica para a ocorrência do crime. Esse percurso do crime divide-se em duas fases, a interna (cogitação e atos preparatórios) e a externa (execução e consumação).

A cogitação, em decorrência do princípio da materialização do fato é impunível. Todos são livres para pensar o que quiser

Os atos preparatórios (conatus remotus), via de regra, são impuníveis. Como exceção à regra citamos, para a maior parte da doutrina, o art. 288 do CP (formação de quadrilha). A doutrina moderna entende que todo ato preparatório é impunível.

A execução é a maneira pelo qual o agente atua para realizar o núcleo do tipo.

Na consumação o iter criminis completa o seu ciclo, com a composição plena do fato criminoso.

Pois bem, nota-se que o crime só se consuma na última fase do iter crminis, logo não há vedação constitucional, nem legal, para que a Polícia Militar atue nas três primeiras etapas do “caminho do crime”, por motivos óbvios, uma vez que a Polícia Militar não estará usurpando função da Polícia Civil, tendo em vista que não estará a investigar crimes comuns, até mesmo porque estes não ocorreram, mas estará realizando uma investigação preventiva, exatamente para cumprir com sua missão constitucional, o de preservar a ordem pública, e uma das formas de se preservar é “cortar o mal pela raiz”, é decepando o futuro nascimento do crime, enquanto ainda for um embrião.

Por ser ainda um “embrião” não há se falar em investigação de crime, pois este ainda não existe, e a Polícia Militar estará cumprindo seu dever, abortando este embrião para preservar a sociedade de um futuro mal, mantendo a ordem pública.

Trata-se de uma forma inteligência de se preservar a ordem pública, não é a toa que as atividades de P/2 chamam-se Atividades de Inteligência.

Rogério Greco (8) leciona que "Dissemos, anteriormente, que à polícia militar caberia o papel precípuo de, ostensivamente, prevenir a prática de futuras infrações penais, com a finalidade de preservar a ordem pública, o que não a impede, outrossim, de exercer também uma função investigativa,que caberia, inicialmente, e também de forma precípua à polícia civil. Também não se descarta a possibilidade de a Polícia Militar exercer um papel auxiliar ao Poder Judiciário, o que na verdade é muito comum, a exemplo do que ocorre com frequência no Tribunal do Júri, onde a escolta dos presos é por ela realizada.” (grifo nosso)

Álvaro Lazzarini (9) ensina que "A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública engloba, inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de suas greves e outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, pois, a Polícia Militar é verdadeira força pública da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública e, especificamente, da segurança pública. A investigação policial militar preventiva, aliás, é a atribuição da Polícia Militar, conforme concluiu o E. TJSP, pela sua C. 4 Câmara Criminal, ao referendar a missão que policial militar desenvolvia, em trajes civis, e que culminou na prisão de traficante de entorpecentes." (grifo nosso)

Como forma de locupletar nossos argumentos, a realização da investigação preventiva encontra amparo na teoria dos poderes implícitos (inherent powers), de origem norte-americana, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios.

Se a atividade fim – preservação da ordem pública - foi outorgada à Polícia Militar (art. 144,§ 5º, CF), não se concebe como não lhe oportunizar a investigação preventiva (meios), antes da ocorrência do crime, exatamente para preservar a ordem pública. (fim).

Assim, é a interpretação dada pelo STF em relação às investigações realizadas pelo Ministério Público, ao afirmar que a Polícia Civil não detém o monopólio das investigações, em decorrência da teoria dos poderes implícitos.

Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia. (STF - HC 91.661-PE) (grifo nosso)

Nas palavras de Renato Brasileiro (10) se o Parquet tem a titularidade para o exercício da ação penal publica, é claro que tem o poder de investigar para colher esses elementos, sob pena de não se lhe garantir o meio idôneo para realizar a persecução criminal.

Dessa forma, se a Polícia Militar tem o dever constitucional de preservar a ordem pública, é claro que tem o poder de investigar preventivamente para preservar a ordem pública, sob pena de não se lhe garantir o meio idôneo para a preservação da ordem pública.

4. CONCLUSÃO

Não diria que conclusão seja o termo mais adequado para encerrar este artigo, pois o assunto é bastante polêmico e não temos dúvidas que sofrerão inúmeras críticas de estudiosos e renomados conhecedores do assunto. Mas Direito é convencimento, e cada cabeça um raciocínio jurídico.

Em entrevista concedida à Revista Veja (11), Cláudio Beato, sociólogo mineiro e um dos maiores estudiosos no Brasil, em se tratando de segurança pública, ao ser questionado por que unificar as polícias é tão crucial, respondeu que: “É vital para obter ganhos de eficiência. Nas grandes economias do mundo e em países da América Latina, já funciona assim. O Brasil é um dos poucos que têm duas polícias atuando de forma independente e ainda por cima competindo entre si. Pela lei, cabe à Polícia Civil investigar e à Militar, fazer o policiamento ostensivo. Só que na prática as atribuições se sobrepõem. Afinal, onde começa a investigação e acaba a vigilância? Prender um criminoso em flagrante não seria uma etapa do trabalho de investigação? Os conflitos que decorrem daí só se prejudicam a apuração dos crimes. A ineficácia é espantosa: na grande maioria dos estados, não mais do que 15% dos homicídios são elucidados. É preciso também reformular o Código Penal, que torna os inquéritos peças jurídicas tão arcaicas quanto ineficientes. Nosso arcabouço institucional ainda tem muito a ser melhorado.”

A interpretação que tentamos dar é a de um sistema constitucional processual penal como um todo, visando exatamente cumprir com uma das principais finalidades da existência de nosso direito: a pacificação social.

Peço vênia para dizer que devemos pensar no bem-estar social, na paz da coletividade, na harmonia de nossa sociedade, de forma que possamos garantir paz para que todos possam exercer suas funções e viver com tranqüilidade. A segurança pública deve ser vista como um todo, composto por órgãos de Defesa Social em perfeita convivência harmônica, respeito e colaboração mútua.

Em se tratando de segurança pública não há espaço para vaidades e discussões acadêmicas,e como muito bem dito pelo juiz Thiago França de Resende as “divergências institucionais entre as Polícia Civil e Militar, que vêm de longa data e somente enfraquecem o compromisso com a segurança pública não rendendo qualquer dividendo à sociedade, só prejuízo.”

Considerações sub censura.

(1) ASSIS, Jorge César de. Lições de Direito para a Atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas. 6ª ed. ver. atual. e ampl. Editora Juruá, p. 17.

(2) GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. Editora Impetus. p.4.

(3) ASSIS, Jorge César de. Lições de Direito para a Atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas. 6ª ed. ver. atual. e ampl. Editora Juruá, p. 22.

(4) CORRÊA, Heloísa Luz. O que se entende por mutação constitucio_ nal?Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php story=20090310142426338 – 10 de abril de 2009. Acesso em: 17Dez2011

(5) PEREIRA, Márcio Ferreira Rodrigues. O agente policial, durante o período de folga, tem o dever de prender em flagrante http://jus.com.br/revista/texto/17388/o-agente-policial-duranteo-

periodo-de-folga-tem-o-dever-de-prender-em-flagrante - Julho/2010. Acesso em 17Dez2011

(6) ASSIS, Jorge César de. Lições de Direito para a Atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas. 6ª ed. ver. atual. e ampl. Editora Juruá, p. 25.

(7) Em Minas Gerais, utiliza-se termo “investigado”, para se referir a agentes e detetives.

(8) GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. Editora Impetus. p.5.

(9) GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. Editora Impetus. p.5.

(10) LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. vol. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.p. 462.

(11) BEATO, Cláudio. É hora de limpar a Polícia. Veja, São Paulo, edição n. 2247, n. 50. p. 20, 14 de dezembro de 2011. Entrevista concedida a Malu Gaspar.