A Questão da Biotecnologia e o Direito
Ao Direito é destinado a importante missão de regular a vida social. Por isso, procura o Direito, através das leis, determinar meios para a convivência pacífica, solucionar conflitos, bem como regrar questões que possam gerar conflitos.
No entanto, os indivíduos, bem como a vida social resultante da interação desses indivíduos, são dinâmicos e novas questões surgem a cada dia que acarretam na necessidade de se adaptar as leis às novas realidades.
Dentre essas novas realidades, o que se demonstra de capital importância é a relativa à biotecnologia. No tempo presente, vê-se que a biotecnologia tem trazido possibilidades impensáveis até há poucos anos, capaz de gerar filhos em casos que a medicina, até então convencional, afirmava ser impossível. E isso é apenas um exemplo dentre as infindáveis conquistas da ciência moderna.
Mas como reage o Direito diante desses avanços?
Com efeito, por meio de análise do Código Civil, observa-se a existência de regras atinentes ao Direito de Família, que versa sobre a sucessão hereditária, bem como mecanismos para a definição de filiação, tendo como instrumento de apoio, a ciência médica.
Ocorre que, essa mesma ciência médica já alcançou técnicas que o Direito está longe de interpretá-los. Observemos, nesse ponto, o que se refere à inseminação artificial. Com a tecnologia atual, é possível armazenar óvulos, espermatozóides e ovos fecundados por anos, os quais podem ser utilizados por terceiros, ou pelos próprios doadores.
A princípio, se houver a inseminação em casais vivos, não se apresenta maiores complicações. No entanto, e se houver a inseminação após a morte do genitor? Como ficaria o registro de nascimento? Apresenta-se, sem dúvida, um anacronismo entre a concepção do nascituro e a morte do genitor. Nesse caso, como conciliar essa filiação com o disposto no artigo 1.597 do Código Civil? E no caso da sucessão hereditária, como se proceder após a ocorrência da partilha? Poder-se-ia alegar o surgimento de novo descendente, mesmo após o exaurimento da partilha?
Outro caso controvertido refere-se ao caso de casais que armazenam ovos fertilizados para que os utilizem num futuro eventual, mas que venham a se separar. Os responsáveis são os doadores. Mas e se a pretendente desejar ter filhos, mas não puder por meios naturais, seja o motivo que for, e decidir se utilizar desses ovos, sem o consentimento do ex-marido. O que fazer? Geneticamente, os pais são aqueles doadores, agora separados, e, em tese, são os responsáveis por aquele material genético. Poderia o ex-marido ter um filho mesmo sem seu consentimento, mesmo contra a sua vontade? Poderia o pai ser excluído de sua responsabilidade? E a mãe, poderia ser privada de seu direito? Como resolver o impasse de haver o material genético e existir divergência entre os doadores? Analisando a questão no campo penal, poderia, em tese, observar-se a incidência do crime de aborto?
Por outro lado, observemos a questão da inseminação artificial que poderá gerar filhos, sem que se saiba, ao menos, qual a origem dele. A problemática dessa questão é a possibilidade de irmãos biológicos se relacionarem sem que tenham ciência desse fato, o que poderá gerar descendentes que carregarão deficiências genéticas, violando o disposto no artigo 1.521, IV, do Código Civil. Seria esse casamento nulo?
Observa-se que a questão da biotecnologia requer estudo aprofundado não só na seara tecnológica, fato evidente, mas requer também um aprofundamento jurídico das implicações dessa nova tecnologia, dos quais gerarão inegáveis avanços para o aperfeiçoamento social.
A tecnologia é importante para o enriquecimento da humanidade, mas é necessário que seja trabalhada e debatida por toda a sociedade, sem pré conceitos, para que se obtenha a melhor forma de aplicá-la. A ética, evidentemente, é importante, e neste ponto, adquire importância sobremaneira para que possamos conciliar a técnica com ciência, não nos olvidando dos princípios que se aderem à dignidade humana.
Piracicaba, 31 de maio de 2.006.