CÓDIGO DE DEFESA DA EMPRESA
Tem um ditado que eu ouvia quando eu ainda estudava e também participava do movimento estudantil. Naquela época eu tive acesso a muitos políticos tradicionais de minha terra; pessoas que viviam dos eternos currais eleitorais. Gente que sabia exatamente quantos votos havia numa urna e quem havia votado neles. Quando algo dava errado, antes mesmo das eleições, alguns deles faziam estripulias eleitoreiras para alcançarem a meta do cargo público. Certa vez eu ouvi de um dos mais coronelíssimos políticos, hoje morto: - Na política muitas vezes vendemos a alma ao diabo e depois tentamos recomprá-la. O que pode acontecer é do preço ser alto demais. É o risco do negócio!
A época era outra e os tempos mudaram; nossa vida passou a ser orquestrada por modernos preceitos jurídicos; preceitos que deveriam funcionar, mas que ainda se mostram falhos e dubitáveis, mas são os únicos que temos às mãos e devemos lutar para que surtam o efeito idealizado na criação.
O velho jargão latino “ligare” ou “que faz ligação”; tornou-se a base daquilo que conhecemos por Lei e estas, por conseguinte, são para a proteção do Estado de Direito. Eu entendo por Estado de Direito o sistema institucional onde cada indivíduo deve estar submetido às regras criadas e aprovadas de forma democrática.
Os velhos coronéis políticos eram como as leis de sua época e muito embora ainda haja coronéis vivos e espertos, também há leis brandas ou leis caducas, aquelas que não servem para absolutamente nada. As leis que são verdadeiros totens de modernidade e que protegem parte da dignidade humana ainda são controversas e em geral favorecem aos mais fortes. Leis que se limitam a defesa daqueles que podem pagar por bons e caros advogados.
Daquele mesmo coronel político que conheci na década de 70, eu costumava ouvir também palavras ásperas, tais como: “Se me devem mil e não pagam, pago 2 mil para exterminá-lo. Somente desta forma terei o respeito até do meu segurança!”
No dia 11 de Setembro de 1990, depois de 102 anos de república o Brasil sucumbiu ao desejo popular de ter uma lei específica de proteção ao consumidor. O então presidente Collor sancionava o Código de Defesa do Consumidor e logo em seguida os tribunais de justiça começaram a programar os desusados “juizados de pequenas causas”, hoje Juizados Especiais Cíveis.
O CDC foi um marco para a criação de mais respeito na relação entre empresas e consumidores. Antes dele quem se embaraçasse com uma empresa desonesta poderia perder o dinheiro ou até morrer, de raiva. Se comprasse e viesse estragado, raramente seria trocado; se houvesse vício, dificilmente este seria sanado; e assim eram pautadas as poucas regras que existiam nas relações de consumo.
Depois de 1990 e de muito ajuste nos padrões legais que compõem nossa constituição, teve muita gente se borrando de medo; em geral empresas que fabricavam produtos ou prestadores de serviços que não davam a mínima para seus clientes, direta e indiretamente. Estes senhores fornecedores de bens e serviços tiveram que reaprender a comerciar; e muitos não conseguiram cumprir as metas e morreram no meio do caminho.
Entretanto, outros souberam bem se aperfeiçoar, sobretudo na arte de enganar e criar novos padrões que possibilitam despistar os rigores legais. Eu também costumo repetir, mais uma vez, frases daquele velho e morto cacique político que conheci há mais de 30 anos; coisas do tipo: “onde houver um pilantra, com certeza haverá o professor deste”. Traduzido aos padrões jurídicos que dizer que se há uma lei forte e rigorosa, haverá sempre as veredas que permitem despistá-la e o CDC não fugiu a regra.
Empresas de todos os portes passaram a mentir vergonhosamente para não pagarem pelo ônus de seus próprios erros. Elas vendem e não entregam, prometem A e entregam B, não atendem sugestões e reclamações e o que é pior; muitas crescem absurdamente, mesmo praticando uma ou todas as irregularidades possíveis numa relação comercial. Eu próprio coleciono um balaio enorme com situações tão absurdas que muitas vezes me faz pensar que o CDC deveria ser na verdade o CDE (Código de Defesa das Empresas).
Há também o cliente espúrio e maldoso; aquele que enxerga o defeito (ou vício) antes da compra e que tenta se beneficiar dele. Alguns ainda mais perigosos e abjetos procuram criar o defeito (ou vício), apenas para poderem obter o enriquecimento ilícito. No meu ponto de vista a empresa desonesta e o cliente desonesto têm o mesmo peso e o mesmo caráter. Ambos contribuem para que a justiça tenha vários modos de agir; dentre eles o de não dar importância a quem deveria; os verdadeiros e honestos consumidores.
Voltando a lembrar do passado, ainda ouço meu pai me dizendo: “se entrar na contramão, permaneça na mão”! Era difícil entender as parábolas mais velhas, mas esta sempre esteve mais clara do que nunca. Se por acaso você se desviar do correto, tente não sair muito fora do correto e volte o quanto antes para ele. Se tivermos que ser punidos por alguma infração, que esta seja de menor potencial, porque somente assim é que podemos reparar um erro sem a chance de maiores consternações.
A primeira vez que eu de fato reclamei de forma mais aguerrida contra uma empresa foi contra uma operadora de telefonia celular. Eles me prometeram que um de seus serviços permitia a realização de chamadas em duas modalidades simultâneas, na telefonia fixa e na móvel. Acontece que este serviço permaneceu falho durante meses e entre ida e vinda de minha peregrinação de reclamações a justiça a condenou a me pagar 01 salário mínimo a título de indenização por dano material. A operadora sempre e defendeu afirmando que as interrupções no serviço eram esporádicas e muito rápidas, devido ao sistema estar sendo adequado.
Depois desta reclamação contra uma operadora de telefonia eu ainda tive outras contra a mesma operadora, neste caso a TIM. Quase três anos depois da primeira reclamação eu me convenci que já era tempo de voltar a acreditar nesta empresa, mas a segunda experiência foi ainda pior do que a primeira. Uma loja credenciada me vendeu um aparelho mais moderno e junto com ele um plano que deveria custar X, mas que sempre veio cobrando Y. Na hora de reclamar imaginamos que a subsidiaria irá resolver o problema, mas é aí que estamos todos enganados. As lojas existem (algumas) como mera fachada para atenderem a legislação que exige atendimento presencial. O aparelho que comprei, diga-se muito caro, também apresentou defeito com duas semanas de uso e na minha cidade não há assistência técnica.
Após muita dificuldade e depois de ter ouvido da operadora que não se trava de um tema deles, depois de não conseguir contato com o fabricante do aparelho, tive uma resposta mais plausível daquele que é concessionário da operadora TIM. Eles trocaram o aparelho e deram um “meio” jeito na conta. Depois eu cancelei meu contrato, mas ainda amarguei um prejuízo mínimo, mas o tive!
Foi muito mais fácil para a TIM dizer que tudo que aleguei não lhe dizia respeito. É mais fácil encontrar uma saída para um problema, menos aquela que eventualmente nos atribui qualquer tipo de culpa, porque quando assumimos a culpa, provavelmente nos coloque em uma situação vexatória e onerosa. É justamente isso que muitas empresas estão praticando, a mentira em detrimento do sofrimento alheio. Já que podem “empurrar com a barriga” e poucos acionam judicialmente estas empresas.
No caso de uma grande companhia, como é o caso de uma operadora de telefonia, se os milhares de problemas eles conseguem dirimir através de aleives e esquecimento por parte do consumidor, os poucos que são exigidos na justiça e o baixo valor indenizatório, acaba compensando não resolver e deixar que lhes acionem.
Se num grupo de mil pessoas houver um vício que cause prejuízo aos consumidores na ordem de R$ 30,00 cada um, a empresa terá recebido ilicitamente R$ 30.000,00 durante um mês. Cerca de 1% dos consumidores lesados acionam na justiça para garantirem seus direitos, neste caso, cerca de 10 pessoas naquele grupo citado. O valor médio de cada indenização hoje não chega a R$ 1 mil Reais; neste caso a empresa teria um gasto de R$ 10 mil e ainda lhe sobra R$ 20 mil. É ou não é mais fácil enganar?
Não há uma escala que ordene os valores de indenizações. Nunca algum jurista pensou em se fazer uma tabela que oriente um magistrado a limitar suas decisões; mas ao que percebemos pequenas empresas têm dificuldade em pagar estas indenizações, mas para as grandes companhias os valores não significam qualquer obstáculo para permanecerem agindo de má fé.
Em Minas Gerais há o que dizem ser uma das melhores companhias energéticas do Brasil, a CEMIG. A empresa de capital composto e que possui ações negociadas na bolsa de valores de Nova Iorque alega ser eficiente em demasia, talvez para justificar a tarifa absurdamente cara que eles praticam. Em 2007 a CEMIG chegou a minha casa e trocou o medidor alegando desvio de energia. Notificaram-me e em poucos dias chegou à conta do suposto desvio na ordem de R$ 1.900,00.
Eu contra argumentei de forma administrativa e para embasar minha tese de não ter desviado energia, apresentei as contas de antes e de depois de terem trocado o medidor. Antes eu pagava uma média um pouco acima do limite do que se espera de uma residência igual a minha; depois que trocaram o medidor eu passei a pagar cerca de 30% menos. Onde é que se fundamenta uma reclamação de desvio de energia se depois da troca do padrão o consumidor passou a pagar menos?
A CEMIG acatou minha tese e retirou a cobrança, mas, acreditem; emitiu nota de pagamento pelo medidor trocado. Tentei por duas vezes resolver o problema de forma administrativa e depois busquei o auxílio da justiça especial cível, mas na segunda audiência, inacreditavelmente, observei a juíza do caso aos papos carinhosos com o preposto da CEMIG tratando-o abertamente pelo diminutivo de seu nome. A distinta senhora julgadora abriu os trabalhos e advertiu que se a denúncia não estivesse consistente de provas que ela anteciparia a sentença em desfavor ao consumidor. Isso é justiça especial cível de proteção ao consumidor que se preceitua no CDC?
Nada melhor que citar os próprios problemas para se ter uma idéia do que estas empresas permanecem praticando sem nenhuma punição concreta. O Código de Defesa do Consumidor presumia-se atender a uma demanda que estava completamente esquecida e clareou a visão daqueles que sempre lutaram por bens e serviços de melhor qualidade. Incrivelmente todo o processo iniciou de forma enérgica, mas aos poucos está ficando extenuado e torpe.
Até pouco tempo atrás havia várias empresas grandes de comércio varejista que atuavam como ponto com, ou seja; empresas que passaram a atuar com venda direta ao consumidor através de programas de televisão e/ou internet. O Submarino, a Americanas e o Shop Time eram líderes de vendas e depois de uma fusão ficaram ainda maior e criou-se a B2W S/A; elas permanecem atuando com nomes diferentes e praticando preços diferentes, mas são uma única empresa. O grupo ficou maior e menos competentes, porque insistem em vender o que não podem entregar; prometer prazos sem o menor respeito e agora estão fazendo algo incrível: quando você os reclama dizem que nada podem fazer!
Minha última compra junto a Americanas ponto com deveria ser entregue um celular na residência de meu filho; ele seria um presente de aniversário em comemoração aos 15 anos de meu filho mais velho, mas passados 21 dias da data, com 3 promessas de entrega em datas diferentes, no site da empresa consta que o produto está confirmado para a entrega no dia 09 de outubro de 2011. Agora só falta eles dizerem que erraram a grafia de 2011; na verdade é para ser entregue no próximo aniversário no ano que vem! Ironia a parte, não é a primeira, nem a segunda vez que isso acontece numa relação comercial comigo e a B2W S/A; nas outras eu fui indenizado, mas confesso que preferia ter sido atendido no que rezou nosso pacto!
Um artifício que algumas empresas têm utilizado com tamanha grosseria é confundir o consumidor. Uma destas empresas é a Oi, operadora de telefonia. Os problemas chegam aos montes e quando o consumidor não consegue ser atendido pelo serviço de atendimento, alguns partem para o litígio e quando isso acontece, acreditem; na formulação das iniciais encaminhadas a justiça o CNPJ de algumas subsidiárias da Oi, caso específico da Oi Paggo, não corresponde ao que eles dizem ser o real e os oficiais de justiça não conseguem cumprir os mandados. Estes processos ficam meses parados a espera de ratificação do endereço por parte do autor e muitos juízes penalizam os autores pelo não apontamento correto.
Está mais do que flagrante comprovado que as empresas que compõem a Oi são pertencentes ao mesmo grupo acionário cuja empresa central é a Oi (TNL PCS S.A). Se ela têm vários endereços e vários CNPJs seu consumidor não pode ser levado à confusão e ao desrespeito, principalmente por parte do judiciário. O CNPJ que consta na sua conta é o que deve valer para se buscar o endereço de intimação e se este não existe o problema é 100% de quem o fornece, a Oi. A justiça brasileira já deveria ter aplicado mais multas por descumprimento e aplicado também indenizações mais “gordas”, porque somente desta forma e com mais intensidade é que eles agirão de forma honesta e coesa!
Uma das empresas que mais tenho desafeto é a Empresa de Correios ECT; outra gigante cujo capital é misto e que domina exclusivamente o setor de correspondência. O serviço de Sedex e Telegrama, dois dos pilares que deveriam ser rigorosamente leais quanto ao prazo de entrega costumam falhar horrores e quando exigimos uma justificativa os Correios respondem (quando responde) com evasivas e aleives.
Por experiência própria e mais uma vez envolvendo meu filho mais velho, quando ele completou 13 anos eu estava longe e resolvi fazer-lhe uma surpresa na escola. Encaminhei telegrama de felicitações no dia 13 de setembro; seu aniversário é no dia 15; o telegrama lhe chegou no dia 23. Na explicação da empresa diante de minha reclamação, eles escreveram: Prezado Senhor, o telegrama foi entregue normalmente no dia 23 de Outubro diretamente ao Sr. Victor (meu filho); como se estivessem corretos e se nada tivesse ocorrido!
As regras e padrões apresentados por estas e por muitas outras empresas são criadas por uma comissão de pessoas que deveriam entender não só de logística, mas dos preceitos jurídicos e de satisfação do cliente. Eu já fiz negócios com outras empresas que eventualmente também me proporcionaram alguns problemas, mas a retórica do atendimento pós-problema me deixou satisfeito e me fez voltar a comprar com elas. Sem querer qualquer tipo de propaganda, mesmo porque eu não recebo dela para divulgá-la, mas a rede Ricardo Eletro e a Compra Fácil (Hermes) que também são alvos de críticas, me proporcionaram sempre excelentes compras. Os problemas que eventualmente ocorreram em raras ocorrências, sempre foram resolvidos na base da verdade mútua. É isso que se espera de um pacto comercial!
Meu último caso ocorreu com uma marca de veículos japonesa, a Nissan. Em 2008 eu comprei um dos bons carros Nissan e este ano resolvi trocá-lo por um modelo igual, um Sentra. Durante 3 anos em que fiquei com este carro, nenhum problema ocorreu; ele tem 3 anos de garantia da fábrica. Próximo de pretendê-lo vender um sistema parou de funcionar e a concessionária o reparou e fez a revisão obrigatória de 40 mil km. Dias depois este carro começou a apresentar uma série de graves problemas, inclusive com a fundição do motor. Procurada, a concessionária resolveu em parte os problemas, mas alegou que o faria por causa da fidelidade que sempre mantive com a marca e a própria concessionária.
Agora o mesmo carro permanece apresentando outros pequenos problemas que estão correlacionados ao primeiro quando ainda estava agraciado pela garantia, mas nem a Nissan, muito menos a Misaki (concessionária), assume a responsabilidade. A alegação é que o carro já não está mais protegido pela garantia e que tais problemas são naturais de um veículo com este período de uso e quilometragem. É tão equivocada a postura de ambas que eles não emitem uma nota com tais afirmações. Notificadas acerca dos problemas e exigindo-se apenas a reparação do dano material, se acredita que eles estejam ganhando tempo ou para o consumidor esquecer o problema, ou para pagarem em juízo e não mais fazê-lo. Este tipo de idéia é absurda e completamente antagônico do que se busca neste tipo de empresa; fidelidade e confiança!
O grande e mais agravante problema não é a presunção da perda do valor empregado num bem ou serviço por parte do consumidor. Se o consumidor tiver certeza de que a empresa suporta uma ação de ressarcimento de dano, moral e/ou material, já é um indício de que no mínimo ele perderá tempo. O mais agravante é a frustração de quem defende adquirir algo material e que se vê diante de um jogo sujo de empurra. Alguns são sagazes e inteligentes ao ponto de buscarem seus direitos, mas como é sabido; a maioria absoluta acredita que o litígio é perda de tempo e prefere a perda a encará-los na justiça.
Todo consumidor deveria ter por padrão (e isso serve também para as empresas) uma espécie de formulário de ocorrência. Neste formulário precisa constar o nome da empresa, a data que entrou em contato, o nome do atendente, o horário que iniciou e terminou o atendimento e o diálogo sustentado pelas partes. Este tipo de informação pode e deve reiterar qualquer tipo de alegação, sobretudo se for judicial. Muna-se de todo tipo de prova e se tiver que haver qualquer inverdade, que não seja sua esta prática. Mesmo que haja possibilidade de não sagrar-se vencedora numa disputa, seja ela qual for, acredite que a verdade é a instituição que deve prevalecer.
Observe melhor quando o tema for “serviço” e satisfaça-se do máximo de informações que consta num contrato. Exija o contrato de prestação de serviço e se puder, e deve; leia atentamente as regras da política comercial que consta em todo site destas empresas. Se a empresa não possui advertências claras e embasadas, faça um ou dois contatos no máximo; depois busque seus direitos e jamais desista deles.
Quem compra e gosta do que recebeu; inclusive do tratamento que chamamos pós-venda, com quase certeza que volta a comprar; é isso que impulsiona as empresas a crescerem e prosperarem.
Se nossa legislação fosse executada como se lê e se espera entendimento, sem as tantas intervenções praticadas para encobrir a verdade; já teríamos assinalado um caminho mais justo e de maior confiança entre o consumidor e empresas, sejam elas constituídas ou formuladas como prestadores de serviços.
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é autor do Blog www.irregular.com.br