Excludentes de ilicitude. 'O caso dos exploradores de caverna' (LÉON L. FULLER)
ARGUMENTOS DE ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS
Sob aspectos da legislação brasileira
Calha ressaltar, inicialmente que, o Código Penal Brasileiro é claro ao relatar a respeito das causas possíveis de aplicação das normas penais brasileiras.
“Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.”
Em não se constatando qualquer dos fatores de exceção, admitindo-a, porém, irar-se-á analisar os possíveis argumentos para o caso de o possível fato criminoso ter como local de ocorrência o território brasileiro – compreendido sob todos os aspectos.
O art. 121 do Código Penal Brasileiro nos fala que, comete homicídio quem: “Matar alguém”, e que, para tal ação a pena corresponde à reclusão de 6 a 20 anos, possível de diminuição ou aumento desta, dependendo das circunstâncias denotadas a partir do fato criminoso.
Com base no fato descrito no livro ‘O caso dos exploradores de caverna’ foi-se possível optar pelos seguintes argumentos:
ARGUMENTO 1.
Sujeito ativo do crime de homicício: pessoa física
Os exploradores estavam representando a entidade - pessoa jurídica - Sociedade Austríaca Espeleológica, quando na exploração da caverna de rocha calcária cuja foi objeto do infortúnio de desabamento.
Pelas circunstâncias, foram indagadas à Sociedade Espeleológica e demais autoridades se, caso houvesse ingestão de carne humana haveria chances de sobrevivência. A Sociedade Espeleológica respondeu positivamente, que as chances de sobrevivência eram grandes. De modo que, os sobreviventes decidiram realizar - de forma honesta e, quem sabe-se lá, se por coação - sorteio do nome da pessoa que deveria ser sacrificada em razão dos demais, atendendo à indicação da entidade a qual representavam.
A respeito indica-nos o art. 22 do C.P:
Coação irresistível e obediência hierárquica
Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
Vale ressaltar que, quanto menos pessoas morressem, menor o valor subtraído pela empresa a fim de indenizar a família das vítimas.
Representando portanto, a vontade da Sociedade Espeleológica, ou seja, de uma pessoa jurídica, não podem os sobreviventes serem considerados culpado, posto que, pessoa Jurídica não pode ser sujeito de crime de homicídio, pois, o pólo passivo (elemento de tipo de fato criminoso, segundo doutrinadores) deve ser representado - obrigatoriamente - por pessoa física.
ARGUMENTO 2.
Objeto jurídico do crime de homicício: vida humana
O objeto jurídico protegido a partir da leitura do dispositivo 121 do C.P.B é a vida humana. Assim, deve ser - imprescindivelmente - levado em consideração - para fins de resolução do mérito da causa - a existência do animus dolandi para com o de cujus.
Relata-se que houve sacrifício de um dos cinco sobreviventes, todavia, apenas lascas de carne humana foram subtraídas. Ou seja, não houve intenção de matar, apenas a necessidade de subsistência. Infelizmente, a partir de tal atitude, ocorreu perca de sangue - embora, inutilmente, os colegas de Whetmore tenham se valido de rasgos de roupas para inibí-la, além, a perícia médica pode comprovar ainda a respeito da infecção decorrente da subtração, por uso de material inadequado para a subtração de lascas de carne, o que levou Whetmore ao falecimento.
De modo que, dolus non praesumitur nisi pro bet (não se admite o dolo sem prova) e, pela compreensão óbvia do texto do artigo 1.º do Código Penal Brasileiro que reza: "Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal", infere-se ser lógica a absolvição dos - ora - reús.
ARGUMENTO 3.
Estado de necessidade
O estado de necessidade se caracteriza pela ocorrência de situação perigosa a alguém, podendo ser invocada como excludente de ilicitude se, a situação não foi provocada pelo próprio indivíduo ou se por ele não poderia ser-lhe prevista.
Compara-se com o aborto necessário que tem como finalidade dar condições de sobrevivência à gestante que venha a ter sua vida ameaçada por ocasião de anormalidade das condições do feto.
Tendo como foco o fato em tela no livro 'O caso dos exploradores de caverna'podemos observar de forma patente que o mesmo se caracteriza como estado de necessidade, posto que, o fato de os sobreviventes estarem em estado de perigo - tendo suas vidas ameaçadas pela falta de mantimentos capazes de procrastinarem a subsistência de suas vidas - e, sendo esta circunstância alheia à vontade de todos e não provocada por eles.
O fundamento encontra-se insculpido no art. 23, do C.P., cujo reza: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade.
ARGUMENTO 4.
Em favor da subsistência da sociedade
Um indivíduo não constitui sociedade, mas, dois constituem.
Se não houvesse ocorrido a morte de um indivíduo, não haveria subsistência dos demais.
Observando-se pelo ponto de vista econômico e social, temos que, em virtude da subsistência dos sobreviventes do fatídico infortúnio do desabamento, a Áustria passou a contar com mais mão-de-obra, com mais contribuições – seja ela de quais espécies fosse, resultado que diminuiria com uma subtração de quatro elementos humanos – por exemplo.
O ser humano é parte observadora da cadeia alimentar sob o ponto de vista biológico, todavia, se não há possibilidades de aquele continuar em sua posição observadora e, tomando como referência uma situação na qual apenas os sobreviventes do desabamento de terra na caverna de rocha calcária representassem a espécie humana, para que a determinação divina (perpetuação da espécie humana) se cumprisse, o sacrifício de um indivíduo seria imprescindível.
De tal exposição, com a devida vênia, com a base – principalmente - no Princípio da Humanidade – norteador da aplicabilidade das normas penais brasileiras e, hodiernamente, internacionais – temos que, o juízo de condenação atribuído aos sobreviventes do infortúnio – concausa da morte de Whetmore – seria arbitrário aos preceitos lógicos sociais, econômicos, psíquicos dos indivíduos, tendo em vista que, a morte de um decorreu de forma planejada e assentida por todos os participantes.
ARGUMENTO 5.
Ausência do dolo ou de culpa. Assentimento de risco de vida.
A leitura do texto do livro é clara ao demonstrar-nos que, houve consentimento de todos os sobreviventes em favor da realização do sorteio – forma democrática encontrada pelo sobreviventes de conhecer quem sacrificaria-se em favor da subsistência dos demais.
Ora, a ideia do sorteio foi exposta por Whetmore! O óbvio destaca-nos a conclusão de que, o mesmo estaria concordando com o juízo que considerasse os sobreviventes absolvidos, inocentes, pois, eles, tão somente cumpriram com as suas palavras.
Dessa forma, diante do assentimento de exposição de sua vida à morte, o que se observa, na verdade, é a prática de suicídio e não de homicídio.
A respeito, fala-nos o Aurélio de Buarque Holanda que, suicídio é a prática de desgraça ou ruína própria procurada de livre vontade ou por falta de discernimento do indivíduo.
Neste caso, cabe a verdade do art. 1.º do C.P: Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.