JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA
1. JURISDIÇÃO
Introdução
O homem moderno, nas suas relações em sociedade, está sujeito a diversas situações capazes de desencadear conflitos de interesses; conflitos que, em alguns casos, poderão ser resolvidos entre as próprias partes – quando ambos os envolvidos fazem concessões, flexibilizando o diálogo e possibilitando um acordo, não havendo, portanto, a necessidade de intervenção estatal; e, em outros, devido à resistência de uma parte à pretensão de outra, surge a necessidade de que o Estado, por meio do processo, resolva esses conflitos de interesse entre os envolvidos, já que é vedada a autotutela.
É nisso que consiste a jurisdição que, basicamente, é o poder que o Estado possui de aplicar o Direito objetivo, a fim de resolver conflitos de interesse em sociedade.
O eminente professor Mirabete elucida que: “jurisdição é, pois, a faculdade que tem o poder judiciário de pronunciar concretamente a aplicação do direito objetivo”.
Seguindo o mesmo entendimento, Tourinho Filho explana: “é aquela função do Estado consistente em fazer atuar, pelos órgãos jurisdicionais, que são os Juízes e Tribunais, o direito objetivo a um caso concreto, obtendo-se a justa composição da lide”.
1.2 Características da jurisdição
Para que a jurisdição realize plenamente a aplicação do direito positivo aos casos concretos, ela deverá estar revestida de características formais invariáveis, quais sejam: um órgão apropriado (juiz) - distinto dos órgãos que exerçam as funções de legislar e administrar; um contraditório regular - que permita que as partes litiguem em pé de igualdade e, finalmente, um procedimento pré-estabelecido – que garanta a justa solução da lide.
Desse modo, são características da jurisdição:
a) Unidade
A jurisdição é indivisível – uma, visto que é atributo da soberania estatal, distinguindo-se apenas no julgar causas civis e penais.
b) Substitutividade
A atividade do juiz substitui a atuação particular dos litigantes.
c) Definitividade
Característica que difere a atividade administrativa da jurisdicional. Enquanto a decisão administrativa irrecorrível é passível de anulação pelo Poder judiciário, as decisões judiciais de mérito, não mais passíveis de recursos, tornam-se definitivas (imutáveis).
1.3 Elementos
Sobre esse tópico, brilhante é alusão de Júlio Fabbrini Mirabete aos ensinamentos de Paulo Lúcio Nogueira: A jurisdição é composta de certos elementos, atos processuais que devem ser praticados para que se chegue a uma decisão. São eles: notio, vocatio, coertio, judicium, executium.
A notio (conhecimento) compreende o poder atribuído aos Órgãos Jurisdicionais de conhecer dos litígios, de prover à regularidade do processo, de investigar a presença dos pressupostos de existência e de validade da relação processual, das condições de procedibilidade, das condições da ação e de recolher o material probatório.
A vocatio (chamamento) é a faculdade de fazer comparecer em juízo todo aquele cuja presença é necessária ao regular desenvolvimento do processo.
A coertio ou coercitio abrange todas as medidas coercitivas (...). Aliás, de nada valeira a função jurisdicional se o Estado não armasse o braço do juiz do poder de coação, indispensável para tornar efetivos seus pronunciamentos: jurisdictio sine coercitione nulla est.
O juditium (julgamento) é a conclusão da prestação jurisdicional. Consiste na aplicação do Direito a uma pretensão.
E, finalmente, a executio (execução) resume-se no cumprimento da sentença, tornando-a obrigatória.
1.4 Princípios
Dos princípios que gerem a jurisdição destacam-se:
a) Ne procedat judex ex officio.
Também conhecido como Princípio da Inércia ou da Iniciativa das partes – determina que não poderá haver jurisdição sem provocação pela parte interessada.
b) Investidura.
Para que alguém possa exercer função jurisdicional é necessário ser investido para tal cargo, de acordo com a legislação, sob pena de nulidade do processo e da sentença e sujeição às sanções do art. 328 do CP.
c) Devido processo legal.
Ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5.º, LIV, CF). Pelo princípio do devido processo legal, qualquer imposição que atinja a liberdade ou os bens de uma pessoa, deve estar sujeita à apreciação do Poder Judiciário, que operará mediante juiz natural, em processo contraditório que assegure às partes ampla defesa.
d) Juiz natural.
Não haverá juízo ou tribunal de exceção (art. 5.º, XXXVII, da CF).
Corolário do princípio do devido processo legal, o princípio do juiz natural assegura que todos têm o direito, garantido pela Constituição, a um julgamento imparcial, realizado por órgão jurisdicional, que seja constituído antes da ocorrência do fato, conduzido por um magistrado não suspeito e investido na função jurisdicional.
e) Indeclinabilidade da jurisdição.
Advém do art. 5. º, XXXV, da Constituição Federal – que determina que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Sendo assim, nenhum juiz poderá esquivar-se do exercício da função jurisdicional.
f) Indelegabilidade da jurisdição.
A jurisdição é indelegável, o juiz não poderá delegá-la a outro órgão, exceto nos casos permitidos por lei.
g) Improrrogabilidade da jurisdição.
A causa não poderá ser submetida à autoridade que não tenha jurisdição e competência para essa função. Isto é, os casos de competência de um juízo não poderão ser julgados por outro.
h) Inevitabilidade ou irrecusabilidade da jurisdição.
As partes estão submetidas e não poderão recusar o juiz escolhido pelo Estado para determinada causa. Excepcionalmente, nos casos de suspeição, impedimento ou incompetência é possível, porém, afastá-lo.
i) Correlação ou relatividade.
Esse princípio é que garante a harmonia entre a sentença e o pedido. A acusação é que determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional (...). Os fatos descritos na denúncia ou queixa delimitam o campo de atuação do poder judiciário.
1.5 Espécies
A jurisdição é una, indivisível; todavia, didaticamente, os órgãos que a exercem podem ser classificados sob vários aspectos:
a) Quanto à graduação.
Poderá ser inferior, quando corresponder à primeira instância - primeiro grau de jurisdição. Composta por juízes estaduais, federais, do trabalho etc. Ou superior - exercida pelos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, STM) e Tribunais de Apelação (TJ, TRF, TER, TRT).
b) Quanto à matéria.
Relaciona-se com a matéria sobre o qual versa o litígio, podendo ser classificada em jurisdição civil, penal, eleitoral e militar.
c) Quanto ao organismo jurisdicional.
A jurisdição poderá ser estadual – exercida pelos juízes estaduais (Justiça Comum); ou federal – que julga as causas de interesse da União (Justiça Federal).
d) Quanto ao objeto.
Contenciosa – quando existe litígio; ou voluntária – quando é apenas homologatória da vontade das partes.
e) Quanto à função.
Jurisdição ordinária – formada pelos órgãos da Justiça comum; e jurisdição especial – quando é investido, excepcionalmente, do poder de julgar outro órgão (como nos crimes de responsabilidade do Presidente e Vice-Presidente da República, que são julgados pelo Senado)
f) Quanto à competência
A jurisdição é determinada pelas leis de organização judiciária, que disciplinam os órgãos julgadores, podendo ser:
Plena – quando o magistrado tem competência para julgar todos os casos; e limitada – quanto à competência é restrita a certos casos.
2. DA COMPETÊNCIA
2.1 Noções introdutórias
A competência é a medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional.
Sendo assim, torna-se evidente que um juiz não poderá julgar todas as causas e nem a jurisdição poderá ser exercida ilimitadamente por qualquer magistrado; sendo, portanto, o poder de aplicação do Direito a casos concretos, ou jurisdição, distribuído pela Constituição Federal e por Lei entre os diversos órgãos do judiciário, por meio da competência.
Consoante Júlio Fabbrini Mirabete, essa distribuição baseia-se em dois elementos, a saber:
a causa criminal – em que a competência é delimitada tendo em vista a natureza do litígio, é determinada conforme a causa a ser julgada (competência material). O segundo é o referente aos atos processuais, em que o poder de julgar é distribuído de acordo com as fases do processo, ou o objeto do juízo, ou o grau de jurisdição (competência funcional). (MIRABETE, 2008, p. 156)
2.2 Competência material
O poder jurisdicional no setor da competência material é delimitado da seguinte forma: em razão da natureza da relação de direito; em razão da qualidade da pessoa do réu; e em razão do território.
No que tange à natureza da relação de direito (ratione materiae), o juiz somente poderá apreciar determinadas causas. Essa competência é delimitada pelas leis, exceto quando esta for fixada por preceito constitucional (como nos casos dos crimes dolosos contra a vida – que são atribuídos ao Júri Popular – art. 5. º XXXVIII, da CF). O Código de Processo Penal fixa a competência pela “natureza da infração” (art. 69, III).
Quanto à pessoa do réu, de acordo com o art. 69, VII, do CPP, a competência é fixada de acordo com a função exercida pelo autor da infração (ratione personae).
Agora, quanto ao território sobre o qual é exercida a autoridade do magistrado, a competência é também determinada pelas leis de organização judiciária em razão do lugar da infração ou da residência ou domicílio do réu (ratione loci), como no artigo 69, I e II.
2.3 Competência funcional
Na competência funcional, referente aos atos processuais, conforme dito anteriormente, o poder de julgar é distribuído de acordo com as fases do processo, ou o objeto do juízo, ou o grau de jurisdição.
A priori, o juiz é competente para todos os atos do processo. Todavia, essa competência poderá ser limitada e redistribuída entre dois ou mais juízes, de acordo com a fase do processo. A título de exemplo, no processo relativo aos crimes contra a vida existe o juiz que é competente para a instrução e o juiz competente para o julgamento (júri).
A competência também poderá estar relacionada com as diversas questões apresentadas para conhecimento e decisão do processo (objeto do juízo). Um exemplo clássico dessa espécie de competência é o Tribunal do júri – no qual há juízes profissionais – incumbidos de resolver as questões de direito (art. 497, CPP), lavrar a sentença (art. 492, CPP), fixar a pena, quando aplicável (art. 59, CP); e juízes populares – que a eles compete responder aos quesitos onde lhes são formuladas as questões em que o julgamento se fundará (art. 481, CPP).
Por fim, a competência é fixada segundo os graus de jurisdição – que podem ser de primeira e de segunda instância. Nessa hipótese, a competência pode ser originária (como no foro por prerrogativa de função) ou em razão de recurso (pelo princípio de duplo grau de jurisdição).
Em todas as suposições, a competência funcional presume a existência da atribuição jurisdicional segundo a competência ratione loci e ratione materiae.
2.4 Prorrogação da competência
Entende-se como prorrogação de competência, a possibilidade de substituição de um juízo por outro; submetendo as partes a um juiz que, originariamente, não seria competente. Ocorre, portanto, a modificação de competência na esfera de um órgão - podendo ser em virtude de disposição legal (necessária); ou em consequência da manifestação de vontade expressa ou tácita das partes (voluntária).
2.5 Delegação de competência
A delegação é a transferência da atribuição jurisdicional de um juízo para o outro. Poderá ser externa – se essa transferência ocorre em juízos diferentes (Ex: cartas precatórias citatórias – art. 353, CPP e instrutórias, para interrogatório de testemunhas (arts. 222 e 224, CPP); ou interna – na qual não há alteração de juízo, ocorrendo, consequentemente, dentro do mesmo juízo (Ex: juízes auxiliares e substitutos do juiz titular).
2.6 Competência na Constituição Federal
A competência na matéria penal é regulamentada pela Constituição Federal, Constituições Estaduais, pelas Leis Complementares, Leis Ordinárias Federais (temos como exemplo o Código de Processo Penal) e Leis Ordinárias estaduais.
A Constituição distribuiu o poder de julgar entre os diversos órgãos jurisdicionais levando-se em conta a natureza da lide; estabelecendo, expressamente, de um lado, as justiças especiais, quais sejam: Justiça do Trabalho (sem competência para a matéria penal), a Justiça Eleitoral (competente para o julgamento de crimes eleitorais e conexos, assim como os remédios constitucionais referentes a tais crimes) e a Justiça Militar (competente para o julgamento dos crimes definidos pelo Código Penal Militar); de outro, a justiça comum: Tribunais e Juízes dos Estados, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; e os juizados especiais ou de pequenas causas federais e estaduais.
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 109, fixou competência à Justiça Federal para processar e julgar determinadas matérias, sendo a competência da Justiça Comum estadual, em regra, fixada por exclusão; isto é, o que não for de competência das justiças especiais e da Justiça Federal será de competência da Justiça Comum estadual.
O Código de Processo Penal, por sua vez, no campo infraconstitucional, elenca, em seu artigo 69, os parâmetros de fixação de competência:
Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I - o lugar da infração;
II - o domicílio ou residência do réu;
III - a natureza da infração;
IV - a distribuição;
V - a conexão ou continência;
VI - a prevenção;
VII - a prerrogativa de função.
2.7 A Competência pelo lugar da infração (competência ratione loci)
A competência pelo lugar da infração está prevista no artigo 69, I do Código de Processo Penal – que adotou a teoria do resultado, ou seja, determina-se a competência pelo lugar onde se consumou o delito, ao contrário da teoria da ubiquidade - art. 6.º do CP – eleita pelo Código Penal: “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.
Em sua obra, Processo Penal, Fernando da Costa Tourinho Filho tece alguns comentários sobre a Teoria do resultado:
Entendeu o legislador que o juiz competente para processar e julgar uma causa criminal é o do lugar onde a infração se consumou (locus delicti comissi). Este é o foro comum, para as infrações penais em geral. É a regra em matéria de competência penal. É o lugar onde se consumou a infração que firma a competência para o processo e julgamento da causa. (TOURINHO FILHO, 2008, p. 92).
Como em toda regra há exceções, nos Juizados Especiais Criminais, a competência ratione loci, consoante o artigo 63 da Lei n.º 9.099, é determinada pelo “lugar em que foi praticada a infração penal”.
2.8 A Competência pelo domicílio ou residência do réu
O inciso II, do artigo 69 apregoa que a competência poderá ser determinada pelo “domicílio ou residência do réu”. Caso não ocorra outra hipótese de fixação da competência, duas são as circunstâncias em que esta se determinará pelo fórum domicilii. A primeira situação está prevista pelo artigo 72, caput: “Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu”.
A segunda está prevista pelo artigo 73, caput: “Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração”.
2.9 Competência pela natureza da infração
Após atribuir competência pelo lugar da infração ou, casualmente, pelo domicílio ou residência do réu, é necessário fixá-la em razão da matéria - se é da Justiça Especial ou da Justiça comum. Resolvida essa questão, referente à competência do juízo, deve-se buscar, no caso de haver vários juízes e, não tendo todos a competência plena (para todas as infrações), aquele que seja competente em razão da natureza da infração. A competência em razão da natureza da infração não constitui, portanto, critério de fixação do Juízo, mas de fixação do Juiz.
2.10 Competência por distribuição
“A precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente”. (Art. 75, CPP).
O supramencionado artigo determina que quando houver vários juízes no foro competente para o processo e julgamento do delito, a competência será resolvida pela distribuição. Trata-se, portanto, de mais um caso de determinação da competência do juiz e não parâmetro para fixação do Juízo.
2.11 Competência por conexão ou continência
Prevista nos artigos 76 a 82 do CPP, a competência por conexão ou continência, não é causa de fixação de competência, como o são o domicílio do réu, o lugar do crime etc., mas motivo determinante de alteração de competência, atraindo, portanto, para um juiz ou juízo o crime que seria de atribuição de outro.
O Código de Processo Penal, em seu artigo 76, determina a reunião dos crimes conexos (relacionados, vinculados) em um único processo, ante a existência desse vínculo.
Doutrinariamente, a conexão é diferenciada em material (ou substantiva) - em que várias infrações estão ligadas por laços circunstanciais, havendo conexão entre os próprios delitos (prevista no artigo 76, I e II) e conexão processual (ou instrumental) - em que não há nexo entre as infrações, mas a prova de uma infração ou de qualquer circunstância elementar influi da de outra.
A conexão material ou substantiva poderá ser puramente subjetiva - como nas infrações praticadas por várias pessoas em concurso; puramente objetiva - quando um delito é praticado para ocultar outro; ou subjetiva-objetiva - quando a infração for praticada por várias pessoas em concurso.
O artigo 76, III, trata da conexão processual ou instrumental - em que a competência é de um juiz apenas “quando a prova de um crime ou de qualquer de sua circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”.
O comentário de Tourinho filho, citado pelo professor Mirabete, em sua obra Processo Penal, é esclarecedor: “se a prova de uma infração influir na prova de outra, é evidente que deve haver unidade de processo e julgamento, pois, do contrário teria o juiz que suspender o julgamento de uma aguardando a decisão de outra”.
O artigo 77 do CPP determina os casos em que a competência será determinada pela continência (quando uma coisa está contida em outra e não for possível separá-las): “(...) quando duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração” (art. 77, I); ou, “no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1.º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal” (art. 77, II).
2.12 Competência por prevenção
A competência pela prevenção (art. 69, VI), relaciona-se com o que, em direito, expressa o conhecimento anterior. Prescreve o artigo 83 do CPP:
Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3.º, 71, 72, § 2.º, e 78, II, c).
Diz-se por prevenção, “a competência de um juiz quando ele se antecipa a outro, também competente, por haver praticado algum ato ou ordenado alguma medida do processo, mesmo antes do oferecimento da denúncia ou da queixa”.
Segundo a Súmula 706, do Supremo Tribunal Federal, “é relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”. Considerando-se, a nulidade relativa, sanada se não alegada oportunamente.
2.13 Competência pela prerrogativa de função
Considerando a dignidade do cargo exercido pela pessoa, já que existem funções de suma importância para o Estado, a competência poderá ser determinada pela prerrogativa de função (art. 69, VII).
Habitualmente, usa-se a expressão foro privilegiado; expressão que não indica privilégio às pessoas - pois a legislação não admite “preferências”. Todavia, devido à relevância, para o Estado, do cargo exercido por alguns, torna-se necessário que estes sejam processados por órgãos superiores.
A Constituição Federal destaca as hipóteses de competência por prerrogativa de função referentes ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. O Supremo Tribunal Federal, cuja função principal é a “guarda da Constituição”, na área penal tem competência para processar e julgar:
(...) nas infrações penais comuns o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus Ministros e o Procurador-geral da República; nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvada a hipótese dos crimes de responsabilidades conexos com os do Presidente e Vice-Presidente, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, I, “b” e “c”). (MIRABETE, 2008, págs. 176, 177)
Já ao Superior Tribunal de Justiça compete processar e julgar:
(...) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante os tribunais (art. 105, I, “a”). (MIRABETE, 2008, p.177)
A competência por prerrogativa de função abarca também as pessoas que não possuem foro especial, toda vez que houver concurso de pessoas (arts. 77, I e 78, III). De acordo com a Súmula 704 do STF, “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”. “Entretanto, rejeitada a denúncia contra a pessoa que goza de foro privilegiado, a competência para o julgamento dos demais retorna para o 1º grau de jurisdição”.
A competência fixada pelo foro por prerrogativa de função afasta a regra do foro pelo lugar da infração. Estende-se, a qualquer região do território nacional, ainda que a infração tenha sido praticada em outro Estado, a competência do Tribunal de Justiça do Estado sobre o seu jurisdicionado.
Importantíssimo trazermos à baila os casos de crimes dolosos contra a vida, que sejam praticados por quem goze de foro por prerrogativa de função estabelecido pela Constituição Federal. Nesse caso, a competência para processá-lo e julgá-lo será do foro especial, já que a própria Constituição estabelece exceção à regra do Tribunal do Júri. Contudo, se o foro especial for estabelecido pela Constituição estadual, por lei processual ou de organização judiciária, o autor do crime doloso contra a vida será submetido ao Tribunal do Júri, já que tais regras não poderão sobrepujar a competência do juízo estabelecido pela Carta Magna. Nesses termos é a Súmula 721 do STF: “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual”.
Conclusão
O objetivo desse estudo foi o de trazer esclarecimentos, de forma clara e objetiva, sobre as matérias abordadas.
Com base na leitura proposta e, considerando tudo o que por ela fora abordado, fica de fácil percepção as diferenças entre esses dois institutos (jurisdição e competência). Institutos que, apesar de distintos, equivocadamente, ainda são tratados como sinônimos.
Referências
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Teoria geral do processo: Civil, Penal e Trabalhista. 2. ed. São Paulo: Método 2010.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2008.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2008.