MISHNA. - O Direito transcendente
“HOMINOES HOMINUM CAUSA ESSE GENERATOS UT IPSI INTER SE ALIIS ALII PODESSE POSSINT” (loc. Lat.) Os homens são gerados por causa dos homens, para que, entre si, possam ser úteis uns aos outros 18
A palavra Mishná significa literalmente “repetição” e também “estudo”, “ensinamento”, já que o ensino fazia-se oralmente na dialética pela verdade numa interposição de paradigmas com base apenas na repetição. Dá-se este nome à compilação da doutrina tradicional judaica pós-bíblica, em especial à sua parte jurídico-religiosa.
O vocábulo Mishná que indica lei oral se opõe a lei escrita. O Talmude cobre uma ampla variedade de assuntos, seguindo, no entanto, um plano coerente e muito bem estruturado: a Mishná, pilar central da Lei Oral, comparada a Guemará, é concisa e objetiva.
Compõe-se de uma série de declarações, organizadas por assuntos e tópicos, que ensinam as leis, a tradição e a história judaica.
Apesar de seu conteúdo se originar do Monte Sinai, algumas de suas declarações são atribuídas ao mestre ou à escola de pensamento que as elucidou e difundiu. Os sábios talmúdicos foram mais do que a simples “cadeia de transmissão”. Pois está escrito que cada um deles tinha atingido tão elevado nível espiritual que conseguia até mesmo ressuscitar os mortos.
Esses mestres da Tora personificavam a Vontade de Deus e, assim sendo, cada aspecto de sua conduta e cada uma de suas palavras foi marcado por absoluta precisão e orientação Divina.
É a Mishná que provê a Guemará de sua base organizacional e factual. Cada uma das leis talmúdicas precisa ter uma fonte e esta é encontrada na Mishná. A Guemará pode dissecar e divagar sobre os ditames da Mishná, estabelecer conexões entre seus diferentes assuntos e esclarecer aparentes contradições, mas não pode abertamente discordar da mesma. A Mishná surge como o árbitro final em qualquer litígio talmúdico.
Há outras coletâneas de diretrizes e ensinamentos, que são parte integrante da Torá Oral: Sifra e Sifri, Tosefta e Bareitot, além dos Midrashim, que também foram preservados por escrito, muitos dos quais dentro da própria Guemará. No entanto, a Mishná tem precedência sobre os demais ensinamentos da Torá Oral.
Sempre que houver uma aparente contradição entre um ditado da Mishná e qualquer outro ensinamento da Lei Oral, caberá à Guemará buscar a verdade na qual se fundamenta o tema, com base na própria Mishná.
A formação do código que hoje conhecemos por Mishná teve lugar exclusivamente na Palestina . Sua estrutura método-dialética é ainda observada em filosofia não religiosa mas que seguem seus princípios exegéticos.
Em um paradoxo jurídico ao princípio mishnáico, em versão filosófica de corrente alemã, séculos mais tarde ; ensina Jürgen Habermas o paradigma jurídico no campo das ciências sociais e para o Direito:
As ordens jurídicas concretas representam não só distintas variantes da realização dos mesmos direitos e princípios; nela se refletem também paradigmas jurídicos distintos. Entendendo as idéias típicas e exemplares de uma comunidade jurídica acerca da questão de como se pode realizar o sistema dos direitos e princípios do Estado de Direito no contexto efetivamente percebido da sociedade em cada caso.
Um paradigma jurídico explica, com ajuda de um modelo de sociedade contemporânea, de que modo devem entender-se e “manejar-se” os princípios do Estado de Direito e dos direitos fundamentais, para que possam cumprir no contexto dado as funções que normativamente lhes atribui.
Um ‘Modelo social do Direito “ representa algo assim como a teoria implícita que da sociedade tem o sistema jurídico, quer dizer, a imagem que este se faz do seu ambiente social.
O paradigma jurídico indica então como no marco de tal modelo podem entender-se e realizarem-se os direitos fundamentais e os princípios do Estado de Direito.
Consequentemente em construção dialética , Karl-Otto Apel, face ao questionamento histórico de um conceito cientificamente reduzido de racionalidade metódica, infere que parecemos estar próximos de colocar em questão o paradigma do método cientifico em geral, e de, em vez dele, ter em vista – como caminho determinativo para uma transformação da filosofia – uma forma fenomenológica de pensamento, que se aproveita das discrepâncias entre o conceito moderno de método e de experiência pré-científica de vida (Leben) e de mundo (Welt) (ou seja, a experiência que ainda não chega a ser metódico-abstrativa).
Ao lado da fenomenologia do “mundo da vida” (Lebenswelt), que tem como ponto de partida a fase tardia, pode-se contar, sobretudo com a “fenomenologia hermenêutica”: ela tem em Heidegger seu ponto de partida e veio a ser desenvolvida por H.-G. Gadamer, sob o título característico de Verdade e Método (Wahrheit und Methode, 1960), como contraponto à filosofia orientada metodologicamente.
Tal característica metodológica serve de comparação ao que é observado no princípio judaico da exegese dos textos mishnáicos, de seu reflexo na estrutura social e na concepção de idéias novas que mantém a integridade de verdade e orientação, essa alegoria de dialética fenomenológica torna em H.G. Gadamer e em Heidegger, uma filosofia já nascida que traz em sua estrutura algo não religioso porém de aspecto transcendente-fenomenológico.