Considerações didáticas sobre a súmula vinculante
A súmula vinculante é uma espécie de ponte de ligação entre decisões (especialmente de controle de constitucionalidade ou interpretativas) proferidas numa dimensão concreta e uma decisão (simulada) proferida com caráter (abstrato).
A essência desse instituto que foi criado pela EC 45/2004 e regulamentada pela Lei 11.417/2006, está representada como uma maneira de transposição do concreto para o abstrato-geral.
Observem que os detalhes dos casos concretos, em suas peculiaridades e interesses, apreciados pelas decisões anteriores, serão descartados para fins de criação de um enunciado que seja suficientemente abstrato para efeito erga omnes.
Por abstratividade se compreende como a eliminação dos fatores concretos que caracterizavam as decisões anteriores que serviram de base para deflagrar (justificar) a formulação da súmula vinculante.
Assim, quando o STF por reiteradas decisões concretas (como por exemplo, em RE) houver reconhecido a inconstitucionalidade de norma, essas decisões justificarão a edição de uma súmula de caráter abstrato (não vinculado aos casos concretos, como as decisões anteriores), geral, vinculante e de aplicação futura (e não imediata, como eram as decisões cooncretas que permitiram a deflagração do processo de formação de súmula vinculante).
Opera-se portanto, a ponte entre o controle difuso-concreto e o controle abstrato-concentrado.
Lembremos que a súmula vinculante 2, o STF utilizou-se de decisões proferidas em sede de ações diretas de inconstitucionalidade para redigir o referido verbete sumular.
O mesmo ocorreu da Súmula vinculante 13, considerando-se que havia uma decisão anterior em sede de controle abstrato-concentrado de constitucionalidade.
A pretensão do STF foi ampliar ainda mais os efeitos de súmula vinculante daquelas decisões do controle abstrato. É que todas as decisões no caso da súmula vinculante no. 2 haviam sido adotadas em ações diretas de inconstitucionalidade que impugnavam leis estaduais.
Embora fossem leis estaduais semelhantes, que regulamentavam o bingo, as decisões em sede de controle abstrato-concentrado produziam efeito vinculante em relação ao respectivo Estado onde a lei foi produzida e para qual fora impugnada.
Isso, inclusive, estava a explicar a existência de mais de uma ação direta de inconstitucionalidade versando o mesmo tema. Essa situação diferenciada fazia com que as decisões do STF, rigorosamente não alcançando todos os estados da Federação, e para cada estado-membro que dispusesse, em lei, sobre a exploração de bingos, seria necessária uma específica ação direta de inconstitucionalidade.
Com o enunciado de súmula vinculante tem aplicação em todo território nacional, a partir do momento em que a essência daquelas decisões fosse transportada para um enunciado destes, elas passariam a vincular todos os estados-membros, independente de a respectiva lei estadual ter sido objeto de uma específica ação direta de inconstitucionalidade no STF.
A utilização da súmula vinculante, a partir de decisões em ações diretas de inconstitucionalidade, ou de ação declaratória de constitucionalidade, portanto, significa cois diversa daquela outra súmula vinculante que parece ter sido o objeto central da Lei 11.414/2006 e que advém de decisões em ações ou recursos concretos.
Observem que no caso do controle abstrato-concentrado, os efeitos das decisões já são erga omnes, e vinculante, mas pela natureza da lei ser estadual, este efeitos estão circunscritos, territorialmente tratando, ao respectivo Estado que teve sua lei impugnada e analisada no STF.
O que o STF faz, ao utilizar-se da súmula vinculante nestes casos, é emprestar efeito transcendente à sua decisão em ação direta de inconstitucionalidade que impugna lei estadual.
Não é conceder efeito vinculante a um conjunto de decisões que não possuem ( como é o caso das decisões em controle concreto).
Em verdade, o STF está ampliando o efeito vinculante de decisões já anteriormente vinculantes.
Questiona-se se a súmula vinculante não teria sido criada exclusivamente para o controle difuso-concreto. A resposta é negativa, basta proferir leitura atenta da própria fonte constitucional.
No art. 103-A da CF não impõe leitura restritiva. Portanto, uma vez atendidos os pressupostos está aberta ao STF a possibilidade de editar súmula vinculante, inclusive nos casos de decisões proferidas em controle abstrato-concentrado.
Ademais a aplicação da súmula atende também aos postulados de racionalidade e segurança do sistema jurídico. Esse novo uso da súmula, será mais raro que o uso da súmula para a concessão de efeito vinculante a certas decisões concretas, que será certamente, o uso corrente do instituto.
A súmula pode versar sobre interpretação e eficácia de norma determinada consoante conforme consta no primeiro parágrafo do art. 103-A da CF, o maior campo de sua incidência será, muito provavelmente, o da validade, especificamente o da validade constitucional de normas determinadas.
Não se cogita da eventual inconstitucionalidade formal do próprio dispositivo da EC 45/2004 que restringiu o âmbito da súmula vinculante, por violação ao modelo do bicameralismo brasileiro.
Há uma polêmica em torno da natureza do processo que culmina com a criação (edição), cancelamento ou modificação (revisão) de súmula.
Ademais apesar de sua pretéria natureza administrativa, por ser orientada pelo RISTF, é perceptível que vige crucial diferença, pois a matéria dantes regimental passa a ser matéria de caráter constitucional.
O iter processual de produção da súmula vinculante deve ser visto como processo objetivo típico dotado de certas peculiaridades que promove a aproximação entre o controle difuso-concreto de constitucionalidade e o controle abstrato-concentrado (efeito erga omnes, ou seja, vinculante).
Pode-se dizer que existe um fundamento comum ao controle concentrado que induz a adoção e aplicação de regras uniformes, tanto quanto seja possível. Seria uma espécie de “Código de processo constitucional objetivo”, cujas regras invocar-se-iam sempre que se provocasse o controle concentrado.
Podemos perceber os requisitos de edição de súmula vinculante a partir do art. 2º da Lei 11.417/2006 com o seu primeiro parágrafo, só poderão surgir quando:
i) após reiteradas decisões (idênticas);
ii) sobre normas acerca das quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ( não intra-STF, portanto) ou entre estes e a Administração;
iii) desde que essa situação acarrete grave insegurança jurídica e, concomitantemente;
iv) redunde em multiplicação de processos idênticos (quanto à matéria), causando grande aumento no volume de processos na Justiça;
v) Haver um processo judicial em curso no qual o Município seja parte e discuta, incidentalmente, o tema que será objeto principal do processo de súmula vinculante.
Existe ainda um requisito adicional para os casos de processo de edição de súmula vinculante deflagrado por Município;
O primeiro item (i) poderia ser considerado como aplicável exclusivamente para a hipótese de edição. Pois uma vez editada a súmula dificilmente ocorrerá de o STF admitir a julgamento recursos ou ações que contrariem o disposto em súmula já editada e em vigor.
Aliás, o próprio procedimento da súmula impeditiva de recurso visa bloquear essas situações consideradas negativas para a sistemática súmular implantada no Brasil.
É preciso reconhecer que, apesar de vinculante, a súmula pode permanecer, na prática, sendo descumprida não apenas pela magistratura de primeira instância como também pelos tribunais e pelos relatores responsáveis para rejeitar os recursos contrários às súmulas já prolatadas.
Porém, as decisões contrárias às súmulas podem se dirigir ao STF não apenas pela via recursal, mas em sede de reclamação constitucional por descumprimento de súmula (art. 103-A, § 3º da CF).
Portanto, é francamente admissível que o STF se manifeste em virtude de novos casos concretos que constituem o objeto de reclamações constitucionais, contrariamente à súmula ou à sua aplicação, ensejando, na base reiteradas decisões que permitirão o processo de revisão ou cancelamento de súmula vinculante existente.
Pelos mesmos motivos, a controvérsia não deixaria de existir desde que a súmula fosse editada. A eventual controvérsia como o desacato à súmula vinculante por parte das demais instâncias chamadas a cumpri-la.
Nesse diapasão, a insegurança jurídica e a multiplicação de processos são enxergadas como consequencias que, embora bem possíveis, são de fato nefastas. Só ocorreriam enquanto não houvesse súmula vinculante, que seria editada justamente para superar esse tipo de crise.
Portanto, uma vez adotada a súmula, não poderia ser ela, na concepção de reforma, causa de insegurança ou multiplicação de processos, pois é a solução para esse mal.
Também não podemos pender para a fraqueza prática e entender que o instituto da súmula vinculante cujo apanágio seria a solução de todas mazelas do Judiciário.
Conveniente lembrer que o pressuposto das reiteradas decisões aplica-se tanto à edição, quanto à edição e ao cancelamento ( nesse sentido vide Andrade, 2006:188), é muito provável que o STF venha admitir a revisão ou cancelamento independentemente dos pressupostos sistematizados na lei que regulamentou a súmula vinculante, que ficarão reservados para a hipótese exclusiva de edição inovadora de súmula.
Isso porque a concepção ora adotada representa uma diminuição da esfera de poder do STF, cuja atuação de ofício legítima estaria a pressupor, ainda, o atendimento aos requisitos mencionados.
Some-se, ainda, a essa constatação, o argumento, de que certamente poderá se valer o STF, no sentido de que o cancelamento ou mesmo a revisão de certa súmula pode ser tão urgente, em vista de circunstâncias novas, que aguardar reclamações (que podem nunca serem propostas) significaria um engessamento indesejável.
Verifiquem que o argumento do engessamento, que era comumente usado para contrapor a idéia de súmula, servirá, ao revés, para fortalecer ainda mais a concentração d epoderes no STF.
É perfeitamente possível a transposição entre a provocação de recisão para o cancelamento, e, vice-versa, especialmente pela possibilidade de atuação de ofício pelo STF. Também parece razoável, nessa mesma linha, a provocação com pedidos alternativos, conforme o final entendimento do STF.
Perquirimos sobre o alcance em relação às decisões anteriores à EC 45/2004 se poderão servir de parâmetro para a edição de súmula vinculante, ou se somente as decisões posteriores à entrada em vigor da EC 45/2004 (ou, numa posição ainda mais radical, após a publicação e entrada em vigor)?
A resposta parece ser negativa, nada se encontrando para justificar tal restrição nesta seara, salvo o problema do quorum exigível das decisões que servirão de base para a edição da súmula.
Uma das condicionantes entre aquelas colocadas na CF em seu art. 103-A, caput, e que foi repisada pela Lei 11.417/2006 em seu art. 2º, caput é a “controvérsia atual”.
Sendo essa em suma, uma imposição para que se deflagre o procedimento de formação da súmula vinculante. Concluindo, nem todo conjunto de decisões reiteradas proferidas pelo STF poderá guarnecer validamente o processo de formação de uma súmula vinculante.
Portanto, para as antigas decisões que apesar de reiteradas, não ensejem mais controvérsia atual, não caberá a formação de súmula vinculante.
A vinculação da súmula abrange a Administração Pública direta e indireta e dos demais órgãos do Poder Judiciário. Com exceção da ADPF, provavelmente por esquecimento indesculpável da Reforma do Judiciário. Pois para ação direta prevalece, ainda, o dispositivo da Lei 9.883/99 que cogita em efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, dando a entender que se poderia incluir também o Legislativo.
O âmbito subjetivo da vinculação são, portanto, prima facie, Judiciário e a Administração Pública, com exceção do STF.
Contudo, a possibilidade de alcançar o legislativo foi afastada, como admite o próprio Gilmar Mendes, pela EC45/2004 e, consequentemente, pela sua regulamentação. Logo, uma das formas de renovar a discussão encerrada por súmula vinculante é a de reincidir o legislador na mesma prática legislativa já desabonada pelo STF.
Em resumo, pois, poderá haver a edição de nova lei com conteúdo exatamente idêntico ao de anterior lei que havia sido objeto de súmula que lhe atrelava, como por exemplo, a nota de inconstitucionalidade, de nova previsão legal (uma interpretação conforme).
Nessas situações, consideradas legítimas pela sistemática adotada para a extensão dos efeitos próprios da súmula, pode-se concluir que o Legislativo estará a reabrir uma espécie de legitimidade indireta a discussão anteriormente encerrada pela edição súmula vinculante versando sobre a primeira lei.
Vide que o próprio STF não resta vinculado às suas próprias decisões sumulares, podendo promover revisão geral de seu positivionamento atneriormente sacramentado em súmula, pela mudança de sentido em suas decisões.
Portanto, poderá, de ofício, propor súmula, com base em novas decisões reiteradas que venham desconfirmando súmula já estabelecida outrora. Porém, nessa espécie de overruling deve ocorrer sempre de forma fundamentada, que significa um régio instrumento de autodisiciplina do STF.
Durante a aprovação da polêmica Súmula Vinculante 11 que limitou o uso de algemas aos casos excepcionais, o STF decidiu conferir a todas as súmulas vinculantes o efeito impeditivo de recurso.
Significando que todos os recursos contrários aos enunciados sumulares não chegarão ao STF posto que seria bloqueados nos tribunais de origem e nos juízos de orgiem. Na prática, tal decisão do STF aarreta que os tribunais não estão mais impedidos a sobrestarem o andamento dos recursos em geral ( em especial os conhecidos agravos de instrumentos) contrários às decisões denegadoras da subida dos recursos ordinários.
O objeto do enunciado da súmula poderá ser a validade, interpretação e eficácia de atos normativos. Trata-se de disposição que praticamente repte o que dispõe o art. 103-A, primeiro parágrafo da CF, contendo apenas pequenas alterações que em nada afetam seu conteúdo.
Percebe-se que acrescentou-se a possibilidade de dispor sobre a eficácia, e ter como objeto qualquer ato normativo e não apenas a lei ou a Constituição.
A súmula vinculante deve versar matéria constitucional(não necessariamente norma constitucional, mas também controle de constitucionalidade e interpretação de lei ou ato normativo conforme a Constituição).
Portanto, a súmula poderá tratar de normas federais, estaduais, municipais e distritais, desde que atendidos os demais requisitos constitucionais de elaboração de súmula vinculante, e desde que não seja uma matéria exclusivamente infraconstitucional ( é primordial o elemento de conexão constitucional).
Controvérsia atual é exigência que restringe o âmbito das decisões concretas que podem ensejar, validamente, a deflagração de um processo que culmine na redação de súmula vinculante.
A atualidade deve ser mensurada no momento em que se inicia o processo de formação de súmula vinculante e no momento da decisão do processo, sendo portanto uma condição de procedibilidade de ação de elaboração da súmula vinculante como condição de efetiva criação do enunciado.
Exige-se também que a controvérsia seja entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública, e não entre os órgãos de Administração Pública, ou entre as Administrações Públicas das diversas esferas federativas.
Relevante a influência das circunstâncias históricas do tema envolvido no debate. Por exemplo, recentemente no Brasil ocorreu a chamada guerra de liminares contra a privatização da Cia. Vale do Rio Doce, que traduzia nitidamente uma situação de perplexidade.
A edição da Súmula Vinculante 11, que disciplina o uso de algemas pelos agentes e autoridades policiais, gerou grande polêmica, tendo em vista justamente não ter sido respeitado, na hipótes, o requisito das “reiteradas decisões” proferidas no STF sobre o assunto como dispõe o caput do art. 103-A da CF.
Ives Gandra da Silva Martins sustentou, a esse propósito, que existiriam duas claras hipóteses de aprovação de súmulas: aquela em que decorra de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, com o que verbete passará representar a consolidação da inteligência dos Tribunais sobre a matéria, e aquela que objetiva eliminar divergência dentro do Poder Judiciário ou entre este e a Administração Pública.
E, acrescenta que, na primeira hipótese, o objetivo será, sim a redução da carga de trabalho dos tribunais em questões repetitivas, mas já na segunda hipótese o objetivo seria outro, qual seja, pacificar divergências (problema da segurança jurídica).
Um dos motes da súmula vinculante é ser o combate à insegurança jurídica decorrente da equivocada aplicação do direito brasileiro. Mas é importante frisar na imperiosa necessidade de se preencher os requisitos colocados constitucionalmente em sua totalidade para que possa ser criada validamente a súmula vinculante.
Coerente é Lenio Luiz Streck em alertar a respeito de quão é questionável a eficácia da súmula vinculante, principalmente por não se poder inibir a sustentação de teses antagônicas, advertindo ainda o perigo do intenso dirigismo estatal que frusta e compromete a função criadora da jurisprudência, endossando as palavras do Ministro Celso de Mello.
É pueril simplismo acreditar que o establishment jurídico-dogmático propõe a melhor solução para o fluente funcionamento da máquina judiciária e que a vinculação constitucional erguida pelas súmulas do STF e dos Tribunais Superiores aplacará a crise em que se encontra a administração da justiça brasileira.
Lênio Streck aponta a súmula vinculante como a panacéia nacional e o esquecimento quanto a efetividade das decisões judiciais e a tão afamada morosidade de justiça só poderá ser resolvida se ocorrer profunda mudança na estrutura do Poder Judiciário e ainda das demais instituições encarregadas de aplicar a justiça.
Apontava o então Conselheiro da OAB, Dr.Reginaldo de Castro que a súmula vinculante tinha a honrosa missão de desafogar a torrencial carga de trabalho do Judiciário brasileiro, fazendo com que se abstenha de julgar questões já decididas e deliberadas pelo STF e STJ, mas por outro viés, apontava também a perda de autonomia dos juízes, tornando-os meros aplicadores das súmulas dos tribunais superiores… le bouche de le précedent judiciaire.
Sem dúvida, a efetividade da súmula vinculante requer que o debate mais sério a respeito de teses tidas como indiscutíveis.
Lembremos que a força dos precedentes judiciários nos Estados Unidos reside na tradição, não estando fixada em nenhuma regra escrita, seja em leis, decretos, na Constituição e nem mesmo em regra de ofício.
Dessarte a súmula vinculante assumir importância, no cenário jurídico pátrio ocorre expressiva maioria das decisões judiciais se baseia em “precedentes sumulares” e “verbetes jurisprudenciais” retirados de repertórios estandardizados, muitos de duvidosa cientificidade, que acabam sendo utilizados, no mais das vezes, de forma descontextualizada.
Isso, não ocorre no Direito norte-americano, pela relevante circunstância de que lá o juiz precisa fundamentar e justificar detalhadamente sua decisão.
Na sistemática da common law não basta cogitar, como se faz aqui, que a solução da controvérsia é x, com fundamento no precedente Y, isto porque o precedente deverá vir acompanhado da necessária justificação ou contextualização.
Importante ressaltar que os precedentes não são significantes primordiais fundamentos nos quais estariam contidas as universalidades de cada caso jurídico, a partir das quais o intérprete teria a simplista tarefa de subsumir o particular.
Relembrando Siger de Brabante (1235-1282), filósofo averroísta, professor de filosofia da Universidade de Paris, que ensinou o aristotelismo influenciado por Averróis. Sua importante lição consistiu em reconhecer a verdade da fé católica, insistiu no direito do homem em obedecer à razão humana, mesmo que, em seu entender, esta contradissesse às vezes a revelação divina.
E, fazendo um paralelo, o julgador deveria apesar de aceitar as verdades incutidas nos verbetes sumulares, deveria ter o direito de no uso da razão, insurgir-se contra a revelação dessa verdade preponderante perante os tribunais superiores.
As súmulas vinculantes significam um retrocesso em direção à metafísica clássica, em que o sentido estava nas “coisas”. Resta condesada na súmula a substância ou essência de cada caso jurídico.
A essência contida no verbete sumular se destemporaliza e confronta com o sistema pátrico posto que tem a lei como paradigma, conforme consta no art. 5º, II da CF.
A vinculação jurisprudencial institui uma verdadeira camisa-de-força que alvejará as instâncias inferiores do Poder Judiciário. Principalmente no sentido de que a decisão que aplia a súmula se torna irrecorrível, já a decisão que se rebela contra a súmula, enfrenta dois obstáculos: se a súmula é do STF, cabe reclamação; se a súmula é do STJ e dos demais tribunais superiores, o recurso não será conhecido, em face da então chamada “súmula impeditiva de recurso”.
Em resposta ao contraponto oferecido por alguns juristas que apóiam a tese vinculatória da súmula é que esta pode ser revista pelo Tribunal que a institui, aliás, frise-se que sempre pudera. Mas, é inútil afirmar que até que venha consagrar a dita revisão, esta surtirá efeitos similares às das leis, ou quiçá mais…
Criando um curioso paradoxo pois as leis podem ser revistas pelo Congresso Nacional e, nem por isso, se nega a possibilidade da existência de recursos de decisões que contrariem as leis.
De sorte que sagrando vitoriosa a tese vinculatória, instituímos o perigoso paradoxo pois os juízes podem contrariar as leis, se o fizerem, caberá salutarmente recurso. Porém, não podem ouser contráriar as súmulas, pois nesse caso, não caberá recurso, e, sim reclamação… Em terrae brasilis, a lei não vincula porém a súmula sim!
Portanto, o STF e o STJ ao editarem súmula passam a deter um poder maior que o Poder Legislativo, isso sem se esquecer do poder de violência simbólica incidente sobre os operadores do Direito.
Portanto, com a súmula vinculante o Poder Judiciário, por suas altas cortes passará literalmente legislar o que resulta em quebra da harmonia e independência que deve existir entre os poderes da República Brasileira.
É fato, com a adoção da súmula vinculante o direito pátrio se aproxima e se afeiçoa ao common law, passa a ter no segundo e no terceiro graus do Poder Judiciário, a camada mais importante e decisiva.
Por outro lado, num sistema lastreado predominantemente pela lei, como é o nosso, o juiz de primeiro grau possui dimensão reverenciada e relevante. Porém, sendo a súmula um critério de fechamento autopoiético do sistema, as decisões de primeiro grau que contrariarem as súmulas passam a ter caráter absolutamente secundário, e passíveis de imediata e fácil cassação pela instância superior.
Não podemos esquecer que no sistema do common law, o fundamental é encontrar a regra de reconhecimento, que é a resultante de reiteradas decisões. Portanto, é fática, ao contrário da norma fundamental (Kelsen) que é dirigida e pensada para a civil law.
A adoção da súmula vinculante acarreta a centralização das decisões, com grande possibilidade de haver o sobreditamente de posições mais conservadores, o que por si só, não atende a suficiene motivação para sensivilizar a comunidade jurídica brasileira.
Enquanto no plano hermenêutico, notamos a petrificação dos sentidos e análises jurídicas, a partir da criação de significados primordiais fundantes, que impede a percepção e compreensão dos casos singulares e particulares.