Auxilio Reclusão

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado que foi preso. Benefício que não é bem visto por alguns doutrinadores. Por exemplo, o professor Sérgio Pinto Martins (2005, p.414) considera que ele deveria ser extinto, pois é incoerente uma pessoa ficar presa e a sociedade, como um todo, pagar um benefício à família do preso, como se este tivesse falecido. De certa forma, argumenta esse professor, o preso é que deveria pagar por se encontrar nesta condição, principalmente por roubo, furto, tráfico, homicídio, etc.

Assim, observa-se que este instituto atende ao comando do art. 226 da CF, que prevê "especial proteção" à família por parte do Estado. E, no âmbito previdenciário, a família é protegida por meio dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão. Em ambos os casos o risco social a ser preenchido é perda da fonte de subsistência do núcleo familiar, na primeira hipótese em razão do óbito do segurado, na segunda, por ocasião de sua detenção prisional.

Além de proteger a instituição familiar, o auxílio-reclusão realiza o princípio que está previsto no art. 5o, XLV, da Constituição Federal. Este dispositivo diz que nenhuma pena passará da pessoa condenado.

Assim, este comando constitucional impede que os reflexos da condenação alcance a família do condenado, ou seja, só e somente só o réu arcará com as conseqüências de seu delito. Por isso os familiares dependentes, já alijados do convívio com o recluso, em razão de evento para o qual não concorreu, não podem suportar as faltas econômicas ocasionadas pela prisão do segurado. Logo, cabe ao Estado, responsável pela prisão, garantir condições mínimas de sobrevivência aos dependentes, assim como trabalhar para minimizar os prejuízos.

Essa idéia decorre dos princípios constitucionais da dignidade humana constante no art. 1o, inciso III, da CF, bem como no compromisso de erradicação da pobreza, elencado no art. 3o do mesmo instrumento e no princípio da solidariedade social. Portanto, cabe ao Estado, conjuntamente com a sociedade, proteger, contra eventuais infortúnios, a família agora desamparada, tal qual se dá com a pensão por morte, inclusive a própria lei compara o auxílio-reclusão com essa pensão.

o art. 116 do Decreto 3048/99 estabeleceu

§ 4º A data de início do benefício será fixada na data do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se requerido até trinta dias depois desta, ou na data do requerimento, se posterior.

Para o professor Alexandre de Moraes (2003, p.91), o Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.

O professor Moraes (2003, p.1135), buscando respaldo na autoridade de Canotilho, assinala que certas garantias que pretendem assegurar a efetividade das cláusulas pétreas como limites tácitos para aduzir que, às vezes, as Constituições não contêm quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão. Esses limites podem ainda desdobrar-se em limites textuais implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta.

E no julgamento do pedido de Medida Cautelar da ADIn 939 o Min. Celso de Mello assinalou que é preciso não perder de perspectiva que as emendas constitucionais podem revelar-se incompatíveis com o texto da Constituição a que aderem. Daí a sua plena sindicabilidade jurisdicional, especialmente em face do núcleo temático protegido pela cláusula de imutabilidade inscrita no art. 60, parágrafo 4o, da Carta Federal.

Quanto à emenda n. 20/98, os julgadores têm justificado a restrição estabelecida pela Constituição com base no princípio da seletividade e distributividade da prestação dos benefícios e serviços sociais, ou seja, o constituinte quis, com esse princípio, que o legislador tivesse bom senso, uma vez que as verbas são poucas, devendo, assim, as prestações e os serviços serem selecionados, a fim de que sejam escolhidos os mais necessários. Deve-se levar em conta, ainda, a necessidade de atender o maior número possível de pessoas.

Resumindo, uma emenda constitucional pode ser considerada inconstitucional se ofender o espírito da Constituição Originária. Contudo, no caso da emenda n. 20/98 a emenda estabeleceu uma distinção com base no princípio da seletividade e distributividade dos benefícios, ou seja, seleção dos benefícios que farão parte do sistema e definição daqueles que farão jus aos benefícios segundo sua necessidade. Como a distribuição de renda é um dos objetivos do sistema, o atendimento dos necessitados é sempre prioridade.

Mais do que isso, essa restrição fere o princípio da isonomia, uma vez que essa emenda criou distinção entre segurados da previdência, sem explicitar os fundamentos para tal procedimento. Note-se que, para a família do recluso, é indiferente a renda familiar anterior ao recolhimento do segurado à prisão. Não importa quanto este recebesse a título de salário, certo é que, uma vez preso, deixará de receber qualquer quantia. Não há fundamento, portanto, para a diferenciação realizada pelo legislador, ou seja, os segurados são iguais na hora do pagamento da previdência.

Enfim, o requisito "baixa renda" fixado por meio de um ato administrativo é ilegal, discriminatório e está em descompasso com a Constituição Federal. Isso porque fica ao arbítrio do administrador público dizer quem é, e quem não é, de baixa renda, ou seja, quem deve e quem não deve receber o benefício auxílio-reclusão.

Assim, o art. 84, IV, da Constituição Federal, que determina que somente para cumprir dispositivos legais pode o Executivo expedir regulamentos. Daí resulta que somente por lei é possível fazer alguma restrição aos direitos de propriedade e liberdade. O regulamento não pode contrariar a lei, estando subordinado a ela, sob pena de ferir-se o princípio da legalidade (art. 5.°, II e art. 37, I, ambos da CF).

Cabe salientar ainda que o estabelecimento da baixa renda familiar ao valor do último salário-de-contribuição do segurado, disposto no art. 116 do decreto 3048/99, não demonstra a situação de penúria da família. Isso porque o segurado pode manter sua filiação ao regime da Previdência Social, mesmo quando desempregado. Assim sendo, como tem interpretado a jurisprudência (ver próximo item), deve ser analisada a renda familiar quando da detenção do segurado, e não quando do recebimento de sua última remuneração.

Sobre essa questão o Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, no RECURSO CÍVEL Nº 2006.71.95.003873-3/RS, considera que a alteração constitucional da Emenda 20/98 deixa ao desamparo a família do segurado, impedido de trabalhar em virtude do encarceramento, com renda superior ao limite legal. Medida que contraria a finalidade do benefício que é, justamente, prover a manutenção da família do preso.

Assim, de acordo com o Juiz Rocha, para permitir a concessão da prestação em determinadas situações a legislação considera a renda dos dependentes. Entretanto, para fins de concessão de prestação previdenciária deve ser considerada sempre a renda do segurado, que é quem contribui para a previdência e cujas contribuições permitem o cálculo da prestação previdenciária e não a dos dependentes. Veja-se que, para fins de pensão por morte, a renda dos beneficiários indiretos só é relevante para fins de caracterização da dependência econômica e o emprego de um critério absolutamente diverso da tradição previdenciária só poderia ser fixado pela lei que, nesse caso, deveria prever um estudo sócio-econômico da família.

Assim, a decisão desse Juiz é no sentido de se considerar como fundamentais não apenas os direitos sociais previstos nos arts. 6º a 11 da CF, mas todos aqueles que permeiam a Constituição Federal e sem os quais os direitos sociais ficariam absolutamente descaracterizados. Aliás, reforça o Magistrado, como já foi reconhecido pelo STF, as Emendas Constitucionais podem revelar-se incompatíveis com o texto da Constituição ao qual aderem, havendo direitos fundamentais fora do catálogo do artigo 5º da CF/88. Portanto, a redação delineada pela Emenda 20/98, com relação ao auxílio-reclusão é incompatível com a contingência que deve ser protegida, razão pela qual deve ser reconhecida a sua inconstitucionalidade.

Na mesma linha do Juiz Rocha manifesta-se a Juíza Federal Eliana Paggiarin Marinho, no seu voto vencido no INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO JEF (RS E SC) Nº 2003.72.04.004939-1/SC, que observa outros problemas envolvidos na questão, pois, de acordo com ela, ainda que adotando como critério para a apuração da condição de baixa renda os rendimentos dos dependentes, inúmeras serão as situações que se apresentarão em cada processo, ficando o Magistrado ao total desabrigo de um critério legal, universal, para aferir aquele requisito do auxílio-reclusão.

Como exemplo a Juíza Paggiarin cita que, de regra, os menores não possuem rendimentos próprios. Já os cônjuges ou companheiros, na maior parte dos casos possuirão algum tipo de renda. Como aferi-la? Valem os conceitos de salário-de-contribuição? Se afirmativo, como fica o dependente que trabalha na informalidade? E se o segurado recluso possui patrimônio razoável (bens imóveis, veículos, ...) mas a esposa nunca desenvolveu qualquer atividade remunerada?

Há, ainda, outra situação. Os rendimentos dos dependentes devem ser somados, para fins de verificação do limite? Caso negativo, então os menores sem renda sempre farão jus ao benefício? Caso positivo, como resolver uma situação onde o segurado recluso possui ex-esposa e atual companheira, ambas dependentes para fins previdenciário, a primeira sem rendimentos ou com baixa renda e a segunda com rendimentos elevados? E se ambas possuem rendimentos de 2 (dois) salários mínimos, que, somados, ultrapassam o limite legal?

Assim, a Juíza Paggiarin defende a posição de que, em se tratando de benefício de natureza previdenciária, a verificação do preenchimento de seus requisitos só pode levar em conta o salário-de-contribuição do segurado. Isso por que não se trata de benefício assistencial, onde ao legislador é dado o poder de escolher a clientela abrangida.

Primeiro Acórdão:

TRF4. Sexta Turma. AC n.º 200004011386708. Relator João Surreaux Chagas. DJU em 22/08/2001, p. 1119.

1. É devido o auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que não tiver salário-de-contribuição na data do recolhimento à prisão por estar desempregado, sendo irrelevante circunstância anterior do último salário percebido pelo segurado ultrapassar o teto previsto no art. 116 do Decreto n° 3.048/99. Apelação e remessa oficial provida em parte.

Segundo Acórdão:

TRF4. Sexta Turma. AC n.º 200371070042487. Relator Vladimir Freitas. DJU em 28/09/2005, p. 1090.

1. Concede-se o benefício de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado desempregado, desde que mantida a qualidade de segurado na data do seu efetivo recolhimento à prisão, sendo irrelevante o fato de o último salário percebido ter sido superior ao teto previsto no art. 116 do Decreto n.º 3.048/99.

Terceiro Acórdão:

TRF4. Sexta Turma. AC n.º 200304010163970. Relator João Batista Pinto Silveira. DJU em 16/11/2005, p. 937.

1. O auxílio-reclusão visa a proteger os dependentes do segurado, sendo que a renda a ser considerada na época da prisão é a dos seus dependentes e não a do segurado.

Quarto Acórdão:

TRF4. Quinta Turma. AG n.º 200504010117591. Relator Victor Luiz dos Santos Laus . DJU em 30/08/2006, p. 641.

1. O benefício de auxílio-reclusão é devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, não se exigindo, inclusive, carência, segundo o disposto no inciso I do art. 26 da Lei de Benefícios.

2. A correta hermenêutica do art. 13 da EC 20/98 é no sentido de entender que o teto estabelecido para o direito ao auxílio-reclusão diz respeito à renda bruta dos dependentes, em lugar do instituidor do benefício, exegese que se harmoniza com o princípio da razoabilidade e mesmo da proteção, este último orientador de toda interpretação em matéria previdenciária. Portanto, não poderia o caput do art. 116 do Decreto 3.048/99 regulamentar a norma constitucional em tela em sentido completamente contrário, impossibilitando a concessão do amparo nas hipóteses em que o último salário-de-contribuição do segurado fosse superior ao limite naquela definido.

3. Configurada a verossimilhança das alegações e havendo, entre os dependentes do segurado recluso, filho menor e absolutamente incapaz, tal situação, aliada ao caráter alimentar da verba, evidencia o risco de dano irreparável a ensejar a manutenção da tutela antecipada.

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Além dos acórdãos e visando uniformizar a Jurisprudência dos Tribunais da Quarta Região a Turma de Uniformização de Jurisprudência decidiu elaborar uma sumula sobre a questão. É a súmula n. 05 que estabelece: “para fins de concessão de auxílio-reclusão, o conceito de renda bruta mensal se refere à renda auferida pelos dependentes e não à do segurado recluso”.

O benefício previdenciário auxílio-reclusão encontra amparo nos princípios da proteção a família, individualização da pena, solidariedade social, dignidade humana e erradicação da pobreza. Visa atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da prisão do segurado, e tem por destinatários os dependentes do recluso.

Contudo, a restrição imposta pela emenda constitucional n. 20/98, limitando a concessão desse benefício aos segurados de baixa renda tem sido considerada mal elaborada, porém a emenda não foi considerada inconstitucional, contudo o aspecto que deixa ao arbítrio do administrador público a definição da renda limite, abaixo da qual o segurado é considerado de baixa renda, tem sido alvo de controvérsias e discussões.

Assim, os tribunais, visando corrigir os deslizes do legislador, estão considerando, para a concessão do benefício, a renda dos dependentes do segurado, e não dele próprio, desconsiderando, portanto, a redação do art. 116 do Decreto n° 3.048/99 que, de acordo com a jurisprudência, fere o princípio da legalidade, pois está em descompasso com a redação prevista nos arts. 1° e 13 da Emenda Constitucional n° 20/98.

Dr João Evangelista
Enviado por Dr João Evangelista em 26/07/2011
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