Representação MP - ciclofaixa - Massa Crítica

1. A presente representação tem como objetivo a tomada de providências em relação à ciclofaixa intitulada “Caminho dos Parques”, em Porto Alegre, pelos fundamentos de fato e de direito expostos a seguir.

2. O projeto “Caminho dos Parques” foi implementado em 2001, pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, juntamente à EPTC, com o apoio financeiro do Banco Santander. Trata-se de ciclofaixa interligando os Parques Moinhos de Vento (“Parcão”), Farroupilha (“Redenção”) e a orla do Lago Guaíba. O projeto faz parte do Sistema de Espaços Abertos, que, consoante aduzido à época de sua implementação, procura oferecer uma visão global e aberta da cidade, principalmente dos seus espaços públicos. O percurso possui 5 km de extensão e 3 metros de largura, sendo que, quando da sua execução, foi amplamente sinalizado por meio de placas, pinturas no solo e cones, além de contar com a fundamental fiscalização por parte da EPTC.

3. A implementação da referida ciclofaixa foi uma iniciativa louvável, já que a bicicleta constitui-se em um meio de transporte moderno (no sentido de coadunar-se com as atuais preocupações mundiais com um meio ambiente sustentável), não poluente, saudável (contribui para o aumento da qualidade de vida da população, à medida que exercícios físicos previnem depressão e problemas cardiovasculares, entre outras doenças), ágil (é uma alternativa aos congestionamentos e à imobilidade urbana) e democrático. Ainda mais em uma cidade como Porto Alegre, que praticamente não possui política de conscientização e de estímulo ao uso desse veículo, e que tampouco disponibiliza condições físicas ideais para sua utilização. A bem da verdade, estamos deveras atrasados no que diz respeito a esse moderno sistema de transportes. Os países desenvolvidos há muito estimulam o deslocamento nas cidades por meio das bicicletas, elevando o status desse veículo como meio de transporte, mediante políticas públicas de estímulo e de disposição de condições materiais para o seu uso .

4. Sem embargo, em completa inconsonância com a era em que vivemos - de preocupação com a qualidade de vida e com a sustentabilidade do meio ambiente-, bem como contrariando as tendências de política urbanística dos países mais desenvolvidos, a ciclofaixa “Caminho dos Parques” jaz quase que inteiramente abandonada.

5. Atualmente, a ciclovia, em tese, é para ser utilizada oficialmente nos domingos e feriados, das 8h às 20h. Mas as reminiscências de sinalização e a ausência total de fiscalização induzem os cidadãos a erro (tanto os efetivos usuários da ciclofaixa, quanto motoristas e demais pedestres), expondo-os a séria insegurança. A situação, como pude constatar diversas vezes pessoalmente e como registrei fotograficamente no Domingo, dia 23/05/2010, é deplorável. As placas, distribuídas ao longo do percurso, estão em sua maioria pichadas, muitas cobertas de limo. Ademais, diversas ficam encobertas e escondidas por galhos de árvores, guaritas de segurança ou outros objetos. As pinturas no solo representam a situação mais vergonhosa: alguns desenhos praticamente desapareceram integralmente, sendo inidentificáveis. A maioria está mais que 50% apagado. Os cones, que funcionavam como um modo de sinalização do percurso quando de sua implementação, nunca mais foram colocados. Em relação à fiscalização, essa simplesmente não existe mais.

6. Dessa sorte, agonizando em sua sinalização precária e confusa, indutora de erros, a ciclofaixa “Caminho dos Parques” foi deixada às moscas pelo Poder Público, refletindo um completo desleixo por parte da Prefeitura. Desleixo esse que se traduz em três vias: em relação à própria cidade de Porto Alegre – que fica com um aspecto feio, sujo e abandonado, recheada de placas sujas e pichadas e pinturas apagadas -, em relação À população, especialmente os ciclistas, que são deixados à própria sorte, e, derradeiramente, em relação ao comprometimento agora universal com um meio ambiente sustentável.

7. A população fica confusa devido à falta de informação e sinalização. Muitas pessoas ficam em dúvida acerca da existência ou desativação da ciclofaixa. Mas o fato é que boa parcela da população deveras utiliza os “Caminhos do Parque”, conforme minha própria e recorrente constatação, como moradora do Bairro Bom Fim, e consoante demonstram as fotografias em anexo. Não obstante, os usuários correm sério risco, ficando à mercê da má-sinalização do percurso, da falta de fiscalização e, ainda, do desrespeito dos motoristas, os quais, além de trafegar livremente sobre as faixas, estacionam sobre elas (vide fotografias). A bem da verdade, a despreocupação e o desleixo da Prefeitura expõem a perigo não só os usuários da ciclofaixa, que partilham de falsa ilusão de segurança, mas também os transeuntes e pedestres, bem como os próprios motoristas, desavisados ou não, desrespeitosos ou não. Afinal, acidentes de trânsito, descuidos e mesmo acasos infelizes são por demais facilitados quando não existe uma sinalização suficientemente clara.

8. Assim, além de não promover políticas publicas de incentivo ao meio de transporte mais democrático, saudável, ágil e ecológico – a bicicleta -, o Poder Público negligencia uma das únicas iniciativas que teve a esse respeito. Iniciativa essa que foi muito bem recepcionada pela população, que parece importar-se mais do que a Prefeitura com a qualidade de vida e saúde da população, com a diminuição da poluição, e com o zelo para com a cidade de Porto Alegre. Ocorre que esse fato não pode ser ignorado, pois representa não apenas a privação da população de uma política de qualidade de vida, saúde, sustentabilidade e mobilidade urbana, mas também representa riscos à população, que é exposta a grave perigo de acidentes de trânsito.

9. Como já referido, a população recepcionou muito bem o “Caminho dos Parques” e ainda o utiliza bastante, embora com falsa sensação de segurança. Desse modo, em se tratando de um projeto que foi bem planejado mas que, na prática, não está sendo bem conservado, tendo em vista que foi “esquecido” pela Prefeitura, a melhor alternativa é que ele seja revigorado, por meio de nova pintura, novas placas, colocação de cones e implementação de fiscalização, juntamente com o comprometimento, por parte da PMPA, com a conservação da ciclofaixa, de modo a garantir segurança aos ciclistas, pedestres e motoristas.

10. Claro os espaços e as condições físicas da cidade não propiciam um projeto perfeito, até porque perfeição é, e sempre será, algo intangível. Não obstante, uma iniciativa louvável foi levada a cabo e aprovada pela população, funcionando algum tempo, e infelizmente foi jogada às moscas, com completo descaso. Porto Alegre, ao menos por enquanto, ou seja, a curto prazo, não possui outras alternativas, e a melhor opção é que as falhas da faixa existente sejam corrigidas. Trata-se de propiciar segurança aos cidadãos e de incentivar o uso de bicicletas - como alternativa saudável para a qualidade de vida , para a melhoria da mobilidade urbana e para a redução do impacto ambiental-, mas que tem algo ainda maior como plano de fundo: o comprometimento com uma cidade mais auto-sustentável.

11. É sabido que atualmente se está discutindo um plano cicloviário para a cidade. Em 15/07/2009, o então prefeito José Fogaça sancionou a lei que institui o Plano Diretor Cicloviário de Porto Alegre, que prevê a construção de 495 km de ciclovias na Capital. A construção estava prometida para começar em 2009, mas parece que a população terá de esperar até 2014. Observe-se excerto de artigo extraído do Jornal Zero Hora, em 12/04/2010:

“Os moradores de Porto Alegre ganharam um Plano Diretor Cicloviário em julho passado e colecionaram promessas de que iriam receber quilômetros de faixas exclusivas para bicicletas no prazo de poucos meses. Mas a informação agora é de que terão de esperar até 2011 para começar a ver a malha de ciclovias da cidade deslanchar.

Segundo o novo secretário municipal de Mobilidade Urbana, Romano Botin, novas vias para ciclistas não devem começar a ser construídas antes de janeiro, como parte do pacote de obras para a Copa de 2014. Botin diz que a Capital terá uma malha de 47 quilômetros até o início dos jogos.

As ciclovias são um sonho que não pedala, engatinha. Vêm de longe as promessas. Em 2005, ao lançar o Plano Diretor da área, o secretário de Mobilidade Urbana, Luiz Afonso Senna, prometeu que a população usufruiria de ciclovias já no ano seguinte. Afirmou que se tratava de “um empenho pessoal”. Foi postergando a promessa de ano para ano e deixou a secretaria dias atrás sem cumpri-la. [...]”

Trata-se de mais um reforço na argumentação de que, mais do que esperar por promessas postergadas, que nem sequer iniciaram sua realização, é imprescindível reformar-se e reformular-se o que já se tem. Se a Prefeitura não consegue manter uma singela ciclofaixa de lazer, como esperar que seja capaz de implementar e manter uma complexa rede cicloviária? Antes disso, é mais sábio focar-se no que já se tem, mas que sofre de carência de manutenção.

12. No dia 23 de Maio de 2010, Domingo, percorri o trajeto do “Caminho dos Parques”, e tive a oportunidade de efetuar um registro fotográfico da situação em que se encontra a ciclofaixa.

Vejamos.

[*]Placa indicativa, e diversos veículos estacionados ao longo da ciclofaixa (Rua Gen. João Telles).

[*]Pintura da ciclofaixa bastante apagada, e ciclistas utilizando-a (Rua Vasco da Gama).

[*]Placa escondida pela guarita, e veículos estacionados, desrespeitando a ciclofaixa (Rua Vasco da Gama).

[*]Pintura quase que integralmente apagada (Rua Vasco da Gama).

[*]Ciclista esperando para atravessar a rua pela ciclofaixa, cuja pintura já é quase inidentificável (Rua Osvaldo Aranha, em frente ao Parque Farroupilha).

[*]Placa apagada e coberta de limo, e carros estacionados sobre a ciclofaixa (Rua Gen. João Telles).

13. A integração das bicicletas ao sistema de transporte é uma diretriz de planejamento urbano em Porto Alegre e deve ser efetivada.

Segundo o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PDDUA):

Art. 6º A Estratégia de Mobilidade Urbana tem como objetivo geral qualificar a circulação e o transporte urbano, proporcionando os deslocamentos na cidade e atendendo às distintas necessidades da população, através de:

I - prioridade ao transporte coletivo, aos pedestres e às bicicletas;

II - redução das distâncias a percorrer, dos tempos de viagem, dos custos operacionais, das necessidades de deslocamento, do consumo energético e do impacto ambiental;

III - capacitação da malha viária, dos sistemas de transporte, das tecnologias veiculares, dos sistemas operacionais de tráfego e dos equipamentos de apoio - incluindo a implantação de centros de transbordo e de transferência de cargas;

IV - Plano Geral de Circulação e Transportes;

V - resguardo de setores urbanos à mobilidade local;

Art. 7º A mobilidade urbana compreende os seguintes conceitos:

I - Setor Urbano de Mobilidade - áreas da cidade com restrição ao tráfego veicular de passagem ou de travessia, em favor do pedestre, da bicicleta e do tráfego local;

II - Corredores Viários - vias, ou conjunto de vias, de diferentes categorias funcionais ou não, com vistas a otimizar o desempenho do sistema de transporte urbano;

III - Sistema de Transporte Urbano - conjunto das diferentes modalidades de transporte de passageiros ou de cargas e seu inter-relacionamento com a cidade;

IV - Sistema de Transporte Coletivo - linhas e itinerários operados por veículos com tecnologias para média e baixa capacidade de passageiros, integrados ou não com outras modalidades de transporte urbano;

(...)

X - Rede Cicloviária - conjunto de ciclovias integradas com o sistema de transporte urbano;

Art. 8º Constituem a Estratégia de Mobilidade Urbana:

(...)

III - Programa Viário, que abrange os gravames, os projetos e as obras de implementação da malha viária, inclusive das ciclovias e vias de pedestres;

V - Programa de Trânsito, que corresponde ao tratamento da malha viária no que concerne ao uso das potencialidades da engenharia de tráfego, com vistas à sua fluidez e segurança, utilizando as tecnologias para a conservação energética, o controle da qualidade ambiental e a prioridade ao transporte coletivo

Ainda, conforme o Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257, de 10 de Julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências):

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

Diante do exposto, considerando que os fatos acima narrados caracterizam, em tese, ofensa à ordem urbanística e ambiental, requer-se ao Ministério Público sejam tomadas as providências cabíveis.

Porto Alegre, 27 de Maio de 2010.