Exposição de motivos ao Advogado Criminalista.
Às vezes penso em me dedicar a defender o acusado de crime.
E este texto busca remontar, desestruturar e colocar em análise pessoal todo o seu conceito, nobre leitor, acerca da verdade. Dizem os melhores que a verdade é apenas a história mais bem contada, eis que a ela declinamos.
Coesa e irrenunciável (também sincera, se me entende) verdade é esta de que minhas experiências e observâncias sobre todas culturas, tribos e entendimentos que como curioso humano pude levantar, têm reiteradamente estruturado em mim uma indomável vontade em me tornar criminalista.
Sim, este siso intocável e criterioso daquele causídico perspicaz que tanto assistimos nos fantasiosos tribunais de juri americanos, cuja maleabilidade racional parece elevá-lo aos céus, dada sua suasória oratória que unissonamente reage protelando até o pior o criminoso. Daqueles, justamente aquele, amigo leitor, que pagamento algum contrata, cuja boca não se venda à íncita vontade de se transitar em julgado o absolvimento do réu. Isto tudo tem motivos, e o melhor deles, digo-lhes.
Um amor descontrolado me movimenta a compreender o réu ali, "sub judice", analisado. Seu rosto e sua roupa maltrapilha não refletem com vivacidade, à luz da tribuna, o olhar que tenta trazer os acontecimentos e compreensões de sua vida particular que o levaram a estar ali, pelo ilícito realizado.
Se o homem não nasce mall, mas é corrompido pelo sistema (Hobbes), como pode a pode sociedade que o corrompeu, julgá-lo? Como ousa dizer: "Olhe, mas não toque. Toque, mas não experimente" dando afeições do deus greco-romano?
Quantos de nós não trazemos marcas de tragédias no trânsito, traumas de infância, ilusões, ausência familiar ou outros infortúnios dissaborosos que nos colocam à indagação do civilmente - visando a catedrática moral - aceito?
Veem somente o ali julgado criminoso, vaiado aos assombrosos gritos daqueles que não sabem de sua história! Mas que absurdo isto... ! Humanos que alienados olvidam a realidade do próximo, querendo igualar a mentalidade de adequação social do sujeito vivido em meio à desigualdade, cujo pai trafica, cuja mãe programa faz, com o jovial rapaz que tudo teve, e até pós graduação universitária terá!
Você há de concordar comigo que deveria doer em nós, na nossa demagogia ética (Lehman) e hipócrita, o choro de lamento e talvez arrependimento do criminoso em reclusão condenado, cujas oportunidades de vida tributária e contribuinte não lhe foram apostas.
Raramente testificam a tamanho ridículo papel o Estado se preza quando tranca um homem cheio de sentimentos e emoções, que agiu criminosamente por pensar como um animal, já que atitude diversa dele não se esperava. Poucos analisam a ausência estatal na formação do marginalizado.
O quão ridicularizado foi o negro na escravatura do período colonial até o final do império. O quão desprovido de fé é o jovem da periferia, lúcido e consciente de que sua realidade pouco se modificará, mesmo com árduo esforço. Se você estivesse neste lugar, há de ser o menos arguto para acreditar que terá probabilidade de futuro.
O quão, repisa-se, é grave a má distribuição de renda em nosso país. Não afirmo que tal seja motivo para se marginalizar, mas com audácia elembro a instituição penal da inexigibilidade de conduta diversa. Nas palavras de Millôr Fernandes: "Ser pobre não é crime, mas ajuda muito a chegar lá".
Entender para punir não é somente observar o contexto do caso concreto, como julgam necessário alguns. É necessário sentir o acusado, em integridade, conotação e alma, para que a exposição de sua defesa se faça na exata medida, tal como solvente e soluto, na dosagem da pena.
As pessoas não são iguais. Entristece-me que a cominação de pena seja, por vezes de via processual, igualada, "tratando com igualdade os diversos" (Rui Barbosa). O mal de nossa sociedade é querer relativizar os absolutos e absolutizar os relativos.
Somos o que ninguém vê, e o bom laboro do causídico frisado estaria na tentativa deste em trazer aos autos do processo toda consternada reviravolta a que tal momento dá asas, esperando fazer justiça entre a tipificação penal "ex lege" e a real pessoa do acusado.
Aí entra a figura do consciente advogado, este sim digno do mérito de "doutor", quem se colocando ao nível do réu, não busca com todas artimanhas ausentar a penalização do sujeito que agiu ilicitamente, tornando-o impune, mas pelo o contrário, deixar claro os antecedentes sociais, a historicidade do agente, a animosidade do réu em ofender o bem jurídico ali obstruído, entre outros, esperando trazer a mais abalizada justiça entre a tipificação penal e a real pessoa do condenado.
Estou consciente de que a prática é outra e que lavro, neste texto, apenas uma teoria, mas é a teoria que decide o que podemos observar.