PÍLULAS: DO ARTIGO 56 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS
Tive uma dúvida que não pude elucidar sozinha e esteve a me tirar o sono.
O art. 56 da lei dos registros públicos (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973) dispõe:
"O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa."
Nesse caso, apenas o nome poderá ser alterado, deixando o sobrenome intacto.
Esgotado esse prazo, a retificação só poderá ser judicial e fundamentada.
A lei é clara e, se interpretada expressamente, conclui-se que alguém, completados 18 anos e antes dos 19, pode alterar o seu nome, de Bruno, por exemplo, para Manoel.
Li sobre a inclusão dos avoengos e de um segundo nome. No entanto, não entendo ser possível negar ao jovem a alteração - no sentido de se excluir o nome e e incluir outro - se a lei é explicita.
Escrevi exatamente nesses termos, para a ARPEN-SP, solicitando informação.
A RESPOSTA:
"Re: ART. 56 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS
De:ARPEN-SP ARPEN-SP
Re: ART. 56 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS
Data:03/02/2011 16:47
Cara (o) consulente:
A modificação prevista pelo art. 56, embora o dispositivo não explicite, também depende de sentença judicial. O requerimento deve ser efetuado através de processo a ser manejado em Juízo, assim como no caso (esse sim explicitado) do art. 57. O que muda é que na hipótese do art. 56 a modificação, realizada no prazo legal, não precisa ser justificada. Na hipótese do art. 57 a alteração só pode se operar por exceção e justo motivo.
Dep. Jurídico"
Recorri novamente à ARPEN, onde não obtive maiores esclarecimentos:
"Re: ART. 56 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS
Data:03/02/2011 20:56
Caríssimos
Ainda restam dúvidas que pediria a gentileza de esclarecer.
1. O dispositivo (art. 56) dispensa a assistência de advogado (ou por procurador bastante), de modo que o pedido é feito diretamente no cartório onde registrada a pessoa, e processada junto ao Juiz Corregedor (conforme o texto abaixo). Confere?
2. Minha maior dúvida é quanto à alteração do nome. Alterar significa mudar - incluir, excluir e/ou trocar. Até agora, tinha a convicção de que um Bruno, aos 18 anos, poderia trocar o seu nome por Vinícius, por exemplo. Tanto seria justificável o entendimento que, em qualquer outro período da vida, deve-se justificar o pedido (um nome como Ivirclode passar a Cláudia, por exemplo). Mas não neste. Quais as possibilidades do art. 56? Há divergência de entendimentos?
Antecipadamente grata,
Maria da Glória Perez"
A questão de fundo continuou não atendida:
"Averbações no nascimento
"I – Mediante requerimento do interessado
“a) O reconhecimento de filiação:
Quando do registro de nascimento só constar o nome do pai ou da mãe, posteriormente o nome do outro poderá ser incluído por averbação, feita mediante reconhecimento voluntário por escritura pública ou por instrumento particular com firma do(a) subscritor(a) reconhecida.”
“b) Alteração do sobrenome da mãe em virtude de casamento:
Quando por ocasião do registro de nascimento os pais não forem casados entre si e vierem a se casar depois e a mãe adotar o sobrenome do pai, a alteração poderá ser requerida diretamente ao Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais em que foi lavrado o assento de nascimento, a alteração do sobrenome materno mediante apresentação da certidão de casamento, cuja cópia autenticada será anexada a pedido.”
“c) Alteração de nome até um (01) ano depois completada a maioridade:
Até 01 ano após a maioridade, o (a) interessado (a) poderá requerer junto ao próprio cartório onde foi registrado (a) a alteração de seu nome, o que significa, por exemplo, incluir sobrenome da mãe que não foi aposto no momento do registro, não podendo por esta forma mudar prenome e suprimir sobrenomes. É necessário juntar ao requerimento cópia reprográfica autenticada da certidão de nascimento, devendo o requerimento estar com firma reconhecida.”
“Observação: Nos casos acima, embora o requerimento seja apresentado no próprio Cartório, a averbação solicitada só será feita após manifestação do representante do Ministério Público e autorização do Juiz de Direito Corregedor Permanente.”
Fonte: http://www.2cartoriorp.com.br/servicos2.asp?categoria=Averbação&cadastroid=10582"
Em verdade, a dúvida nos impulsiona a aprender.
O problema é que, no processo de aprendizado, surgem mais dúvidas, e muitas vezes a elucidação demanda tempo e trabalho.
Este é um caso.
Enveredei, pois, por um "e se" mais amplo e teórico.
A regra (ótimo, não absoluta) é a inalterabilidade do sobrenome e da possibilidade da alteração do nome, se justificada por exposição ao ridículo.
A exceção da alteração do nome estaria no art. 56, que não precisaria de justificativa.
No entanto, o cartório de Ribeirão Preto aceita a alteração do sobrenome (inclusão do sobrenome da mãe) e não faz menção ao nome.
Pode-se dizer que o art. 56 entende o nome como um todo. É uma interpretação.
Quando pergunto sobre a possibilidade da alteração do nome (não sobrenome), relacionada ao art. 56, há um vazio.
Busquei nos livros e nos sites de outros cartórios. Nada. Apenas reproduzem a letra da lei. Até mesmo a Maria Helena (Diniz).
Daí, a melhor resposta seria: poderia, até, ser possível, mas dificilmente existiria um cartório que o fizesse (fundamentado no art. 56).
É uma resposta prática e funcional, que atende sobremaneira as necessidades práticas.
Seria um bom tema para monografia (inclusive com pesquisa de campo).
Esboçada a questão, fui à uma das Varas de Família de minha comarca e falei com o diretor, para marcar uma audiência com a juíza. Ao expor o caso, ele me indicou o promotor de justiça Maximiliano Füher. Seria ele a pessoa que mais entenderia do assunto, em todo o fórum.
Esclareço que tive aulas com o professor Maximiliano e que, além de promotor de justiça, na área cível, é professor de Direito Penal na FDSBC e uma das cabeças mais brilhantes que conheci - nos não poucos anos que tenho de vida.
Feita a indicação, meu colega pediu expressamente que eu resolvesse prontamente minha dúvida e trouxesse a conclusão a ele, uma vez que o deixei sem resposta para uma dúvida nova.
Levei a questão ao meu mestre: foi excitante!
Muitos argumentos foram usados, de um lado e de outro. Como bons debatedores, entendíamos o pensamento um do outro, às primeiras palavras. Um diálogo ágil e revigorante: a letra da lei e o direito do requerente; o respeito à letra da lei e a alusão a um senhor certo senhor chamado Bonaparte; o direito certo do requerente que não pode excluir os demais, posto que a lei não há de privar alguém de um direito em razão de sua idade (se o direito é de todos, não pode ser de ninguém); o "para quê", que se pode discutir (ou que "não seja para quê" - ex: fraude) e o "porque", que não pode ser discutido. Foi uma viagem - de minutos, é claro, mas, como todos os nossos encontros, um grande prazer.
A conclusão, após o delicioso debate é: não há uma resposta.
A Curadoria de Registros Públicos de São Paulo tem como entendimento predominante não admitir a troca, por exemplo, de Bruno para Márcio. Eles tem a sua justificativa.
O que não impede que alguém, de nome Bruno, aos dezoito anos, incorformado porque negado o seu direito - afinal, é um direito - recorra da decisão.
O que também não impede a outras Curadorias que mantenham entendimento diverso da de São Paulo - "mantenham" é proposital, visto que a questão não se resolve, no tempo e espaço.
É um bom tema para monografia, com ampla pesquisa de campo e a imersão em princípios e diversas interpretações da lei.
Um artigo de duas linhas que pode rende um livro, uma vez que não temos a posição das demais Curadorias, que podem - ou não - ter entendimento contrário.
O dispositivo legal abre espaço para isso.
Daí a questão, após o debate, não estar fechada, posto que não há um entendimento uniforme sobre o assunto.
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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