A (DES) NECESSIDADE DO PROJETO FICHA LIMPA
Aprovado recentemente, a Lei Complementar nº 135 de 4 de julho de 2010, chamada “Ficha Limpa” surge no cenário político brasileiro como uma panacéia para tornar a política mais proba. Tal projeto de lei foi fruto de uma iniciativa popular que contou com a participação de quase dois milhões de pessoas. O projeto visa conferir legitimidade para se candidatar para cargos públicos apenas cidadãos com ficha limpa. Segundo o seu texto não pode se eleger o candidato que tiver condenação transitada em julgado (esgotados todos os recursos), ou seja, é necessário que esteja quite com a justiça. Vejamos então quais contribuições esse novo movimento trouxe para purificação da política brasileira.
O modelo de democracia adotado no Brasil é o representativo, assim sendo, elegem-se representantes para que estes criem leis, bem como sejam responsáveis pelos rumos do país. Destarte, a população também dispõe de meios para participar de forma direta na política, são eles o referendo, plebiscito e a lei de iniciativa popular. A Ficha Limpa foi fruto do último.
Estes mecanismos de participação popular raramente são utilizados, sendo um dos motivos a sua dificuldade de realização. Vejamos: uma lei de iniciativa popular, conforme dita a Constituição da República em seu art. 61, II, f, §2: “pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.” Torna-se evidente a tamanha mobilização que sua realização exige.
Como se percebe nos dias atuais, há certa indisponibilidade dos cidadãos para assuntos que vão além de seu trabalho. É difícil ser apresentada uma lei de iniciativa popular, ficando na maioria das vezes apenas no papel essa forma de participação direta da população.
Pois bem, tal lei após passar pelo calvário (deliberação/aprovação), logo em seguida foi questionado sobre sua aplicação já nas eleições do mesmo ano. Dentre os argumentos contrários a sua aplicação estava o de que desrespeitaria o art. 16 da Constituição da República, que profere: “A lei que altera o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência.” É evidente que o princípio constitucional estaria sendo ferido, tendo inclusive o STF decidindo neste sentido por cinco seis votos a cinco.
Deste modo, não haveria necessidade de uma lei que proibisse a eleição de políticos corruptos, se a população ao tomar conhecimento de tais condutas naturalmente não os elegessem. Partindo deste princípio, a Ficha Limpa surge como uma forma desesperada de impedir que bandidos se tornem representantes do povo. Não se estará com isso, reconhecendo que a população é facilmente manipulada a ponto de endeusar quem ao mesmo tempo age sem escrúpulos? Aguardemos quais outras propostas iram surgir, e quão realmente necessárias elas serão, pois já que se está utilizando um mecanismo de tamanha complexidade que é a lei de iniciativa popular, talvez os objetivos destes futuros projetos sejam mais pertinentes.