TRATADO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS É PASSÍVEL DE DENÚNCIA?
Por Nathanaela Honório Paulino da Silva¹
RESUMO
Os Direitos Humanos surgem no séc. XVIII, permeado pelos ideais abolicionistas (escravistas) mas também liberalistas (abolicionistas) com a promessa de progredir o sistema capitalista. Tem suas primeiras atuações, segundo Dalmo Dallari e a maioria dos doutrinadores, na Declaração de Direitos do Homem e do cidadão (1789), passando por alterações, até, hodiernamente, cumprir-se –principalmente- na Declaração Universal dos Direitos Humanos, representando um todo inseparável e interdependente dos direitos sociais, econômicos, culturais, sem os quais a dignidade da pessoa humana não se locupleta e no ordenamento jurídico através de tratado, cujo conteúdo encontra-se inserto no art. 4.º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil, sob o teor da emenda constitucional n.º 45 de 2004. Convenção a qual, sob os ditames do Código Civil é entendido como de natureza contratual e por tal percepção indaga-se a possibilidade de exclusão de país signatário através do instrumento de denúncia, tendo em vista os princípios de caráter interno e internacional.
Palavras-chave: Conceituação (Direitos Humanos, tratado internacional, contrato). Dispositivos. Princípios basilares à deliberação.
1 INTRODUÇÃO
Os Direitos Humanos são conhecidos como direitos fundamentais da pessoa humana, seu conceito e declaração informam que qualquer indivíduo pode reivindicar a liberdade –nos seus variados aspectos- e outros benefícios inerentes.
Configuram um ideal político e moral atrelado às perspectivas depreendidas dos ideais de justiça, igualdade e, a toda evidência, democracia.
Pela importância, este tema merece deliberações. Assim, oferecido o conceito de Direitos Humanos, informo que neste trabalho será referenciada a origem -majoritariamente aceita pelos doutrinadores- a cerca dos Direitos Humanos, bem como a equação acima exposta -sem pretensão de dar por esgotada as discussões-, de forma a estabelecer um paralelo entre os elementos inerentes à figura do contrato convencional e o contrato representado através de tratado/convenção, desvelando assim a intersecção que se faz entre tais - ou seja, os elementos que são comuns à prática daquelas operações jurídica-, bem como utilizar do aparato da interpretação teleológica dos princípios inerentes à deliberação. Além, irá contribuir -a título de conhecimento- informando a origem possível dos Direitos Humanos no planeta e sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro.
Para tanto, far-se-á considerações a cerca dos conceitos inerentes ao termo ‘tratado’ e a expressão ‘direitos humanos’.
Antecedentes históricos.
Os Direitos Humanos surgem, segundo o famigerado jurista Dalmo de Abreu Dallari, no século XVIII, nos países do norte (que eram, vale ressaltar, abolicionistas), nascimento esse que ia de encontro com os ideais capitalistas dos países do sul (escravistas).
Há pensadores, todavia, que acreditam em seu surgimento quando muito antes da existência de Cristo, inclusive. Portanto, o Código de Hamurabi é um de seus referenciais.
Seguindo a crença do emérito jurisperito Dalmo de Abreu a história dos Direitos Humanos se encabeça pelos fatos a seguir narrados.
Os países do norte decidiram idealizar, promover e apoiar uma convenção que visava a liberdade do cidadão, vindo a estopim a Declaração de Direitos do Homem e do cidadão (1789). Todavia, essa declaração –como o próprio nome sugere- divorciou os ideais do homem e do cidadão, isto implica que apenas o cidadão que era do sexo masculino, que tinha um poderio financeiro adequado e ainda propriedade, poderia participar da formação do Estado, ficando excluído o homem de baixa classe social. Ainda, a mulher foi cinicamente extirpada do corpo do texto emulador da égide elevada aos cidadãos.
Tal circunstância deu azo à manifestação (1791) de uma mulher chamada Olympe de Gouges, cujo pseudônimo aferiu a graça de Maria de Gouze, filha de açougueiro e de lavadeira. Esta nobre e corajosa senhora, autora da frase: “a mulher tem o direito de montar seu palanque”, tida como arruaceira e anarquista, manifestou a sua indignação face à patente desigualdade estabelecida etimologicamente –inclusive- na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. O fim de Gouze foi a guilhotina, em três de novembro de 1793. Mas, antes de seu óbito, Gouze escreveu a Declaração de Direitos da Mulher e teve esta aceita pela Assembleia Nacional.
Mas, enfim, os Direitos Humanos teve muitos altos e baixos naquela época (séc. XVIII), pois, os mesmos estavam apenas apontando um iceberg. Para ideia, enquanto os abolicionistas pregavam o ideal de liberdade, e -conjuntamente acolheu este e pregou ainda a fraternidade e igualdade a Revolução Francesa-, na promulgação da Constituição Francesa (1791), houve exclusão dos operários, das mulheres.
Ulteriormente, estiveram em vigor outros diplomas, mas, enfim, o que mais chegou perto da ideologia provinda da necessidade de implantação e cumprimento dos Direitos Humanos, foi a Declaração Universal de Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas (1948), justificada a partir da preocupação mundial para com os efeitos drásticos da guerra –como as práticas de genocídio: bomba a Nagasaki e Hiroshima e extinção da raça não ariana, praticada por Adolf Hitler.
Inserção dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro.
Comenta-se que a entrada dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico deu-se já na Constituição Imperialista, pois, estava salvaguardado o direito a liberdade e ao sufrágio - porém, desprovido de sigilo. Seguiram-se, tropicando das pernas os Direitos Humanos nas Constituições supervenientes, tendo sido suprimidos na Constituição de 1937 -quando Getúlio Vargas implantou o Estado Novo- tendo voltado à Constituição de após longos quase oito anos e assim permanecendo.
Hodiernamente, pode-se dizer que os Direitos Humanos estão solidificados. Até porque, na pista da formalidade, os Direitos Humanos estão garantidos –legalmente- em nossa Constituição Federal vigente, no art. 4.º, II, onde diz: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II – prevalência dos Direitos Humanos;”.
Ainda, por tratarem-se os Direitos Humanos a cerca de direitos essenciais à pessoa humana, é que auferem o substancial da conotação Direito e Garantias Fundamentais, caracterizados pela indivisibilidade, indisponibilidade, universalidade, imprescritibilidade, efetividade, inalienabilidade, inviolabilidade, e, portanto, cláusulas pétreas - como bem se admite o art. 60, IV, da CF/88. Destarte, ainda que o leitor pense: ora, as normas atinentes aos Direitos Humanos são consideradas como se emendas constitucionais fossem, tanto, que são passíveis de deliberações -orientação dada pelo próprio artigo 5.º, CF, em seu parágrafo 3.º. Sim, pois bem caro leitor, a letra da lei informa tais verbetes, todavia, o que calha relevantemente destacar é a finalidade dos dispositivos que indicam os Direitos Humanos. Então, se o objetivo do art. 1.º da Declaração Universal de Direitos Humanos informa que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” e, o art. 1.º da CF/88 lembra-nos a seguinte máxima: a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, ou seja, que todo ser humano deve ser respeitado de forma a ser merecedor de todas as égides lhes dada no texto normativo legal, implica-nos concluir que, além de dar-se compatibilidade de texto do tratado internacional retrocitado e o texto legal do artigo supra, seu referencial deve estar pautado nas prerrogativas decotadas pelos Direitos e Garantias Fundamentais, já que estas narram apologia à igualdade, liberdade e fraternidade (por representarmos uma sociedade) de tal forma que, não suscita dúvidas a respeito da expressão predicativa ‘cláusula pétrea’ às normas de Direitos Humanos instaladas em nosso ordenamento pátrio, visto constituírem garantias fundamentais, essenciais e portanto, inderrogáveis!
Compreensão do tratado como um contrato e discussão a respeito da possibilidade de denúncia por parte do país signatário de Tratado de Direitos Humanos.
Porém, ainda pode o leitor compreender que o tratado é nada mais que um contrato, onde, houve observância dos elementos figurantes: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei” e ainda, os elementos subjetivos de validade de contrato: vontade das partes e alcance do(s) objetivo(s) contratado a partir da transigência dos signatários (aperfeiçoamento do contrato), atendendo assim à função social do contrato: inocorrência de dano à terceiro.
Neste espectro, tratado é:
“acordo resultante da convergência das vontades de dois ou mais sujeitos de direito internacional, formalizada num texto escrito, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos no plano internacional. Em outras palavras, o tratado é um meio pelo qual sujeitos de direito internacional – principalmente os Estados nacionais e as organizações internacionais – estipulam direitos e obrigações entre si.”
Assim, analisam-se presentes em ambos os conjuntos (contrato x tratado) os seguintes elementos: autonomia da vontade, formalidade, fim social, função social do contrato. Nessa pista, o tratado pode ser considerado, sim, um contrato. De tal forma que surge a equação título destas deliberações: afinal, pode o Tratado Internacional de Direitos Humanos ter como exclusão país signatário?
Para dirimir tal querela, além de –como já comentado- os Direitos Humanos alcançarem o patamar de Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana e, portanto, distinguirem-se dos demais a ponto de configurarem cláusula pétrea, e de tal inferência já poder-se concluir pela resposta negativa àquela indagação, vale atentar-nos para os Princípios-brasileiros-chaves, quais sejam: Princípio da Autonomia da Vontade e Princípio da Dignidade Humana, da Segurança Jurídica, da Boa-fé jurídica, da Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, que dizem às nações, respectivamente: você, país, tem autonomia para contratar o que desejar com quem desejar desde que o objeto de seu contrato seja lícito e que seu fim não prejudique terceiro não participante. Você pode romper este contrato, inclusive, antes do prazo que fora acordado para a execução daquele objetivo, porém, em tendo aquele sido ratificado –in casu, pelo Presidente da República- e por tratar-se de direitos fundamentais, essenciais à existência digna, saudável e integrativa do ser humano, tu, signatário, tens que respeitar o acordado, apresentando-se, portanto, com boa-fé, pois, estão –aqueles- guarnecidos pela qualidade supra inteligível. Além do que, signatário, in casu, o país contraente teve por finalidade o progresso da humanidade - que é ou deveria ser objetivo de todos nós. Portanto, é inelutável este teu desiderato, diante da necessidade de manter-se intacto os vetores que visam o bem da humanidade.
Além do que, o art. 5.º, no seu parágrafo 3.º, bem expressa que, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os provenientes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, de tal modo que, ela está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil “se incluem” no nosso ordenamento jurídico interno. E, se assim é, são aqueles, inalteráveis e objeto de proteção não tão somente de seu signatário, mas de toda uma nação. Afinal, se é necessário atender-se à função social do contrato, não podendo prejudicar-se terceiro não contraente na hipótese de exclusão de signatário em acordo que versasse sobre Direitos Humanos, estariam sendo prejudicadas parcelas de pessoas - que não tiveram sua cidadania exercida diretamente, mas tão somente seria vítima de um monopólio bélico de poderio político-administrativo. De tal forma que é inadmissível –a toda evidência- serem, tratados de Direitos Humanos objeto de exceção ou seja, de quaisquer formas de desobrigação de signatário.
Enfim, “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos.” (Hannah Arendt).
2 CONCLUSÃO
Mediante o exposto, infere-se que, quer pela qualidade auferida aos Direitos Humanos, qual seja, a de constituírem Direitos e Garantias Fundamentais –no espaço interno e externo-, quer pela prerrogativa de a doutrina delegar aos tratados pertinentes àquela disciplina convergência de lei, de ius cogens, de normas imperativas sobre quaisquer outras, aos tratados que se referirem aos Direitos Humanos são impassíveis de exclusão de país signatário, de modo que, uma vez pactuado e devidamente reconhecido, o tratado deve ser respeitado e fielmente cumprido, cabendo-lhes penalidades.
Todavia, as discussões atinentes ao Direito, devem ser contínuas e progressivas, de modo a acomodar-se com à realidade, assim, o entendimento aqui exposto e argumentado não tem caráter uníssono, devendo ser contraditada e discutida, para que se chegue a um denominador comum. Pois, o que vale é a força do direito superar o direito da força (Rui Barbosa).
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¹ Estudante de Bacharelado em Direito - 9.º período- pela Faculdade Cathedral (Campus Boa Vista-RR) e escritora entusiasta.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
4.1 CITADAS
BRASIL. Constituição Federal. 6.ª ed. São Paulo: Rideel, 2009.
4.2 CONSULTADAS
_______________. Wikipédia, Constituição Francesa. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa#A_Constitui.C3.A7.C3.A3o_de_1791; acesso em: 15.10.2010;
________________. Wikipédia, Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_dos_Direitos_do_Homem_e_do_Cidad%C3%A3o; acesso em: 15.10.2010;
________________. Wikipédia, Olympe de Gouges. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Olympe_de_Gouges; acesso em: 15.10.2010;
_________________. Direitonet, Contratos. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/contratos/dicas/; acesso em: 15.10.2010;
_________________. Wikipédia, tratado. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado; acesso em: 15.10.2010;
Anotações de palestra do emérito Professor Dalmo de Abreu Dallari. Auditório paricarana, UFRR. Em: 06.10.2010.