CONTADORES DE HISTÓRIAS
JURISTAS CONTADORES DE HISTÓRIAS
EVILAZIO RIBEIRO
Certa feita, em uma das minhas reuniões em clubes e restaurante as sextas feiras para almoço com amigos, um professor de direito me disse que todo jurista é um historiador cauteloso. De certo por considerar como pressuposto de existência de num operador do direito a consciência de historicidade permeando o discurso jurídico no que trouxe relativismo a um dos grandes dogmas da humanidade que é a busca da verdade de formas jurídicas.
Se pensarmos bem, nos daremos conta de que os juristas (profissionais do direito) pertencem a uma classe particular de contadores de histórias, afinal, juízes, promotores e advogados não fazem outra coisa senão contar suas próprias histórias a partir de outras tantas. Mas todos contam histórias e, pois, dão sua própria versão dos fatos. Sim, porque o que pretendem como simples “sentença”, “denúncia”, “testemunho”, “fatos” e exposições não é uma pura narração, mas uma construção, isto é, uma interpretação a partir do que a mente percebe e a memória retém.
Trata-se, enfim, de uma história recontada conforme os nossos sentidos, as nossas necessidades, os nossos interesses, as nossas crenças, as nossas limitações. Não existem fatos; só existem interpretações (Nietzsche), mesmo porque o direito escreve roteiros que permitem aos atores grande margem de improvisação. De acordo com François Ost, entre direito e literatura, solidários por seu encaixamento no imaginário coletivo, os jogos de espelho se multiplicam, sem que se saiba em última instância qual dos dois discursos é ficção do outro. Assinala ainda que, ao invés de se afirmar que o direito se origina dos fatos (ex facto ius oritur), seria mais exato dizer ex fabula ius oritur: é da narrativa que sai o direito. (Contar o Direito: as fontes do imaginário jurídico. Porto Alegre: Editora Unisinos, 2005, p. 24).
Que são afinal os grandes advogados senão exímios contadores de histórias, e que, como bons contadores, contam-nas conforme o seu respectivo auditório (juiz, tribunal etc.), com ele interagindo e persuadindo-o?
Enfim, que fazem os juristas senão contar histórias, mais ou menos verossímeis, mais ou menos exatas, no seu próprio interesse e no interesse de seus clientes Estado, réu, vítima, etc.?
Também por isso não surpreende quão arbitrários podem ser nossos juízos de valor, afinal em última análise interpretamos o mundo e tudo lhe diz respeito conforme o nosso grau de envolvimento e identificação com os personagens, dramas e temas em julgamento.
Não é por acaso que tendemos a compreender e perdoar as pessoas de quem gostamos e, pelos mesmos atos, abominamos aqueles que nunca vimos ou conhecemos; uns cometem “erros”, outros crimes. Não por outra razão é que a lei declara-o impedido ou suspeito o juiz segundo o grau de parentesco (ou amizade) com as partes do processo.
Por tudo isso talvez tenhamos muito mais a aprender com a literatura, o teatro grego, o cinema, a música, a arte, do que com os códigos. Porque a interpretação, na arte como no direito, mais do que técnica e razão, requerem muito talento e muita sensibilidade.
“Nietzsche escreveu: “Minha sentença principal: não há nenhum fenômeno moral, mas, antes, apenas uma interpretação moral desses fenômenos.” Essa interpretação é, ela própria, de origem extramoral.
E cabe parafraseá-lo: minha sentença principal: não há nenhum fenômeno jurídico,mas, antes, apenas uma interpretação jurídica, desses fenômenos. Essa interpretação é, ela própria, de origem extra jurídica.