Breves considerações sobre o processo administrativo
Gisele Leite
Denise Heuseler
O artigo presente não tem a intenção de esgotar tão relevante tema mas tão-somente traçar breves linhas gerais e didáticas.
Diverge a doutrina sobre a definição de processo administrativo embora tenha pouca relevância prática. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo definem como uma série de atos ordenados em sucessão lógica, a qual tem por finalidade possibilitar à administração pública a prática de ato administrativo final ou a prolação de decisão administrativa final.
Por “ato administrativo final” significa somente que se trata de um ato ou decisão que encerra aquele processo, por vezes exaurindo a via administrativa, ou seja, acarretando a preclusão da matéria no âmbito administrativo, porém não se trata de ato ou decisão imutável pois é inafastável o controle judicial (art. 5º, inciso XXXV da CF).
O processo administrativo é um dos mais importantes instrumentos de garantia dos administrados ante o desempenho da função administrativa. E, atualmente é disciplinado pela Lei 9.784/99 que estabelece normas aplicáveis à Administração Pública Direta e Indireta para proteção dos direitos dos administradores e ao melhor cumprimento dos fins estatais.
A referida lei disciplina ainda os princípios da Administração Pública, os direitos e deveres do administrado, da competência, do impedimento e suspeição da forma, tempo e lugar dos atos do processo da comunicação, instrução, decisão, motivação, anulação, revogação, convalidação dos atos dos recursos administrativos e, por fim, dos prazos.
Cumpre ainda distinguir claramente processo de procedimento. Sendo processo o método de composição de lide enquanto o procedimento é o ritmo desse método.
Procedimento designa a sucessão encadeada de atos que objetivam a prática de um ato final. Refere-se ao rito que se desenvolve dentro do processo.
Segundo a lição Odeth Medauar processo abarca sobretudo a atuação dos sujeitos sob o prisma do contraditório. Aliás, Elio Fazzalari respeitável doutrinador italiano que tanto seduz o estudo do processo contemporâneo aduz que:
“Em sendo o contraditório o elemento definidor do processo, que o distingue do procedimento, é necessário analisar a sua estrutura.
Anteriormente, o contraditório era visto como a simples participação dos interessados no processo. Mas, como ressalta Fazzalari, a participação é exigida não só do autor ou do réu; participam do processo, como sujeitos processuais: o juiz, os seus auxiliares, o Ministério Público, os peritos e também os autores e os réus. Sob esse enfoque, todos são partes.”
Nesse sentido o renomado doutrinador italiano define processo como procedimento em contraditório, exige que os interessados e os contra-interessados – entendidos como os sujeitos do processo que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento – participem em simétrica paridade do iter procedimental, para a formação do provimento.
Rendo aqui minha sincera homenagem a Elio Fazzalari que veio a falecer aos 85 anos no último 2 de julho que além de ter sido emérito da Università di Roma, de Urbino, Pisa e Bologna deixando como precioso legado seus preciosos e consistentes ensinamentos para a ciência jurídica do processo.
Bandeira de Mello explica que diante a referida distinção, destacou-se a expressão “processo” apenas os assuntos contenciosos, providos de garantias e, encerrados por julgamento administrativo, tais como as decisões em processos tributários ou disciplinares.
O processo é instrumento adotado normativamente para dirimir controvérsias na sociedade. Portanto, é mecanismo legal utilizado para pacificação coletiva e consistente na relação jurídica que se desenvolve através de um conjunto ordenado de atos, cujo ápice culminante é a decisão final sobre o objeto do litígio existente entre os interessados.
Portanto, o processo administrativo é o vínculo jurídico formado no âmbito administrativo com o fim de servir de instrumento legal à solução dos casos concretos verificados entre o Poder Público e o servidor a esta vinculada, ou ainda em face dos seus administrados.
É clássica a divergência entre processo e procedimento que se encontra atualmente superada pois o processo administrativo se traduz em ser todo feito cujo trâmite se dá na esfera da função administrativa estatal, sendo inclusive, a terminologia utilizada pela própria Constituição Federal Brasileira (art. 5º, inciso LV) e, ainda, repisada pelas normas infraconstitucionais.
Trata-se de relação jurídica disciplinada por lei, no sentido de condicionar a atuação dos litigantes (Administração Pública e interessado que pode ser um licitante ou contribuinte).
Importante frisar que os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por normas próprias, aplicando-se subsidiariamente os preceitos da Lei 9.784/99. A referida lei não é de âmbito nacional, pois poderá cada ente federado no exercício de sua autonomia (art. 18 da CF) elaborar normas aplicáveis aos processos de sua competência, bem como os de competência distrital ou municipal conforme o caso.
De toda sorte, a principal fonte normativa aplicável a esse processo será sempre a própria Constituição Federal que impõe o princípio do contraditório e da ampla defesa, além do princípio do devido processo legal e demais garantias criadas exatamente para proteção tanto dos litigantes como da justiça.
Assim, a Administração Pública em seus diversos níveis está obrigada por vias constitucionais e, portanto, cogentes, a assegurar aos que com esta litigam e àqueles a quem imputar a prática de ilícitos administrativos o devido processo legal.
E, por essa razão abrange o direito ao conhecimento do teor da acusação formulada pelo ente público, o direito ao arrolamento de testemunhas, o direito ao procedimento dialético pautado no princípio do contraditório, e o direito à igualdade entre a acusação e a defesa e ainda de ser julgado somente diante provas legitimamente obtidas ( art. 5º; inciso LVI da CF/1988).
Tem como finalidade de provar e estabelecer a validade da atuação estatal como meio capaz de legitimar tais atos da Administração Pública principalmente quando tais medidas atingirem diretamente os direitos dos seus administrados.
Também visa ser mecanismo de uniformização das atividades desenvolvidas pelos entes estatais (vide art. 7º da Lei 9.784/99) facilitando também o controle interno ou externo dos atos administrativos.
Os princípios são preceitos básicos, vetores axiológicos que orientam a atuação do gestor público e dos interessados e, alguns desses princípios estão elencados no art. 2º da Lei 9784/99 mas admite igualmente a existência de outros princípios também consagrados tanto na doutrina como na jurisprudência de nossos tribunais.
As fases processuais compreendem um agrupamento de atos processuais ordenados e sucessivos, possuindo estes a mesma finalidade no decorrer da tramitação. Em regra observamos que temos a fase de instauração, de instrução, o relatório e o julgamento.
Entretanto, há outros processos que acrescentam outras fases no seu rito, como os de natureza punitiva que incluem, a defesa entre as fases de instrução e do relatório (particularmente no processo administrativo disciplinar.
Sobre a fase decisória do processo administrativo onde o julgador profere a decisão sobre seu objeto. Tal fase corresponde a um poder-dever da Administração Pública, pois conforme o art. 48 da Lei 9784/99 tem o dever de decidir sobre solicitações, reclamações ou processos administrativos em matéria subordinadas à sua competência funcional.
Deverá a decisão estar fundamentadas nas provas ou informações existentes no processo administrativo, não podendo ser utilizado como base para julgamento nenhum elemento que não conste nos respectivos autos.
Deve a motivação ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão partes integrantes do ato decisório.
A coisa julgada administrativa corresponde ao atributo da decisão que a torna inalterável em face da inexistência ou esgotamento de recursos contra esta cabíveis, implicando, assim, a imutabilidade do julgado e dos termos em que fora prolatado.
A referida coisa julgada apenas acarreta a inalterabilidade da decisão dentro do âmbito administrativo, não impedindo, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que o interessado possa, eventualmente, propor a ação judicial cabível à defesa de seus direitos e interesses.
Desta forma, pode ao administrado diante da decisão administrativa desfavorável e contrária aos seus interesses, recorrer ao judiciário com o escopo de modificá-la ou até mesmo anulá-la.
Porém, a coisa julgada administrativa proferida pela Administração Pública possui força imutável e adquire força vinculante para esta, formando o que se denomina efeito conformativo. O que torna insuscetível de revisão judicial por iniciativa da própria Administração Pública por ser inafastável sua obrigação de executar essa decisão.
Convém apesar de forme breve tecer definição sobre o processo administrativo disciplinar pois é meio formal utilizado pela Administração Pública para a apuração de faltas disciplinares ou violação de deveres funcionais, be como para imposição de sanções administrativas a servidores públicos. Seu objeto, pois, é a averiguação de infrações administrativas e a aplicação das correspondentes punições aos agentes responsáveis.
Possui dupla finalidade de proceder à apuração de condutas irregulares ocorridas na seara administrativa, aplicando as correspondentes sanções legais, e de servir de instrumento de controle interno das atividades desempenhadas pelo Estado, coibindo eventuais infrações praticadas por aqueles que atuam em seu nome.
A Emenda Constitucional 45/2004 que instituiu a Reforma do Judiciário veio a garantir definitivamente o amplo acesso à justiça e a maior celeridade na prestação jurisdicional ex vi o inciso LXXXVIII do art. 5º da CF.
Assim corrobora a oficialidade enquanto princípio garantidor da iniciativa do processo administrativo ex officio mesmo sem a necessidade de provocação de terceiro.
A oficialidade que é aplicada em três fases: na instauração, na instrução ou andamento do processo (admitindo o requerimento de diligências, pareceres, laudos e informações e, ainda a investigação dos fatos). E, por fim, a revisão dos próprios atos (complementado pelo princípio da autotutela da Súmula 473 do STF).
A não obediência ortodoxa à forma e aos procedimentos previstos que é denominado de informalismo ou formalismo moderado indica que a forma para o processo administrativo deve ser observada na medida do razoável e proporcional ao atendimento dos interesses públicos ou da garantia dos direitos dos administrados.
Frise-se que o art. 22 da Lei 9784/99 expõe que os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir. Predomina pois a atipicidade de ilícitos e infrações administrativas que são previstas geralmente através de conceitos jurídicos indeterminados ( tal como falta grave ou procedimento irregular).
A autoridade julgadora tem discricionariedade para enquadrar a falta e a dosagem adequada da pena ao caso concreto em função da gravidade do ilícito e de suas consequencias para o serviço público.
Celso Antonio Bandeira de Mello denomina a pluralidade de instâncias administrativas como o princípio de revisibilidade e garante ao administrado recorrer da decisão que não lhe seja favorável.
Os recursos hierárquicos podem chegar até a autoridade máxima da organização administrativa. Todavia, se a decisão já partir da autoridade máxima, pode-se apenas adentrar com o pedido de reconsideração, restando ao administrado, se não atendido, buscar as vias judiciais.
O art. 57 da Lei 9784/99 restringe o direito de recorrer a três instâncias administrativas, salvo disposição legal em sentido contrário. O direito de recorrer é garantia constitucional relacionada com a ampla defesa e com o devido processo legal.
Deve a Administração Pública procurar a verdade material ou substancial. Aliás, o princípio da verdade real é corolário da oficialidade, uma vez que a Administração não deve se restringir ao alegado pelas partes, mas pode, de ofício investigar os fatos e ainda solicitar informações.
Predomina nos recursos administrativos também um formalismo atenuante bem diferente do presente no nosso processo civil, pois nesses recursos se admitem argüições que contenham novas alegações; a matéria de fato pode ser reexaminada e também sendo cabível produção de novas provas.
Persiste no âmbito administrativo a vedação de uso de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI da CF). Assim, a autoridade administrativa não pode utilizar ou determinar a realização de prova que macule qualquer das garantias constitucionais relativas ao processo. Tais como a inviolabilidade do domicílio, ou que intercepte comunicações telefônicas ou correspondências epistolares ou virtuais.
Outro relevante princípio é o da participação popular na gestão e no controle da Administração Pública revelando-se como conseqüência do modelo de Estado democrático de Direito explicitamente adotado pela Constituição de 1988.
São diversas as normas garantidoras da participação da população da Administração ( arts. 10, 187, 194 e 206, VI).
Cumpre destacar que foi a EC 45/2004 redimensionou a redação do inciso XI do art. 93, no sentido de exigir que as decisões administrativas dos tribunais, além de motivadas,m também sejam tomadas em sessão pública, para que haja maior controle popular.
Inclusive existe legislação infraconstitucional que prevê mecanismos de participação ou de controle de pessoas de fora da Administração, tais como a audiência pública, a consulta pública, a ouvidoria e o disque-denúncia, etc.
Em 2007, o STF decidiu que é inconstitucional a exigência, mesmo quando estabelecida em lei, de depósito prévio, arrolamento de bens e qualquer outra imposição onerosa ou que implique em constrição patrimonial, como condição de admissibilidade de recursos administrativos concernentes a tributos.
É inconstitucional a exigência de depósito prévios de dinheiro ou arrolamento de bens para admissibilidade de recursos administrativos. Em regra geral, possuem os recursos administrativos somente o efeito devolutivo (que torna a matéria recorrida objeto de nova apreciação). Mas, para ter o recurso obter o efeito suspensivo (que suste a eficácia do ato impugnado) é indispensável haver expressa previsão legal.
Bem, pessoal espero que com essas linhas gerais tenha logrado êxito expor de forma adequada as principais informações a respeito do processo administrativo para continuarmos nossos estudos...
Referências
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. Série Leituras Jurídicas, Provas e concursos. 2ª edição, Editora Atlas.
BARRETO, Alex Muniz. Direito Administrativo Positivo. Editora Forense, Grupo GEN.