ANÁLISE DE CASO CONCRETO E CONFLITO EXISTENTE NO ERRO MÉDICO: PARECER E POSICIONAMENTO BASEADO NA TRÍADE CONSTITUIÇÃO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

silvania mendonça almeida margarida

“Valeis o que vale o vosso coração.”

Carol Wojtyla

Resumo

O direito tem por escopo, dentre outros, impor e manter a ordem social, bem como diminuir as tensões existentes nas relações públicas e privadas que circundam o Estado democrático de Direito. Diante da análise de estudos de caso concretos para a validade e pesquisa da Ciência Jurídica o posicionamento foi escolher uma jurisprudência que consta um erro médico e raciocinar a Dignidade humana no que se afirma ser precípuo o direito à vida e à felicidade.

1 INTRODUÇÃO

De muito já diz o valioso provérbio: “o Direito não socorre quem dorme”. Refletir em Direitos Humanos, discorrer em direitos fundamentais, ponderar em direitos do homem é, inexoravelmente, raciocinar em dignidade humana, em vida, em socorro aos direitos do homem que estão acima de qualquer coração uno, pois na realidade este é um coração coletivo, que abarca a toda sociedade, a toda integridade da pessoa-indivíduo, da própria vida! Mas não basta viver, há de existir vida de forma decente, mais do que racional, vida digna, harmônica, há de se reconhecer o direito do homem de ser feliz!

Quando o Grande Papa, João Paulo II, afirma: “valeis o que vale vosso coração”, ele também estava confabulando com a sociedade atual, reafirmando valores humanos há muito esquecidos, lembrando-lhes de que para a humanidade, o coração, o amor, a solidariedade são questões da Justiça Una e válida.

Ao prosseguir nossos aprimoramentos, pode-se afirmar, ao longo da história da humanidade, que tempos, em épocas transepocais, um cientista jurídico que arriscasse articular o direito à felicidade poderia padecer sérias consequências, da ridicularização à interdição. O tempo passou e a situação mudou, ou melhor, está mudando. Está implícito e explícito nos tratados internacionais, nos direitos humanos, materializados nos direitos fundamentais do homem, nos ordenamentos jurídico-sociais, na nossa Carta Maior, a Constituição Federal de l988, o Direito à Felicidade! E não se pode dormir!

O direito nada mais é do que uma nova exterioridade dos direitos da originalidade do homem, e advém ele, o direito, da mais importante norma posta no ordenamento jurídico nacional vigente, qual seja, o princípio norteador da República Federativa do Brasil, o direito ao respeito da dignidade da pessoa humana! Tudo o mais decorre daí!

Assim temos que os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 estão inseridos no título II, subdivididos em cinco capítulos:

• Direitos Individuais e Coletivos - são os direitos da própria pessoa humana e de sua personalidade (exemplo: vida, dignidade, honra, liberdade).

• Direitos Sociais - são liberdades positivas de um Estado Social de Direito. Visa à efetiva igualdade social.

• Direitos de nacionalidade.

• Direitos políticos;

• Direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos

O ordenamento constitucional então, tendo como fundamento de validade a garantia da qualidade da vida humana, de acordo com a Constituição de 1988, enquanto pressuposto garantidor da própria dignidade da pessoa humana, traçou as linhas básicas da proteção pessoal, em casos concretos, Restou evidenciado o verdadeiro potencial do direito constitucional enquanto parte, membro da família da Justiça Universal.

Ao se entrever, ao se explicitar os direitos fundamentais sobre casos concretos, podemos afirmar que este é o escopo primeiro deste trabalho. Analisar-se-á durante o desenvolvimento uma jurisprudência de erro médico, que tem por ementa um RECURSO ESPECIAL DE JPGB E OUTROS. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. HOSPITAL MUNICIPAL. AMPUTAÇÃO DE BRAÇO DE RECÉM-NASCIDO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM FAVOR DOS PAIS E IRMÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, do município do Rio de Janeiro, julgamento ocorrido em 21/10/2008, publicado em DJe 04/12/2008, tendo como relatora a Ministra DENISE ARRUDA.

2 ANÁLISE DE CASO CONCRETO E CONFLITO EXISTENTE ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: PARECER E POSICIONAMENTO BASEADO NA JURISPRUDÊNCIA, CF E DOUTRINA CONSTITUCIONAL

Os direitos fundamentais são podem ser conflitantes no tange à proteção da vida do homem. A vida é o seu bem máximo e valorativo acima de tudo. A valorização da vida humana e o status dignitatis reconhecido podem fazer valer a máxima – dentro de uma interpretação sistêmica da Constituição Federal ditada a exemplo nos artigos 1º, III, 5º– que a proteção da pessoa fora erigida à categoria de direito fundamental justamente porque o homem tem o direito de viver, ser salutar e concomitante ser perfeito. Ao ferir o princípio da dignidade humana, a profissão do médico, deve aprofundar estes conceitos e assim escolas de medicina formar cidadãos capazes e atuantes na sua máxima: proteger a vida. O que acontece a um indivíduo quando ele é vítima de um erro médico?

A iniciação da jurisprudência para estudo fere a dignidade humana do recém-nascido, como contado nos autos:

Na hipótese dos autos, em Hospital Municipal, recém-nascido teve um dos braços amputado em virtude de erro médico, decorrente de punção axilar que resultou no rompimento de veia, criando um coágulo que bloqueou a passagem de sangue para o membro superior.

Ainda que derivada de um mesmo fato - erro médico de profissionais da rede municipal de saúde -, a amputação do braço direito do recém-nascido ensejou duas formas diversas de dano, o moral e o estético. O primeiro, correspondente à violação do direito, à dignidade e à imagem da vítima, assim como ao sofrimento, à aflição e à angústia a que seus pais e irmão foram submetidos, e osegundo, decorrente da modificação da estrutura corporal do lesado,enfim, da deformidade a ele causada. (Disponível em: http //www.stj.gov.br Acesso em 26 de agosto de 2009)

Ainda a mesma jurisprudência relata que:

Não merece prosperar o fundamento do acórdão recorrido no sentido de que o recém-nascido não é apto a sofrer o dano moral, por não possuir capacidade intelectiva para avaliá-lo e sofrer os prejuízos psíquicos dele decorrentes. Isso, porque o dano moral não pode ser visto tão-somente como de ordem puramente psíquica - dependente das reações emocionais da vítima -, porquanto, na atual ordem jurídico-constitucional, a dignidade é fundamento central dos direitos humanos, devendo ser protegida e, quando violada, sujeita à devida reparação (idem)

A doutrina constitucional brasileira é clara na assertiva de que acima de tudo, um ser humano é sujeito de direitos, capaz de conquistar espaços,capaz também de obter destaque perante pessoas comuns, portanto merecedora de descobrir seu espaço social. No caso concreto do recém-nascido com o bracinho amputado, toda a atitude deste erro médico será apartadora, segmentadora, despadronizada, excludente, tendo em vista que ele foi restringindo naquilo que lhe é mais caro, o seu corpo perfeito.

Um outro provérbio da psicologia, antigo afirma que: “mente sã, em corpo são”. Uma vez, como pessoa amputada, o seu desenvolvimento social será adverso da realidade mental. Ele se excluirá e será excluído, e, portanto, os seus direitos serão restritos, encontrará barreiras trabalhistas, Ele será desigual, e a base de igualdade de oportunidades entre os cidadãos faz parte do Estado Democrático de Direito.

Por outro lado, afirma a autora Giostri (2001, p.43) sobre o médico: “Imperícia é a falta de habilidade para praticar determinados atos que exigem certo conhecimento. "É a ignorância, incompetência, desconhecimento, inexperiência, inabilidade, imaestria na arte ou na profissão". “

E também:

A nosso ver, não se trata exatamente de imperícia, mas de incapacidade, pois se o médico está habilitado por um diploma, não quer dizer que o mesmo esteja capacitado para todas as demandas de uma profissão tão ampla quanto a medicina. Dispõe ele, sem dúvida, de um habilitação, mas anexada a uma presunção de capacidade. (2001, p.43)

O Poder Público frente a essa nova realidade deve adequar seu agir de modo a, sem tolher a iniciativa individual, amoldá-la aos interesses da sociedade, a fim de possibilitar a real divisão de direitos e deveres dos cidadãos em face da busca do bem comum. É necessário reconhecer situações de desigualdade, para posteriormente revertê-las na tão almejada e consagrada igualdade, prevista na Carta Magna. Entretanto, definir tais situações, exigem que seja demonstrada a intenção do legislador em inserir o referido conceito no texto constitucional.

Dos direitos fundamentais garantidos pela Carta Magna, a vida é o mais importante, afirmando Alexandre de Moraes que ao Estado incumbe: “ [...] assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à sua subsistência”.

Assim é que já restara apontado o caráter fundamental deste direito, acobertado pelo manto das clausulas pétreas constitucionais. Imperiosa assim a necessidade de proteção contra o erro médico, de valorização da vida humana, justamente porque a omissão estaria permitindo o contrário, qual seja, a degradação, a destruição, a desvalorização da vida e do ser humano em última – ou primeira – análise, exemplificado por este caso concreto.

A jurisprudência estudada delineia que:

O Ministro Luix Fux, no julgamento do REsp 612.108/PR (1ª Turma,DJ de 3.11.2004), bem delineou que "deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas,dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual".. Com essas considerações, pode-se inferir que é devida a condenação cumulativa do Município à reparação dos danos moral e estético causados à vítima, na medida em que o recém-nascido obteve grave deformidade - prejuízo de caráter estético - e teve seu direito a uma vida digna seriamente atingido - prejuízo de caráter moral. Inclusive, a partir do momento em que a vítima adquirir plena consciência de sua condição, a dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação certamente serão sentimentos com os quais ela terá de conviver ao longo de sua vida, o que confirma ainda mais a efetiva existência do dano moral. Desse modo, é plenamente cabível a cumulação dos danos morais e estéticos. (Disponível em: http //www.stj.gov.br Acesso em 26 de agosto de 2009)

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já consagrava no capítulo próprio "Da família, da criança, do adolescente e do idoso", a regra que se aplica precipuamente, à criança, que prescreve:

Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Fica clara a importância de se promover ações no sentido de permitir ao recém-nascido amputado que desfrute de oportunidades oferecidas às pessoas que não possuem limitações. Desse modo, o Estado garantiu, ao dar ganho de causa, os danos morais e estéticos, tratamentos especiais nas áreas de saúde, educação e transporte, como forma de adaptar a estrutura irá fluir na vida deste pequeno cidadão.

Assim, a integridade do recém-nascido e de sua família foi amplamente ferida, sendo que neste caso jurídico é fundamental se preservar o princípio da igualdade, constante no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal. Ao servir de exemplo para a profissão e possíveis erros médicos, o Estado deve promover ações objetivando assegurar a inclusão, deve cobrar dos Conselhos de Medicina novas posturas que não afetem a dignidade humana, naquilo que se mais preza, o direito à saúde e à vida, para assegurar o cumprimento dos fundamentos constitucionais constantes no art. 5º.CF.

Feitas as considerações acerca dos direitos fundamentais, imperioso mencionar que, em se tratando de erros médicos, é mister que haja um forte intercâmbio entre os ditos direitos fundamentais e a Medicina, haja vista que a celeridade das profissionalização das Ciências da Saúde, torna-se cada vez mais incontrolável, clamando por um repensar da ética, a qual deve aliar-se ao Direito, possibilitando uma imputação justa da responsabilidade relativa à vida humana.

Assim, não há que se ver a ética como um entrave ao desenvolvimento da ciência, mas sim como um conjunto de valores que, somados aos direitos fundamentais, ensejariam a possibilidade dos médicos desenvolverem seus estudos, ainda que errando, mas não catalisando vidas humanas. Errar para acertar, nos experimentos que a própria medicina oferece, nos “manequins próprios de estudos” e outras espécies. O médico lida com a vida humana e de forma responsável deve ter como fim precípuo a garantia à vida digna.

Para a configuração de teorias básicas acerca do tema, imprescindível conciliar os direitos humanos, sejam de ordem normativa ou principiológica, à filosofia constitucional. O Direito Constitucional, ao longo dos anos, é destacado por ser fundamental à organização e ao funcionamento do Estado. Tem por objeto estabelecer o modo de aquisição e a limitação do poder, através da previsão de diversos direitos e garantias fundamentais. É o conjunto de normas escritas que norteia toda a Nação Brasileira, sendo colocada no ápice da pirâmide normativa. A partir da lei constitucional é que surgem as leis infra-constitucionais que regulamentam matérias mais especificas, apesar de evidente no texto constitucional.

A humanidade sempre conviveu com a existência de pessoas com limitações de toda a natureza. Acontece que, muitas vezes a sociedade não sabe acatar esta diversidade. Por isso, o Estado Democrático de Direito deve ser sempre observado, visando a uma equiparação entre aqueles que se encontram em desvantagens, proporcionando uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. O preconceito, nada mais é do que fruto da ignorância.

O tema em questão se encaixa nos princípios e garantias constitucionais, corroborado por leis infraconstitucionais. Como alhures frisado, na sentença que se apresentou na jurisprudência, “a importância assentada foi arbitrada com bom senso, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade”.

Registre-se que o nosso Código Civil de 2002, no art. 1.545, ocupa-se expressamente da responsabilidade de alguns profissionais liberais, mas jungido à teoria da culpa: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que por imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir ou ferimento”.

3 CONCLUSÃO

Entendemos que um médico, ao se sentir incapacitado frente a um quadro clínico, seja por problemas pessoais, seja por falta de equipamento ou condições técnicas, deverá encaminhar o cliente para outro colega - habilitado como ele, porém melhor qualificado -, ao menos na especialidade que se faz necessária para resolver o problema do momento. Em não agindo assim e advindo erro, sem dúvida, terá ele incorrido em uma atitude recriminável e à qual se convencionou chamar imperícia. Portanto, imperícia é um tipo de culpa - por ação -, que pode ocorrer quando o médico faz de maneira errada ou equivocadamente aquilo que deveria fazer, seja por falta de experiência, despreparo técnico ou incompetência. Imprudência, por sua vez, consiste na precipitação, na falta de previsão, em contradição com as normas do procedimento sensato. A afoiteza no agir, o desprezo das cautelas que cada qual deve tomar com seus atos. É uma modalidade de culpa por ação, quando o médico faz o que não devia, seja por uma má avaliação dos riscos, por impulsividade, por falta de controle e, até, por leviandade.

A consolidação dos direitos fundamentais do caso comentado, com o decorrer do tempo, será um exemplo jurisdicional a seguir, tendo em vista a lesividade a que se acometeram ao pequeno cidadão e a sua família. A causa de R$ 345.000,00, ganha, indenização por dano moral da vítima cumulada com dano estético, não serão suficientes para a família suportar a dor de sentir a sua dignidade humana ferida.

É nosso papel, nossa vez de oferecer nosso testemunho, nosso conhecimento, nossa sabedoria à sociedade, neste preciso momento em que - embora ainda não percebido por muitos - chegou a hora de avançar. Já possuímos o sentimento, o conceito, a compreensão, o discurso para explicar o que uma sociedade inclusiva significa. É chegada a hora de incorporar estes conceitos em nossas vidas, atitudes e ações. Somente assim poderemos verdadeiramente ajudar a abrir as mentes e os corações, na direção de uma sociedade para todos. Temos esta responsabilidade enorme e não temos o direito de falhar.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Disponível em: http //www.stj.gov.br Acesso em 26 ago 2009

GIOSTRI, Hildegard Taggesell . Erro Médico - á luz da jurisprudência comentada..Curitiba: ADEVIPAR, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

VADE MECUM. Código Civil de 2002. São Paulo: RT, 2009.

Silvania Mendonça
Enviado por Silvania Mendonça em 02/08/2010
Reeditado em 02/08/2010
Código do texto: T2413636
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