O PAPEL DA CONTABILIDADE NO CONTROLE DOS RECURSOS PÚBLICOS

O PAPEL DA CONTABILIDADE NO CONTROLE SOCIAL DOS RECURSOS PÚBLICOS

1. INTRODUÇÃO

1. A ação fiscalizadora governamental brasileira está estruturada nos sistemas de Controle Interno e Externo. O controle interno, atualmente é exercido pela Secretaria Federal de Controle, enquanto o controle externo, está sob a competência legal do Tribunal de Contas da União. Mais recentemente, muitas iniciativas de controle estão sendo denominadas de controle social.

2. Controle social é como vem sendo chamado a atuação dos cidadãos, individualmente ou organizados em associações, sindicatos, órgãos de classe ou entidades não-governamentais, quando agem no interesse de ver respeitados os direitos e deveres legais e constitucionais.

3. Atualmente, no Brasil, o governo federal, tem produzido muitos normativos legais incentivando a prática do controle social na gestão dos recursos públicos. A divulgação de valores transferidos a municípios com finalidade de aplicação certa é um exemplo. A criação da “homepage” contas públicas, outro. Os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal que incentivam a transparência dos atos de gestão e a criação de conselhos sociais para fiscalização de recursos destinados à saúde e educação, também.

4. Apesar dessas e outras iniciativas, a bem da verdade, a participação da população em ações de controle social ainda é tímida, embora venha crescendo muito nos últimos anos, até por força do resultado efetivo que ações dessa natureza produzem. Entre suas maiores vantagens o controle social conta: tempestividade e efeito cidadania. Tempestividade, em razão do controle ser exercido a tempo da gestão, de forma que a irregularidade seja impedida de ser praticada. Efeito cidadania, porque da prática controle social o cidadão faz respeitar seus direitos, deveres e leis.

5. A contabilidade, tendo em vista sua função como ciência que registra os atos e fatos de uma gestão patrimonial e face o seu objetivo de apresentar, demonstrar e analisar os registros mediante informações a serem utilizadas por usuários, pode ajudar a desenvolver o controle social.

6. A contabilidade pública cuida dos registros dos atos e fatos praticados na área governamental. As informações geradas pela contabilidade pública são do interesse de toda a sociedade, potencial usuário dos serviços e bens públicos, e financiador das ações governamentais através dos tributos que lhe são cobrados.

7. Porém, não se pode dizer que a leitura dos demonstrativos contábeis seja de fácil compreensão. A linguagem técnica é natural das áreas de conhecimento. Entretanto, é preciso avaliar se os demonstrativos produzidos na contabilidade atualmente são suficientemente simples, claros, e compreensíveis para uma rápida avaliação da gestão pública.

8. A simplicidade e clareza dos demonstrativos são atributos fundamentais no presente caso, tendo em vista a amplitude do universo e a diversidade de usuários que se utilizarão das informações apresentadas. A linguagem a ser utilizada precisará alcançar desde os cidadãos de pouca instrução até aqueles com formação acadêmica.

9. O presente trabalho enfoca a necessidade dos profissionais de contabilidade desenvolveram demonstrativos com linguagem mais simples e clara para possibilitar ao exercício pleno do controle social da gestão na área governamental.

10. Nesse intuito, a partir de argumentação conceitual sobre os objetivos e finalidades da contabilidade, o texto demonstrará que as ações pretendidas se incluem na área do conhecimento contábil. Mediante apresentação dos dispositivos legais existentes e que tratam do controle social o trabalho demonstra as iniciativas governamentais sobre o assunto. Finalmente, através de proposições pontuais e específicas, procura-se demonstrar a importância da participação dos profissionais de contabilidade dando sua parcela de contribuição e comprometimento com o desenvolvimento da cidadania, permitindo, dessa feita, o aperfeiçoamento do controle social da administração pública, evitando a ocorrência de desperdício e desvio de dinheiro público.

2. A CONTABILIDADE COMO INSTRUMENTO DE INFORMAÇÃO

11. A Contabilidade é ciência que tem por objetivo o registro e análise dos atos e fatos de uma empresa, órgão ou entidade, a fim de demonstrar o patrimônio, suas variações, o resultado, a eficácia e a economicidade de uma gestão ou período administrado.

12. É desse ponto de vista conceitual que o novo papel do responsável pela contabilidade se acresce de outras responsabilidades e, inclusive, da necessidade de uma participação social mais integrada ao novo contexto administrativo e gerencial das organizações.

13. Ora, se é dado à contabilidade um completo conhecimento de todos os atos e fatos praticados no âmbito da organização, e até mesmo daqueles que praticados fora da entidade vierem, de alguma forma, a afetar o seu patrimônio ou o seu resultado, é imperioso que os profissionais de contabilidade saibam utilizar esse grandioso manancial de informações na produção de relatórios e demonstrativos que bem evidenciem a abrangência e impacto total da gestão do negócio nos aspectos sociais, econômico-financeiros e patrimoniais.

14. De toda maneira, esta nova visão da contabilidade, vale dizer, já está bem assimilada pelos profissionais da contabilidade e até mesmo pelas órgãos e entidades de classe e responsáveis pela oficialidade das informações a serem divulgadas nos demonstrativos contábeis, haja vista a exigência recente da elaboração da Demonstração do Valor Adicionado, demonstrativo que agrega às demonstrações financeiras informações sobre o alcance social e econômico das operações da empresa na sociedade.

15. Recentemente, a revista EXAME, edição nº 715, de 31.05.2000, à pag. 18, publicou texto assinado por Eduardo Ferraz e Maira da Costa, sob o título “Um bom texto vale mais do que mil tabelas – abaixo o contabilês”, no qual os autores defendem seja a publicação das demonstrações contábeis das empresas feita de forma mais explicativa e contendo uma visão prospectiva dos projetos do futuro da empresa e como pretende concretizá-los. No texto, os autores evidenciam ser necessário uma boa dosagem de marketing nas publicações do gênero. Veja-se a transcrição a seguir:

(....)

“ Muitas empresas já perceberam isso e estão produzindo verdadeiras peças de marketing, adicionando textos curtos, cores fortes e uma abundância de fotos e efeitos visuais às demonstrações financeiras. ‘O acionista quer um relatório que possa ler em 5 minutos e entender como está o negócio’, afirma Ana Couto, da agência carioca Ana Couto Design, especializada na confecção de relatórios. Além disso pequenos investidores começam a se multiplicar no mercado. Para conquistar esse público, as empresas precisam de transparência e de relatórios mais palatáveis.

Claro que relatórios assim são mais elaborados. Um relatório sem nenhuma preocupação com o marketing custa cerca de 10.000 reais. Um que siga as tendências modernas sai muito mais caro. ‘Já fizemos um relatório que custou 400.000 reais, envolvendo até pesquisa folclórica e produção de figurino da região onde a empresa atua’, diz Noel De Simone, sócio da Casa da Criação, outra empresa do Rio especializada na produção de relatórios.

Até o fundo de pensão do Banco do Brasil, o Previ, mudou. Quem escrevia o seu relatório anual de 1997 eram economistas e contadores. ‘O associado reclamava que tinha de traduzir o que estava escrito’, afirma Wellington Silva, gerente de comunicação. Segundo ele, o texto hoje segue um estilo jornalístico: uso de voz ativa, frases curtas e títulos claros para as sessões.”

16. Como visto, é cada vez mais crescente a necessidade de informações sobre a gestão de negócios, seja empresarial, de capitais particulares; ou de governo, de recursos públicos.

17. Aliás, é no campo da informação sobre a gestão dos recursos públicos que a contabilidade deverá evoluir na qualidade dos demonstrativos produzidos. Veja: se até nos negócios particulares já vem sendo cobrado a elaboração de demonstrativos que evidenciem as responsabilidades de empresas com aspectos sociais; proteção do meio ambiente; educação continuada de empregados; melhoria da qualidade de vida e de renda da comunidade em que está inserido o negócio; etc... evidente e natural que há de se reclamar maior transparência na gestão dos administradores públicos em relação ao alcance de metas e objetivos sociais.

18. É bem de ver, que há muito tempo não se evolui na prática da contabilidade pública. Desde a Lei nº 4.320, de 1964, pouco evoluiu a escrituração e os demonstrativos contábeis na área governamental. Pode-se até dizer que o Sistema Integrado de Administração Financeira – SIAFI, responsável pela contabilidade do governo federal, seja uma evolução no tocante à transparência; na contabilização da depreciação e da reavaliação de bens; e na elaboração dos demonstrativos contábeis. Contudo, é bom dizer: há muito a se fazer na produção e divulgação de informações sobre a eficácia, economicidade e resultado da gestão do administrador de recursos governamentais.

19. A necessidade de uma prática contábil que melhore a evidenciação do uso e emprego dos recursos públicos se dá, também, em razão de uma crescente consciência de cidadania.

20. Nesse quadro, a escassez de recursos na área pública, está a exigir gerenciamento eficiente dos gestores, de modo a não permitir o desvio ou o desperdício de verbas. Na avaliação de gestão é que se verifica a criatividade do gestor na seleção de prioridades na aplicação de recursos públicos(legitimidade); se os recursos atingiram o objetivo pretendido(eficácia); e se os gastos foram realizados a preços razoáveis, senão os menores(economicidade).

21. Também é visível, a crescente consciência de cidadania no seio das comunidades nesse nosso tempo e isso decorre da intolerância com a má gestão, com o desperdício, com o desvio e a má-fé de gestores do patrimônio e dinheiro público.

22. Essa intolerância da sociedade com a prática de fraudes, má gestão e desperdício faz com que os órgãos públicos tenham de conviver com o crescimento do número de denúncias de irregularidades na aplicação de dinheiro público. Bem a tempo, a legislação e normativos em geral, especialmente na área do governo federal, vem estimulando a divulgação de informações financeiras de recursos públicos transferidos a fim de contar com a colaboração de entidades, associações e organismos não governamentais no controle social.

23. Deste ponto de vista, vale trazer à colação excerto da página 27, da obra “Contabilidade Pública: uma abordagem da administração financeira pública” ¹, de Roberto Piscitelli:

(....)

“ Seja na produção e fornecimento de bens e serviços públicos, seja atuando nas clássicas funções tendentes a promover o crescimento, a redistribuição e a estabilização, o Estado é o agente fundamental que, através de diferentes políticas, interfere decisivamente na atividade econômica de qualquer país.

Por tais razões é que a função orçamentária e financeira da Administração Pública é tão importante. Em países onde já se adquiriu a consciência política de sua relevância em todas as atividades governamentais, os cidadãos e as instituições participam ativamente do processo de alocação e utilização dos recursos públicos. Entre nós, há muito desconhecimento a respeito do assunto e – acima de tudo – falta de exercício da própria cidadania. Paralelamente, os responsáveis pela elaboração e execução dos orçamentos se valem de uma linguagem e de métodos que – deliberadamente ou não – afastam até especialistas e estudiosos de qualquer tentativa de acompanhamento e compreensão das diversas etapas do processo que se inicia com o planejamento, passa pela montagem, discussão e aprovação do orçamento, expressa-se através da contabilidade e se completa com o controle.” (grifos não são do original).

24. É nesse contexto, que a contabilidade pública, ao que parece, poderá desempenhar relevante papel político e social, no desenvolvimento de demonstrativos atualizados e que evidenciem, com qualidade, a eficácia, eficiência e economicidade dos gastos públicos, bem como o resultado, ou valor agregado, em favor da população/comunidade.

25. É objetivo da boa prática contábil, a disponibilização de adequadas informações para os seus usuários. No âmbito da administração pública não existe usuário mais qualificado que o dono dos recursos: o público – a sociedade. Cabe-lhe a apresentação de informações qualificadas e bem claras sobre a forma como os recursos arrecadados estão sendo gerenciados, aplicados, e os resultados dessa aplicação.

3. A LINGUAGEM TÉCNICA E HERMÉTICA DOS DEMONSTRATIVOS CONTÁBEIS

26. Sabe-se que é das ciências a sua natural linguagem composta de termos técnicos, muitas vezes desconhecidos e de pouco alcance popular. Esse não é um privilégio da contabilidade.

27. A contabilidade, no objetivo de atender demandas oficiais do governo e gerenciais empresariais, vem apresentando, publicamente, demonstrações financeiras e/ou demonstrações contábeis que muito servem a profissionais que detenham mediano conhecimento das técnicas e métodos adotados pela ciência. Ora, sem qualquer desprestígio a outras áreas de conhecimento, não raro, encontra-se muitos profissionais graduados em curso superior e até possuidores de formação em pós-graduação que não se sentem em condições de fazer uma leitura desses demonstrativos. Se isso acontece com pessoas instruídas, o que dizer de pessoas sem conhecimentos mais aprofundados, e até das pessoas que sequer chegaram a concluir curso de formação de 1º grau.

28. Portanto, tendo em vista o público a que se destina determinadas informações, deve a ciência contábil se preocupar com a simplificação da linguagem na divulgação de seus demonstrativos a usuários sem conhecimento técnico-contábil.

29. Mais ainda: é preciso reelaborar e recriar modelos de demonstrativos financeiros contábeis a fim de produzir informações que melhor atendam as expectativas do público alvo. É necessário buscar junto a profissionais especialistas em comunicação e divulgação de informações, os formatos e métodos mais adequados para alcançar maior contingente populacional. Nessa linha de entendimento, gastos com a aquisição de gêneros alimentícios, com materiais escolares, água, luz e telefone, poderão ser melhor percebidos se for indicado os beneficiários de tais despesas: Escola “São Pedro”, na rua X, com 300 alunos de 1º grau.

30. Dessa forma, seria evitado a linguagem obscura, fechada, hermética, e em seu lugar, seria utilizado uma linguagem popular de fácil entendimento para os usuários.

31. Nesse aspecto, parece razoável se reconhecer que a classificação orçamentária funcional-programática aplicada na elaboração do orçamento-programa, e que demonstra a função, programa, sub-programa, projeto e atividade em que os recursos foram utilizados, é bem mais eficiente que uma demonstração contábil que evidencie tão-somente aspectos econômico-financeiros porque indica objetivamente a ação governamental prevista.

32. Contudo, outros instrumentos e formatos (textos, gráficos, desenhos, cores, etc...) devem ser buscados, pois o grande desafio da contabilidade é apresentar, em seus demonstrativos, informações que traduzam com simplicidade os elementos que a sociedade necessita para avaliar o resultado da gestão pública.

33. A esse respeito, é valioso o entendimento de Piscitelli, na obra citada, segundo transcrição a seguir:

“ Há muito ainda, sem dúvida, a fazer: é indispensável, entretanto, que as autoridades e a própria sociedade organizada estejam convencidas da necessidade da informação contábil como suporte para a tomada de decisão e mecanismo de controle na utilização dos recursos públicos. E que, em contrapartida, as técnicas e procedimentos adotados não constituam monopólio do conhecimento e das concepções dos órgãos e servidores incumbidos do cumprimento das formalidades legais de registro dos fatos contábeis e levantamento das demonstrações exigidas pela Contabilidade Pública.” (grifos não são do original).

4. A NATUREZA DAS INFORMAÇÕES DA CONTABILIDADE PÚBLICA

34. A contabilidade das empresas e negócios privados têm como usuários público seleto e específico, tais como: acionistas ou proprietários, dirigentes da empresa, administradores e gerentes, empregados, mercado de valores mobiliários, clientes, fornecedores, órgãos/entidades governamentais fazendários, etc...

35. Diferentemente, as ações de governo devem importar à toda sociedade, pois trata-se do gerenciamento dos recursos dela proveniente. Pode-se dizer, então, que o universo das informações, na área pública, é mais amplo, e vai desde a despesa simples como o pagamento de salários de servidores até gastos mais complexos, como se fala hoje na obra de transposição do Rio São Francisco. O gerenciamento de receita não é menos simples, e também deve ser alvo de rigoroso sistema de informações. A cobrança de tributos deve ser eficiente e indiscriminada sem privilégios; assim como eventual política de renúncia de receita (isenção, subsídios, etc...) deve ser realizada dentro de regras claras e públicas.

36. É em razão da característica do domínio público, inerente à ação governamental, que há todo um conjunto de fatores a ser levado em conta na administração pública: origem dos recursos aplicados; comunidade destinatária dos serviços e obras públicos; essencialidade, prioridade e economicidade do gasto; administração de patrimônio público sem desperdício; etc...

37. Não é preciso rebuscar qualquer conceito da contabilidade para entender que a sua essência é a prestação de informações sobre os atos e fatos praticados por uma entidade econômica patrimonial. Ressalte-se: a qualidade da informação tem como fundamento intrínseco a sua comunicabilidade. Não existe transmissão de informação se a mensagem não é percebida pelo destinatário. Portanto, é preciso conhecer os usuários da informação contábil, os diversos graus de conhecimento e cultura desses usuários e as formas de comunicar mensagem específica de maneira a abranger maior contingente de usuários.

38. É compreensível que determinadas informações econômicas podem ser muito bem transmitidas mediante tabelas, gráficos, figuras, etc... Esses instrumentos, no entanto, podem ser óbices à compreensão da mensagem por parte de quem sequer entende de conhecimentos que envolvam percentuais, médias, conjuntos, índices, indicadores e outras medidas.

39. O que se percebe, diante dessa realidade, é a grande importância de uma eficiente comunicação dos atos e fatos da gestão pública, com fidedignidade, antes de tudo, mas sobretudo de forma a alcançar os usuários – a sociedade.

5. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA – EVOLUÇÃO

40. A administração pública brasileira, pode-se dizer, ainda se encontra em estágio de evolução bem atrasada relativamente ao que se pretende de um modelo administrativo centrado na ênfase gerencial e de resultados.

41. Para efeito didático costuma-se dizer que as fases da administração pública são: patrimonialista, burocrática e gerencial.

42. No estágio patrimonialista ou patriarcal o gestor público age como proprietário, como estivesse gerindo seu patrimônio – no sentido de fazer concessões a amigos, parentes e correligionários. Não tem preocupações com o formalismo, nem com aspectos legais. Não atua com transparência, nem tem compromisso com o espírito público.

43. A fase burocrática surge em decorrência do estágio patrimonialista. O formalismo, o carimbo, a assinatura, o documento, registros, são todas medidas criadas para que o administrador público fique inibido em proceder irregularmente. Daí vem a máxima: como a mulher de César, ao gestor público não basta ser honesto; é preciso provar sua honestidade. Nessa fase burocrática, considerada uma evolução em relação ao período patrimonialista, o administrador segue roteiros de gestão, abrindo pouco espaço para a demonstração da criatividade individual. Os procedimentos estão excessivamente normatizados, é bastante seguí-los. Atualmente, é este o modelo prepoderante na administração pública brasileira.

44. Não chegamos ainda na administração gerencial, na qual o gestor se compromete com resultados que levam em conta a eficácia, eficiência, economicidade da sua gestão. A forma de fazer, os meios para alcançar os objetivos, os métodos utilizados, a maneira de proceder – desde que legais e respeitando os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da probidade administrativa e da publicidade – serão livres para que cada administrador possa demonstrar sua eficiência segundo sua capacidade e habilidade pessoal de gestão.

45. É preciso reconhecer que essa evolução depende de evolução cultural. A bem da verdade, no momento, seria uma temeridade adotar a liberdade de gestão de recursos públicos a todos os administradores públicos brasileiros, haja vista as práticas políticas de clientelismo e o alto grau de corrupção existentes.

6. O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA – BASE LEGAL

46. O sistema de fiscalização governamental brasileiro está estruturado a partir das disposições contidas nos arts. 70 a 75 da Constituição Federal de 1988. O controle externo(art. 71), a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete o julgamento de contas(inc. II, art. 71) dos administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Inclui-se nesse comando qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada (Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998).

47. Também é do texto constitucional a origem de mandamento no sentido de que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário devem manter, de forma integrada, sistema de controle interno, para, entre outras finalidades, apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional(art. 74, inc. IV).

48. O Controle Interno está estruturado no âmbito da Secretaria Federal de Controle, nos termos da medida provisória nº 1995, de 08.06.2000, reeditada pela 79ª vez, e tem por objetivo:

“ Art. 19. O Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal visa à avaliação da ação governamental e da gestão dos administradores públicos federais, por intermédio da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, e a apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

Art. 20. O Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal tem as seguintes finalidades:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.”

49. O art. 1º da Lei nº 8.443/92, define as competências do Tribunal de Contas da União, no exercício do Controle Externo, cabendo destacar, entre outras atribuições, as seguintes:

“ Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:

I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário;

II - proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de suas Casas ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das entidades referidas no inciso anterior;

III - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos termos do art. 36 desta lei;

IV - acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno;

V - apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no regimento interno, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

VI -....

........

XVII - ...”

50. É valioso perceber que nos dias atuais é crescente a cobrança da sociedade por uma atuação mais eficaz dos órgãos de fiscalização da gestão pública. Urge que todos tenham consciência de que precisam modernizar o agir. E não é fácil.

51. Primeiramente, é preciso entender que os órgãos de controle e fiscalização são, ou pelo menos devem ser, formuladores de conhecimento na área de sua atuação. Nesse aspecto devem estar atentos aos diversos instrumentos de trabalho que o desenvolvimento tecnológico disponibiliza dia a dia para as mais diversas tarefas.

52. Depois, encarar suas atribuições no campo do conhecimento científico e intelectual e buscar o aperfeiçoamento, aprimoramento e o desenvolvimento de novas técnicas, como é próprio na ciência. Os órgãos de controle precisam, com a experiência e o conhecimento já adquiridos, desenvolverem novos modelos de fiscalização que melhor atendam à sociedade.

53. Não é de menor importância que os órgãos de fiscalização governamental desenvolvam mecanismos de produção de informações, para apresentar junto à população os resultados obtidos nos seus trabalhos realizados. A produção de livros técnicos; de palestras; de debates; e até a criação de espaços institucionais junto aos órgãos de comunicação não devem ser desprezados. A informação é um direito do cidadão e dever do Estado.

54. Outro relevante aspecto que é bom considerar é a atuação conjunta e organizada dos órgãos de controle. A sociedade reclama uma atuação eficaz mas não a qualquer custo. A atuação do controle também deve ficar restrito ao conceito da economicidade. Neste aspecto, para uma atuação eficiente os mais diversos órgãos devem estreitar laços de efetiva cooperação na busca da eficiente ação de fiscalização e controle da gestão governamental. Assim, os órgãos que trabalham com informações de interesse da fiscalização devem prestar cooperação e fornecer informações indispensáveis ao êxito de apuração específica.

55. O que se deseja é a atuação organizada, entenda-se, sem qualquer comprometimento a independência de qualquer dos órgãos, mas vislumbrando resultados mais efetivos e a custos menores. Não é razoável que uma auditoria do TCU realizada em determinado município seja executada concomitante a outra auditoria, na mesma localidade, executada pela Corte de Contas Estadual ou pelo órgão de Controle Interno. Uma política de cooperação na fiscalização pode ampliar as possibilidades de toda a rede de controle e, com isso, garantir maior abrangência aos trabalhos e, com isso, resultados mais expressivos.

7. O CONTROLE SOCIAL DOS RECURSOS PÚBLICOS – INSTRUMENTO DE CIDADANIA

56. Já se disse inúmeras vezes que o olho do dono é que engorda o gado. É da sabedoria popular a inspiração que motiva todo o crédito na fiscalização da aplicação de recursos públicos exercida pelo contribuinte, vale dizer: pela sociedade. Os estudiosos tratam o tema com a pompa de “controle social”.

57. A verdade inegável é que por mais olhos que os órgãos oficiais de controle possuam, outros olhos – e diga-se com destacado registro – especialmente os autorizados e legítimos olhos dos cidadãos, sobretudo quando organizados em associações e entidades de representação, devem estar vigilantes no acompanhamento e controle da gestão de recursos da administração pública.

58. É desse espírito, da participação da população, do cidadão e de suas entidades representativas na fiscalização dos recursos federais, a inspiração motivadora da edição da Lei Federal nº 9.452, de 20 de março de 1997, que disciplina ampla publicidade sobre a liberação de recursos federais para os Municípios.

59. Com efeito, cabe a transcrição da citada norma na parte a seguir:

“Art 1º Os órgãos e entidades da administração federal direta e as autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista federais notificarão as respectivas Câmaras Municipais da liberação de recursos financeiros que tenham efetuado, a qualquer título, para os Municípios, no prazo de dois dias úteis, contado da data da liberação.

Art 2º A Prefeitura do Município beneficiário da liberação de recursos, de que trata o art. 1º desta Lei, notificará os partidos políticos, os sindicatos de trabalhadores e as entidades empresariais, com sede no Município, da respectiva liberação, no prazo de dois dias úteis, contado da data de recebimento dos recursos.

Art 3º As Câmaras Municipais representarão ao Tribunal de Contas da União o descumprimento do estabelecido nesta Lei.”

60. Como visto, a citada norma legal, em apenas 3(três) artigos definiu obrigações por demais relevantes para o controle da gestão pública, senão vejamos: primeiro, determinou que os órgãos federais devem obrigatória, e imediatamente, notificar as Câmaras Municipais da liberação de recursos que tenham efetuado aos Municípios; segundo, determinou ser também obrigatória a imediata notificação aos partidos políticos, sindicatos de trabalhadores e entidades empresariais com sede no local, por parte da Prefeitura Municipal beneficiária dos recursos; e finalmente, disciplinou que o descumprimento da lei deverá ser objeto de representação pela Câmara Municipal ao Tribunal de Contas da União.

61. Vale registrar que a disposição de tornar transparente os procedimentos da administração pública federal está se intensificando cada vez mais. Atualmente, é da maior importância o sistema de comunicação e informação eletrônica via Internet, podendo as informações sobre gestão de recursos públicos ser divulgadas universalmente pela rede mundial. Foi nesse objetivo que sobreveio a Lei Federal nº 9.755, de 16.12.1998, que trata da criação da ‘homepage’ contas públicas, de cujo texto cabe transcrever a parte seguinte:

“Art. 1° O Tribunal de Contas da União criará homepage na rede de computadores Internet, com o título "contas públicas", para divulgação dos seguintes dados e informações:

I - os montantes de cada um dos tributos arrecadados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, os recursos por eles recebidos, os valores de origem tributária entregues e a entregar e a expressão numérica dos critérios de rateio (caput do art. 162 da Constituição Federal);

II - os relatórios resumidos da execução orçamentária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (§ 3° do art. 165 da Constituição Federal);

III - o balanço consolidado das contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, suas autarquias e outras entidades, bem como um quadro estruturalmente idêntico, baseado em dados orçamentários (art. 111 da Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964);

IV - os orçamentos do exercício da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e os respectivos balanços do exercício anterior (art. 112 da Lei n° 4.320, de 1964);

V - os resumos dos instrumentos de contrato ou de seus aditivos e as comunicações ratificadas pela autoridade superior (caput do art. 26, parágrafo único do art. 61, § 3° do art. 62, arts. 116, 117, 119, 123 e 124 de Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993);

VI - as relações mensais de todas as compras feitas pela Administração direta ou indireta (art. 16 da Lei n° 8.666, de 1993).

§ 1º Os dados referidos no inciso I deverão estar disponíveis na homepage até o último dia do segundo mês subseqüente ao da arrecadação.

§ 2º Os relatórios mencionados no inciso II deverão estar disponíveis na homepage até sessenta dias após o encerramento de cada bimestre.

§ 3° O balanço consolidado previsto no inciso III deverá estar disponível na homepage até o último dia do terceiro mês do segundo semestre do exercício imediato àquele a que se referir, e o quadro baseado nos orçamentos, até o último dia do primeiro mês do segundo semestre do próprio exercício.

§ 4° Os orçamentos a que se refere o inciso IV deverão estar disponíveis na homepage até 31 de maio, e os balanços do exercício anterior, até 31 de julho de cada ano.

§ 5° Os resumos de que trata o inciso V deverão estar disponíveis na homepage até o quinto dia útil do segundo mês seguinte ao da assinatura do contrato ou de seu aditivo, e as comunicações, até o trigésimo dia de sua ocorrência.

§ 6° As relações citadas no inciso VI deverão estar disponíveis na homepage até o último dia do segundo mês seguinte àquele a que se referirem.”

62. A homepage contas públicas disponibiliza informações sobre as transferências federais para todos os municípios, bem como demonstra as ações administrativas de compras, contratações, orçamentos, etc... a fim de permitir à sociedade o conhecimento desses elementos para controle dos atos dos gestores públicos. É também dessa forma que o cidadão tomará conhecimento de recursos transferidos para seu município, destinado à construção de escola ou qualquer outra obra, permitindo o acompanhamento das ações administrativas local no intuito do cumprimento da meta, podendo, se for o caso, denunciar eventual irregularidade na aplicação dos referidos recursos.

63. Todavia, essa vertente da publicidade dos atos e fatos da administração pública, não somente estão consubstanciadas nestas duas leis de 1997. A Constituição Federal de 1988, já assegurava o direito de informações, em seu art. 5º inciso XXXIII, verbis:

“ XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”

63. No tocante a contas de municípios, a CF trouxe dispositivo específico (art. 31, § 3º), disciplinando o controle e fiscalização por qualquer contribuinte, veja-se o texto:

“ §3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.”

64. A respeito da fiscalização e controle, acessóriamente, a cargo do contribuinte ou associações/conselhos de pessoas cabe referir a sistemática introduzida pela Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF (Lei nº 9.424/96) e Lei do Sistema Único de Saúde – SUS (8.080, de 19.09.90, e nº 8.142, de 28.12.90).

65. Referidos normativos legais criaram os Conselhos de Educação e de Saúde, integrado por usuários e gestores dos recursos do FUNDEF e SUS, requerendo expressamente, dessa forma, a participação da comunidade no controle da efetiva e eficiente aplicação de tais fundos.

66. A título de exemplo cabe ver o que dispõe a Lei nº 9.424, sobre a composição do Conselho de Educação:

“Art. 4º O acompanhamento e o controle social sobre a repartição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo serão exercidos, junto aos respectivos governos, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por Conselhos a serem instituídos em cada esfera no prazo de cento e oitenta dias a contar da vigência desta Lei.

§ 1º Os Conselhos serão constituídos, de acordo com norma de cada esfera editada para esse fim:

I - em nível federal, por no mínimo seis membros, representando respectivamente:

a) o Poder Executivo Federal;

b) o Conselho Nacional de Educação;

c) o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação - CONSED;

d) a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE;

e) a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME;

f) os pais de alunos e professores das escolas públicas do ensino fundamental; e

II - nos Estados, por no mínimo sete membros, representando respectivamente:

a) o Poder Executivo Estadual;

b) os Poderes Executivos Municipais;

c) o Conselho Estadual de Educação;

d) os pais de alunos e professores das escolas públicas do ensino fundamental;

e) a seccional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME;

f) a seccional da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE;

g) a delegacia regional do Ministério da Educação e do Desporto - MEC;

III - no Distrito Federal, por no mínimo cinco membros, sendo as representações as previstas no inciso II, salvo as indicadas nas alíneas b, e, e g.

IV - nos Municípios, por no mínimo quatro membros, representando respectivamente:

a) a Secretaria Municipal de Educação ou órgão equivalente;

b) os professores e os diretores das escolas públicas do ensino fundamental;

c) os pais de alunos;

d) os servidores das escolas públicas do ensino fundamental.”

67. Aliás, é bom ressaltar que a sistemática de criação de fundos contábeis para o gerenciamento de recursos públicos é procedimento que deve ser incentivado, porquanto, se bem gerido, tendo em vista a criação de conta bancária específica e a destinação exclusiva de recursos a finalidade expressa, reduz as possibilidades de fraude e desvio de dinheiro público.

68. Relevante destacar, ainda, que a recente Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000, segue a mesma tendência evolutiva dos normativos já citados, ou seja, requer a participação da sociedade na fiscalização e controle da aplicação dos recursos públicos, em todos os níveis de governo, na forma de controle social.

69. Veja-se, a seguir, trechos da Lei relacionados ao tema:

“Art 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Art 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadão e instituições da sociedade.

Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demonstrativos do Tesouro Nacional e das agências financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, especificando os empréstimos e financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade social e, no caso das agências financeiras, avaliação circunstanciada do impacto fiscal de suas atividades no exercício.

(...........................................)

Art 67. O acompanhamento e a avaliação, de forma permanente, da política e da operacionalidade de gestão fiscal serão realizados por conselho de gestão fiscal, constituído por representantes de todos os Poderes e esferas de Governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade, visando a:

I - harmonização e coordenação entre os entes da Federação;

II - disseminação de práticas que resultem em maior eficiência na alocação e execução do gasto público, na arrecadação de receitas, no controle do endividamento e na transparência da gestão fiscal;

III - adoção de normas de consolidação das contas públicas, padronização das prestações de contas e dos relatórios e demonstrativos de gestão fiscal de que trata esta Lei Complementar, normas e padrões mais simples para os pequenos Municípios, bem como outros, necessários ao controle social;

IV - divulgação de análises, estudos e diagnósticos.”

70. Com efeito, e de conformidade com todas as transcrições de normativos legais, está evidente que o poder público brasileiro começa a acreditar que somente com a participação cada vez mais crescente da sociedade nas ações de controle e fiscalização da aplicação de recursos públicos, poderá ocorrer a diminuição de fraudes, má-gestão e desvio de dinheiro. É o olho do dono vigiando o boi.

71. Convém ressaltar que a prática do controle social é procedimento adotado em países desenvolvidos, mediante a associação de profissionais ou criação de entidades sociais – organizações não-governamentais. Dessas entidades, a mais conhecida de todas é a Transparency Internacional, com sede em Berlim, Alemanha. Essa organização é quem, anualmente, elabora o “ranking” mundial de corrupção nos países. A titulo de informação, de um total de 99 países, numa sequência em que o 1º lugar tem menos corrupção, o Brasil foi o 45º em 1999, e tinha sido o 46º em 1998.

72. No Brasil, foi criada a TCC – Brasil, Transparência, Consciência & Cidadania, que é uma entidade não governamental, apartidária, independente, sem fins lucrativos, fundada em fevereiro de 1996 e sediada em Brasília, cujo objetivo central a realização de pesquisas, estudos e ações que contribuam para o combate à corrupção, a promoção da transparência nos assuntos de natureza de finanças públicas e da probidade administrativa, à conscientização ética e democrática e a construção da cidadania no Brasil e em outros países. Para tanto, a TCC-Brasil realiza e promove pesquisas científicas, dissemina conhecimentos através de publicações e estimula o intercâmbio e cooperação com entidades e pesquisadores com objetivos semelhantes. Procura, também, subsidiar a atuação de movimentos anti-corrupção, a formulação de políticas públicas que privilegiem a responsabilidade com os gastos públicos e estimula ações destinadas a fortalecer a conscientização da cidadania, assim como seus direitos e deveres.

8. A CONTABILIDADE PÚBLICA E O CONTROLE SOCIAL

73. A contabilidade pública na sua prática convencional, e de acordo com a Lei nº 4.320/64, deve apresentar os seguintes demonstrativos contábeis: balanço orçamentário, balanço financeiro, balanço patrimonial e demonstração das variações patrimoniais.

74. Esses demonstrativos, sem crítica específica, se utilizam na sua elaboração e conteúdo, de linguagem restrita a técnicos e profissionais ligados ao assunto orçamento, contabilidade e administração pública.

75. Outrossim, conforme se demonstra nos normativos legais citados ao longo desse trabalho, os usuários da contabilidade pública cada vez mais se confundem com a sociedade como um todo. É nesse contexto, sobretudo com o advento da necessidade de o contribuinte e toda a sociedade, participarem de ações de fiscalização e controle da gestão pública, que surge a exigência de uma revisão dos demonstrações contábeis da área, de forma a tornar mais simples, clara, compreensiva e fácil a leitura de suas informações.

76. Nesse entendimento, é preciso cuidar de compreender como funciona o processo de comunicação. Quem emite a informação deverá estar ciente das condições, meios e habilidades que possui o receptor. O mais importante na comunicação é o entendimento da mensagem. Essa constatação é fundamental para dar o necessário peso, àquilo que de fato é relevante.

77. Vale destacar: atender com precisão à essa demanda não é fácil. Entretanto, os contadores devem buscar meios de melhor cumprir mais esse reclame, natural dos nossos dias. Atender a sociedade com informações claras e precisas sobre a gestão de recursos públicos será alcançar, a contabilidade, mais um grau de desenvolvimento qualificado no seu espaço científico.

78. Melhor ainda, alcançando êxito na comunicação de seus registros, especialmente no tocante a possibilitar à sociedade uma boa compreensão dos resultados da gestão de recursos públicos, estará a contabilidade dando sua parcela de contribuição e comprometimento com o desenvolvimento da cidadania, permitindo, dessa feita, o aperfeiçoamento do controle social da administração pública.

79. Por tudo isso, parece prudente e tempestivo que desde logo os organismos que congregam profissionais da contabilidade, cuidem de formar grupos de estudiosos e especialistas com o intuito de rever e buscar a criação de demonstrativos mais eficazes na apresentação de informações sobre a gestão de recursos públicos, cuidando de avaliar, principalmente, a simplicidade, a clareza, a rapidez e a compreensão das demonstrações que vierem a ser propostas.

80. A título de sugestão inicial seria criado um demonstrativo com objetivo similar à Demonstração de Valor Adicionado, utilizado para empresas. Tal demonstrativo, que poderia ser chamado de Demonstração de Impacto sócio-econômico da Gestão Pública, relataria os recursos utilizados em salários, compras, obras, serviços públicos, de modo a permitir uma avaliação criteriosa dos benefícios produzidos. O demonstrativo não opinaria no mérito da gestão, seria apenas indicativo dos registros contábeis.

81. Outro aspecto relevante e que pode contar com a participação da classe dos contadores é uma divulgação simplificada e melhor compreensível do orçamento público. Ora, uma das peças mais importantes da administração pública, o orçamento, sequer é conhecido das comunidades na parte que lhes vai beneficiar. Nesse tocante, as organizações que congregam contadores, sindicatos, associações, etc... e até mesmo os Conselhos poderiam, a partir da aprovação do orçamento, elaborar demonstrativos contendo os gastos previstos e que irão beneficiar municípios, comunidades, entidades, e encaminhar tais elementos para divulgação em órgãos de comunicação de forma a dar publicidade ampla do assunto as populações beneficiárias.

82. Para melhor entender, a pretensão é que conhecido no orçamento que o município “X” fora contemplado com recursos para construção de escola, calçamento, posto de saúde, etc... estes dados seriam consolidados e divulgados em jornal de circulação naquele município, e se fosse o caso, encaminhado cópia de demonstrativo a associações comunitárias/organizacionais da localidade. Dessa forma, e de maneira efetiva, os contadores estarão exercendo papel ativo mediante ações pontuais na simplificação dos demonstrativos contábeis, bem como na divulgação de informações do orçamento governamental.

83. É possível que ações dessa natureza, pela sua grandeza, pela sua ampla aceitação, pelo seu alcance social, e porque não dizer, pelo resgate de cidadania que lhe é próprio, poderão ressaltar a grandiosidade da profissão contábil na atuação em benefício do combate à corrupção no Brasil e da boa aplicação dos recursos públicos.

9. CONCLUSÃO

84. Ao longo desse trabalho, ressaltou-se que a contabilidade é ciência que tem por objetivo o registro e análise dos atos e fatos de uma empresa, órgão ou entidade, a fim de demonstrar o patrimônio, suas variações, o resultado, a eficácia e a economicidade de uma gestão ou período administrado, assim foi dito no início desse trabalho.

85. Ocorre que a contabilidade tem seus métodos e técnicas e seus demonstrativos contábeis formais, nos quais, via de regra, a linguagem utilizada é de alcance restrito a pessoas que detenham conhecimento especializado.

86. Entretanto, até porque as empresas hoje, pela amplitude de associação universal de capitais, vale dizer: empresa brasileira tem sócios espalhados por todo o mundo, assim como empresas estrangeiras têm acionistas por todos os continentes, a contabilidade se vê na obrigação de elaborar demonstrativos cada vez mais simples, de fácil compreensão e que sejam de rápida leitura, pois a fluidez das informações, como é natural de agora, não permite que seja demasiado o tempo despendido em análises.

87. Na administração pública a contabilidade se vê com essa obrigação redobrada, afinal suas informações interessam a toda a sociedade, para avaliação da gestão governamental ou de órgão/entidade pública.

88. É sabido que o modelo institucional de fiscalização governamental vigente no País, conta com uma estrutura formal de Controle Interno, exercido pela Secretaria Federal de Controle, e Externo, sob competência do Tribunal de Contas da União.

89. Pois bem, este trabalho prega a necessidade de uma prática contábil que melhor evidencie o uso e emprego dos recursos públicos a fim de atender e desenvolver a consciência de cidadania, em nossa sociedade, no tocante ao controle social. A escassez de recursos na área pública, está a exigir gerenciamento eficiente dos gestores, de modo a não permitir o desvio ou o desperdício de verbas. Na avaliação de gestão é que se verifica a criatividade do gestor na seleção de prioridades na aplicação de recursos públicos(legitimidade); se os recursos atingiram o objetivo pretendido(eficácia); e se os gastos foram realizados a preços razoáveis, senão os menores(economicidade).

90. É preciso reelaborar e recriar modelos de demonstrativos financeiros contábeis a fim de produzir informações que melhor atendam as expectativas do público alvo. É necessário buscar junto a profissionais especialistas em comunicação e divulgação de informações, os formatos e métodos mais adequados para alcançar maior contingente populacional.

91. De modo específico, sem esgotar outras alternativas, a sugestão é de que a exemplo da Demonstração de Valor Adicionado, adotada para as empresas, seja criada uma demonstração similar na contabilidade pública, a qual poderia ser nominada de Demonstração do impacto sócio-econômico da Gestão Pública, com o objetivo de evidenciar com simplicidade e clareza os recursos utilizados em salários, compras, obras e serviços públicos, fazendo individualização caso a caso dos projetos e atividades relevantes, de modo a permitir uma avaliação criteriosa dos benefícios produzidos

92. Tudo isso tem por objetivo incentivar a fiscalização da aplicação de recursos públicos pelo contribuinte, vale dizer: pela sociedade. Dito de outra forma, para que seja melhor exercido o “controle social”.

93. O controle social vem sendo estimulado por atos governamentais na ampla divulgação e publicidade dos recursos transferidos e destinados a obras e serviços públicos, a fim de permitir à sociedade o conhecimento desses elementos para acompanhamento dos atos dos gestores públicos. É também dessa forma que o cidadão tomará conhecimento de recursos transferidos para seu município, destinado à construção de escola, qualquer outra obra ou à prestação de serviços públicos, permitindo o acompanhamento das ações administrativas local no intuito de fiscalizar o cumprimento da meta, podendo, se for o caso, denunciar eventual irregularidade na aplicação dos referidos recursos.

94. Pelos textos normativos transcritos ao longo desse trabalho, fica evidente que o poder público brasileiro começa a acreditar que somente com a participação cada vez mais crescente da sociedade nas ações de controle e fiscalização da aplicação de recursos públicos, poderá ocorrer a diminuição de fraudes, má-gestão e desvio de dinheiro.

95. Com efeito, alcançando êxito mediante a comunicação efetiva e qualificada de seus registros, especialmente no tocante a possibilitar à sociedade uma boa compreensão dos resultados da gestão de recursos públicos, estará a contabilidade dando sua parcela de contribuição e comprometimento com o desenvolvimento da cidadania, permitindo, dessa feita, o aperfeiçoamento do controle social da administração pública, evitando a ocorrência de desperdício e desvio de dinheiro público. Indo além, o controle social possibilita a atuação concomitante da ação de fiscalização, ou seja, a ação de controle acontece ao mesmo tempo da gestão. Diferentemente das ações de controle “a posteriori” , que ocorrem somente após a irregularidade praticada, quando já se efetivou o dano ao Erário.

96. Diante dessa realidade, em termos objetivos, é que se propõe ao Conselho Federal de Contabilidade:

a) a criação de grupos de estudiosos e especialistas com o intuito de rever e reelaborar demonstrativos mais eficazes na apresentação de informações sobre a gestão de recursos públicos, cuidando de avaliar, principalmente, a simplicidade, a clareza, e a compreensão rápida das demonstrações que vierem a ser propostas;

b) viabilizar a criação de demonstração contábil na área pública, similar à Demonstração do Valor Adicionado, de modo a evidenciar o impacto sócio econômico da gestão, indicando caso a caso os projetos e serviços mais relevantes e quantificando os benefícios gerados;

c) a partir da aprovação do orçamento público governamental federal, estaduais e municipais, elaborar, com a colaboração de seus Regionais, demonstrativos contendo os gastos previstos e que irão beneficiar municípios, comunidades, entidades, e encaminhar tais elementos para divulgação em órgãos de comunicação de forma a dar publicidade ampla do assunto em jornais do local das populações beneficiárias, encaminhando-se, ainda, cópia de tais demonstrativos a associações/organizações locais;

d) se acolhido e aprovado este trabalho e suas propostas, seja dado conhecimento do assunto ao Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, bem como ao Ministro da Fazenda, e ao Secretário Federal de Controle, encaminhando-se cópia do mesmo.

97. Por fim, resta deixar registrado que o presente trabalho é, antes de tudo, um chamamento a toda a classe contábil para as responsabilidades da profissão no tocante a qualidade e efetividade das informações contidas nos demonstrativos contábeis elaborados, especialmente no que se refere a área governamental. Outros profissionais até poderão se alinhar com a referida categoria nessa empreitada. A cidadania não tem patrono privilegiado. Entretanto, é preciso perceber que outras categorias, como médicos, psicólogos, engenheiros, advogados, etc... não teriam condições técnicas – de formação acadêmica – de melhor encaminhar as medidas de controle social aqui propostas. Parece mais pertinente que os contadores encaminhem essa honrosa missão.

98. Nesse particular, essa classe profissional trabalha com a esperança dos desassistidos, com o sonho dos idealistas e com a tábua de salvação de nossas futuras gerações. É preciso tentar, não desistir, nem falhar.

BIBLIOGRAFIA

FERRAZ, Eduardo, COSTA, Maira da, Um bom texto vale mais que mil tabelas – abaixo o contabilês - Revista Exame, edição º 715, de 31.05.2000.

PISCITELLI, Roberto Bocaccio et all, Contabilidade Pública : uma abordagem da administração financeira pública, 5ª edição, São Paulo, Atlas, 1997.

Constituição Federal de 1988.

Legislação Federal:

- Medida Provisória nº 1995, de 08.06.2000;

- Lei nº 8.443, de 16.07.1992;

- Lei nº 9.452, de 20.03.1997;

- Lei nº 9.755, de 16.12.1998;

- Lei nº 9.424, de 24.12.1996.

- Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)

Mendes Neto
Enviado por Mendes Neto em 22/07/2010
Código do texto: T2393416
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