Vanisa Santiago
Advogada, formada na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde recebeu os prêmios "Visconde de Cayru", "Francisco De Paula Lacerda de Almeida" e "Padre Leonel Franca".
Professora dos Cursos anuais sobre Direito de Autor e Conexos patrocinados pela OMPI em conjunto com as sociedades SUISA e SGAE, desde 1986.
Conferencista em Seminários e Congressos sobre Direitos Autorais organizados pela OMPI em colaboração com os governos de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Guatemala, Equador, Espanha, Estados Unidos México, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal e República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Vice Presidente do Instituto Interamericano de Direito Autoral - Brasil
Vice Presidente II de LATINAUTOR.
Assessora para Assuntos Internacionais das sociedades brasileiras AMAR, ADDAF e ABRAMUS.
Consultora Jurídica de Todamérica Música Ltda. e de Natasha Produções e Discos Ltda.
Membro da Delegação Brasileira no Comitê de Peritos convocado pela OMPI para a discussão dos novos Tratados WCT e WPPT.
Ex-Membro da Comissão Jurídica e de Legislação da CISAC - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores.
Membro titular do antigo Conselho Nacional de Direito Autoral - Ministério da Cultura.
Ex- Diretora da União Brasileira de Compositores
V. Santiago Consultores Associados
Rua Santa Luzia, 799 - Grupo 301 - Rio de Janeiro
vanisasantiago@uol.com.br
As regras de Domínio Público em Direito de Autor e Direitos Conexos e sua aplicação prática
por Vanisa Santiago - palestra promovida pela União Brasileira de Compositores - UBC
Rio de Janeiro, maio de 1999.
Noções básicas
A proteção oferecida pelo Direito de Autor às obras intelectuais e aos seus titulares tem uma limitação no tempo, justificada pela doutrina como uma contribuição dos seus criadores à cultura dos povos. Considera-se que a atribuição ao autor de um direito exclusivo de autorizar o uso de suas obras, em troca da qual ele pode exigir a remuneração que julgar adequada, deve ser substituída, após um determinado período contado a partir de sua morte, pelo direito da sociedade em geral de ter acesso à cultura. Isso significa que o autor e outros titulares de direitos autorais, depois de beneficiados pela sociedade durante toda a vida do criador, e pelo prazo subseqüente que a lei determinar, passarão a retribuir à sociedade em geral, permitindo que se forme um acervo cultural de utilização livre e gratuita, constituído pela obras cuja proteção se encontra esgotada.
Essas considerações explicam o uso da expressão "domínio público": uma vez esgotado o prazo de proteção, as obras deixam de pertencer ao "domínio privado" de seus titulares e passam a ser de uso de todos, da sociedade em geral, passando ao "domínio público".
As mesmas observações são válidas em relação aos titulares de direitos de outra natureza, no caso, dos denominados direitos conexos ou vizinhos aos Direitos de Autor. Esses titulares são os intérpretes ou músicos executantes (sobre suas interpretações ou execuções); os produtores de fonogramas (sobre suas produções) e as emissoras de radiodifusão (sobre suas transmissões). Esses titulares são protegidos pelas normas de "Direitos Conexos", que também fixam um prazo para a proteção das interpretações, dos fonogramas e das emissões radiofônicas, findo o qual essa proteção será extinta. Isso significa que as interpretações, as execuções e os fonogramas também passam ao domínio público.
Uma vez estando em domínio público, os bens intelectuais mencionados podem ser livremente utilizados por qualquer um, através de qualquer meio de difusão, de comunicação, de reprodução, seja em rádio, televisão, restaurantes, discos, audiovisuais, anúncios, etc., sem que seja necessária uma autorização. Também podem também ser adaptados, arranjados ou modificados sem que seus herdeiros ou sucessores tenham direitos sobre o arranjo ou adaptação produzidos a partir da obra original. Os titulares dos arranjos ou adaptações não terão, por outro lado, quaisquer direitos sobre os bens originais, que passaram ao domínio público sempre que forem usados tal como foram criados.
No que diz respeito às criações novas, compostas a partir de arranjos, adaptações ou outras transformações de obras em domínio público - que são consideradas como obras derivadas de obras originais, reiteramos que seus titulares farão jus a todos os direitos sobre as mesmas, inclusive os de autorizar sua utilização por terceiros, editar, ceder e o de exigir uma remuneração adequada por sua utilização. Por outro lado, eles não poderão impedir que outras pessoas venham a produzir novos arranjos ou adaptações da obra original, sempre que sejam diferentes dos seus. A "obra nova" também gozará da proteção pela vida de seu autor, ou seja, daquele que elaborou o arranjo, a adaptação ou uma outra transformação, respeitando-se também nesse caso o prazo de proteção determinado pela lei a partir do seu falecimento de quem a criou.
Os bens intelectuais - obras, interpretações, execuções, fonogramas ou emissões de radiodifusão - que passaram ao domínio público - não geram, no Brasil e na maior parte do mundo, qualquer remuneração por sua utilização. No entanto, é preciso ressalvar que em alguns países, como na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, membros do Mercosul, os utilizadores, embora dispensados de pedir autorização, estão obrigados pelas respectivas leis nacionais ao pagamento de valores estipulados por órgãos públicos, em benefício de atividades de apoio à cultura, que são geralmente denominados de "Fundo das Artes", geridos por autoridades governamentais.
Essa instituição a que chamamos de "domínio público remunerado" havia sido criado no Brasil pela lei autoral anterior - a lei 5.988 de 1973, visando a constituição de um fundo a ser administrado pelo Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), mas foi revogada em 1983, ainda na vigência da mencionada lei.
As obras audiovisuais, que contêm outras obras (literárias, musicais, etc.) como elementos formadores de uma obra final, independente e autônoma em relação àquelas que a compõem, têm, por sua vez, autores específicos, diferentes dos autores das obras que a integram, definidos pelas leis nacionais dos países. Segundo a lei brasileira 9.610/98, os co-autores das obras audiovisuais são o autor do assunto ou argumento literário, musical, lítero-musical e o diretor. Essas obras também têm um prazo de proteção, que não se confunde com o das diversas obras nela contidas e que é igualmente de 70 anos, mas que será contado a partir de sua divulgação.
As leis nacionais dos países que são signatários de Tratados Internacionais sobre Direitos de Autor e sobre Direitos Conexos não são totalmente livres para fixar o prazo de proteção: elas deverão respeitar os prazos mínimos estabelecidos, no caso do Direito de Autor, pelo Convênio de Berna, e no caso dos Direitos Conexos pela Convenção de Roma. O Brasil está incluído entre esses países, uma vez que ratificou o Convênio de Berna em 1922 e a Convenção de Roma em 1965. Nos países da Europa afetados pelas duas Guerras Mundiais, as leis nacionais, em muitos casos, excluem do cômputo do prazo de domínio público os períodos em que essas guerras se desenrolaram.
Para facilitar o controle do decurso dos prazos de proteção a regra geral determina que todos eles serão computados a partir de 1º de janeiro do ano seguinte ao daquele em que um dos casos previstos na lei ocorreu: a morte do autor da obra musical, literária ou científica; o ano da divulgação da obra audiovisual; o ano da execução da interpretação, o ano da fixação do fonograma, o ano da emissão de radiodifusão.
Durante a vigência da Lei 5.988 de 1973 o prazo de proteção entre nós, para as obras, era de 60 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da morte do autor, com as seguintes ressalvas: 1) no caso de serem os herdeiros o cônjuge, os filhos ou os pais do autor falecido a proteção seria vitalícia; 2) somente os parentes até o 2º grau seriam considerados para efeito de sucessão. Essas ressalvas, aparentemente justas, tornaram a aplicação prática das regras extremamente complicada no âmbito das sociedades de autores, porque, além do fato de que essas entidades nem sempre dispõrem de informações corretas sobre a existência de herdeiros vitalícios, os juizes das Varas de Órfãos e Sucessões costumavam conceder alvarás habilitando como herdeiros de direitos autorais outros parentes de um autor falecido que não os que eram considerados como tais pela lei de Direito de Autor.
Com a promulgação da Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, que entrou em vigência em 20 de junho do mesmo ano, o prazo de proteção no Brasil passou a obedecer, quanto à sucessão, à ordem estabelecida pelo Código Civil, conforme determina o Art. 41, ou seja, sem os limites para certos graus de parentesco fixado na lei autoral anterior, abandonando, em contrapartida, o critério da proteção vitalícia para certos parentes. O prazo para que os herdeiros usufruam os direitos autorais de um autor falecido será o mesmo, qualquer que seja o grau de parentesco. A extensão do prazo de proteção para 70 anos foi concedida de forma não retroativa, tal como está expressamente estabelecido no Art. 112.
Vale a pena reiterar que o que passa ao domínio público são as obras, as interpretações ou execuções e os fonogramas e não os seus titulares. Assim, por exemplo, um mesmo autor poderá ter obras protegidas e obras em domínio público, como veremos mais adiante.
Aplicação das normas às obras protegidas pelo Direito de Autor
1 - As obras escritas por um único autor serão protegidas por toda sua vida e pelo período que vai até 70 anos após a sua morte, contando-se esse prazo a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao do seu falecimento;
2 - As obras em co-autoria, indivisíveis, que são aquelas que são criadas em comum por dois ou mais autores, terão seu prazo computado a partir da morte do último dos co-autores sobreviventes, sendo as remunerações devidas a todos os seus titulares, inclusive aos que já faleceram há mais de 70 anos, uma vez que é a obra que continua protegida.
Por outro lado, quando um dos autores de uma obra indivisível vier a falecer sem deixar herdeiros ou sucessores, sua parte será acrescida à dos demais. Somente nesses casos os co-autores sobreviventes, ou seus herdeiros e sucessores, receberão a integralidade dos direitos produzidos pela obra.
As obras de um mesmo autor podem, portanto, passar ao domínio público em datas diferentes, conforme a data de falecimento de seu parceiro.
3 - As obras divisíveis ou justapostas, que são o resultado da junção de diferentes criações individuais justapostas, tal como no caso em que a letra é uma obra independente da música, como seria o caso em que um poema escrito por um autor e é musicado por um compositor, como partes diferentes que se juntaram e que podem ser perfeitamente definidas, identificadas e utilizadas separadamente. Neste caso o prazo de proteção deverá ser individualizado e contado, para cada parte da obra, a partir da data do falecimento de seu respectivo criador. Desta forma, a música poderá cair em domínio público e a letra continuar protegida, e vice-versa.
4 - Obras audiovisuais - as que resultam da fixação de imagens, com ou sem som, com a finalidade de criar a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação, ou seja, filmes de curta ou longa duração, seriados, novelas, desenhos animados, etc. Para essas obras o prazo de proteção será de 70 anos contados a partir de sua divulgação, embora as obras e os fonogramas nela contidos possuam seus próprios prazos de proteção, que podem não ser coincidentes.
5 -Obras anônimas e pseudônimas - as obras anônimas são aquelas cujo autor não tem seu nome indicado por ele assim decidiu ou por ser ele desconhecido; as obras pseudônimas são aquelas cujo autor se oculta sob nome suposto e não permite que sua identificação seja revelada, também denominado "pseudônimo secreto".
Segundo a lei, os direitos patrimoniais dessas obras serão exercidos por quem as publicar e o prazo de proteção será de 70 anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano imediatamente posterior ao de sua primeira publicação. Se o autor se fizer conhecer antes de expirado esse prazo, passarão a vigorar as regras válidas para as obras de autores conhecidos, respeitados os direitos adquiridos por terceiros durante o prazo em que o autor permaneceu anônimo ou se ocultou sob um pseudônimo secreto.
6 - As obras de autores falecidos sem deixar sucessores e as obras de autor desconhecido pertencem ao domínio público.
Embora sejam raros os casos em que um autor, especialmente após a vigência da Lei 9.610, que não restringiu a cadeia sucessória em matéria de direitos autorais, não deixe herdeiros ou sucessores ao falecer, esse fato pode ocorrer. Nesse caso, não tendo parceiros, a obra desse autor passa ao domínio público de imediato, em seguida à sua morte.
As obras de autor desconhecido, transmitidas por tradição, tal como as cantigas de roda e outras do gênero, também são consideradas como obras em domínio público e podem ser utilizadas livremente.
Os Direitos Conexos
Antes de tudo é preciso entender que a proteção concedida pela Convenção de Roma, à diferença da Convenção de Berna, que protege as obras em si mesmas, é destinada a certos titulares, que a própria Convenção qualifica. Desta forma, o prazo de proteção de cada uma das categorias de titulares por ela protegidos é contado a partir das situações específicas de que se trate: de uma interpretação, de uma fixação fonográfica ou de uma emissão de radiodifusão.
No Brasil segundo a legislação vigente, o prazo de proteção das interpretações é de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua execução ou representação; o prazo de proteção do fonograma é de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua fixação; o prazo de proteção das transmissões é de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua emissão.
O inciso IX do Art. 5º da Lei 9.610/98 define como fonograma toda fixação de sons de uma execução ou interpretação, ou de outros que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual. Não é, portanto, considerado como um fonograma a fixação que é feita somente como trilha sonora de uma obra audiovisual. Esse tipo de fixação, quando feita exclusiva e diretamente na banda sonora, não constitui por um fonograma.
Um fonograma poderá conter obras (musicais, poemas ou textos recitados, óperas, operetas), ou sons, ou ainda representação de sons, como no caso das gravações de sons da natureza (ondas do mar, ruído do vento, canto de passarinhos, etc.). Qualquer que seja o seu conteúdo, os fonogramas estarão protegidos da mesma forma e pelo mesmo prazo de duração.
É importante também destacar que, segundo o inciso XI do Art. 5º da Lei 9.610/98, considera-se produtor de fonograma a pessoa física ou jurídica responsável pela primeira fixação do fonograma, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado, isto é, CD, fita cassete, LP, etc. Isso significa que, para efeito de domínio público, o que conta é o ano da fixação do fonograma e não o ano de seu lançamento ou relançamento, seja pelo produtor original ou por um terceiro que haja adquirido tais direitos.
Em relação à proteção aos fonogramas estrangeiros utilizamos no Brasil, por uma questão de tradição e não porque a lei assim o determine, os denominados Princípios do Protocolo de Londres, que permitem que no campo da arrecadação e distribuição das remunerações obtidas frente aos usuários dos fonogramas, tais como a radiodifusão, os bares, restaurantes, etc., apenas os fonogramas nacionais sejam considerados.
Aplicação das normas de domínio público aos fonogramas
1 - Quando um fonograma vier a ser lançado novamente no mercado em data posterior, pela própria companhia que o fixou pela primeira vez, ou mesmo por terceiras pessoas autorizadas, sem alterações que o modifiquem, prevalece para a contagem do prazo o ano da primeira fixação. No Brasil, como a lei 9.610/98 não retroagiu, os fonogramas gravados até 1937 passaram ao domínio público e são, portanto de livre utilização para qualquer fim, inclusive para sua reprodução.
2 - Quanto aos fonogramas "remasterizados", relançados em suportes físicos diferentes daqueles originalmente produzidos e não expressamente mencionados nos contratos celebrados entre artistas e músicos, a questão é controversa. As companhias gravadoras defendem a tese de que, nesses casos, trata-se apenas do lançamento de um fonograma já existente mediante o uso de outro suporte físico, sem qualquer alteração de conteúdo, e que não depende, portanto, de uma nova contratação. Nesse caso, o prazo de proteção não sofre qualquer solução de continuidade e será contado a partir da fixação original. Outros segmentos consideram que o processo de remasterização altera parte dos sons originais e cria um novo fonograma, cujo lançamento deve contar com a anuência dos artistas, e com todas as autorizações exigidas para que um fonograma original seja fixado. A prevalecer essa segunda teoria, que considera a existência de uma modificação e portanto de um fonograma novo, a contagem do prazo de proteção terá início a partir dessa "nova fixação".
3 - O prazo de proteção dos fonogramas e das obras neles contidas não se confunde. O fonograma poderá continuar protegido, embora a obra passe ao domínio público e vice-versa. Mesmo sendo casos menos comuns, de autores precoces ou de apreciada longevidade, as obras também poderão continuar protegidas depois dos fonogramas haverem caído em domínio público.
A Territorialidade das Leis sobre Direitos de Autor e Direitos Conexos e a aplicação dos prazos de proteção
1 - Uma das características mais importantes das leis de Direitos de Autor e de Direitos Conexos é a sua territorialidade, ou seja, sua aplicação é restrita ao território nacional do país de que se trate.
2 - Por outro lado, existem Convenções Internacionais livremente ratificadas por países de todos os continentes, como é o caso do Convênio de Berna, que estabelecem princípios básicos e obrigatórios em todos eles. Entre esses princípios, destacaríamos:
a) O princípio da assimilação dos estrangeiros, nacionais de um país signatário do Convênio, aos nacionais de outro país também signatário, no qual se reclama a proteção (Art. 5º - C. Berna);
b) A determinação de que o prazo mínimo de proteção das obras será de 50 anos após a morte de seu autor, contado a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao do seu falecimento. Este prazo poderá ser maior, segundo o que for estabelecido pela lei nacional de um país;
c) O princípio que esclarece que um país que ofereça um prazo mais dilatado aos seus nacionais não está obrigado a conceder aos estrangeiros uma proteção maior que a do país de origem da obra, mas que acrescenta que as leis nacionais poderão dispor de outra forma (Art. 8º - C. Berna), adotando, em relação aos nacionais de outros países, o mesmo prazo vigente para seus nacionais;
d) O que determina a nacionalidade de uma obra não é obrigatoriamente a nacionalidade do seu autor e sim a do país de origem da obra.
3 - Podemos considerar, dessa forma, a possibilidade de adoção de diferentes comportamentos na aplicação das regras de domínio público às obras estrangeiras:
a) Limitar a proteção ao prazo do país de origem da obra, sempre que este prazo for menor que o do país onde a proteção é reclamada, respeitando-se, obviamente, o prazo mínimo de 50 anos;
b) Aplicar sempre, inclusive às obras estrangeiras, originárias de países da União de Berna, o prazo da lei nacional do país onde se reclama a proteção.
3 - A lei 9.610/98 assegura que suas regras serão aplicadas aos estrangeiros nacionais ou residentes em países igualmente aderidos às convenções e tratados internacionais vigentes no Brasil, sem nenhuma ressalva em relação ao prazo de proteção de obras ou fonogramas provenientes de países cujas leis nacionais estabeleçam prazos menores que os nossos. A lei fala em reciprocidade na proteção, ou seja: o Brasil assegura às obras originárias de países que também ofereçam proteção às obras brasileiras em seus respectivos territórios todos os direitos que assegura aos seus nacionais.
4 - Face ao exposto, nada impede que, no Brasil, as obras originárias de países membros do Convênio de Berna sejam protegidas por setenta anos "p.m.a.", mesmo que em seus países de origem o prazo seja menor, aplicando-se o princípio da assimilação, o que facilita o controle das atividades de licenciamento, arrecadação e distribuição de direitos. Mutatis mutandi, as mesmas considerações podem ser feitas em relação aos titulares de direitos conexos originários de países membros da Convenção de Roma de Roma, embora eles não sejam levados em consideração para as finalidades da gestão coletiva no Brasil.
Os direitos adquiridos na vigência da lei anterior
Como já foi visto, a Lei 5.988/73 estabeleceu um regime especial para a sucessão em direitos autorais, que ao mesmo tempo em que criava uma vitaliciedade para os herdeiros de 1o grau na linha descendente ou ascendente (filhos ou pais) e cônjuges, excluía uma série de parentes chamados à sucessão pelo Código Civil, sistema esse que criou vários inconvenientes, entre eles o fato de que nem todos os filhos de um autor são registrados, conhecidos ou reconhecidos, o que cria uma grande incerteza no momento de declarar-se que uma determinada obra está em domínio público, e o da concessão de uma série de alvarás por Juizes de Varas de Órfãos e Sucessões, determinando o pagamento dos valores obtidos pela exploração das obras do autor falecido a um "sucessor" não reconhecido como tal pela Lei de Direitos Autorais. Com o advento da nova lei esses inconvenientes desapareceram. No entanto, restam os casos dos herdeiros que adquiriram direitos vitalícios na vigência da lei 5.988/73, que permanecerão vigentes como uma exceção de direito à norma jurídica.
© por Vanisa Santiago
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Advogada, formada na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde recebeu os prêmios "Visconde de Cayru", "Francisco De Paula Lacerda de Almeida" e "Padre Leonel Franca".
Professora dos Cursos anuais sobre Direito de Autor e Conexos patrocinados pela OMPI em conjunto com as sociedades SUISA e SGAE, desde 1986.
Conferencista em Seminários e Congressos sobre Direitos Autorais organizados pela OMPI em colaboração com os governos de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Guatemala, Equador, Espanha, Estados Unidos México, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal e República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Vice Presidente do Instituto Interamericano de Direito Autoral - Brasil
Vice Presidente II de LATINAUTOR.
Assessora para Assuntos Internacionais das sociedades brasileiras AMAR, ADDAF e ABRAMUS.
Consultora Jurídica de Todamérica Música Ltda. e de Natasha Produções e Discos Ltda.
Membro da Delegação Brasileira no Comitê de Peritos convocado pela OMPI para a discussão dos novos Tratados WCT e WPPT.
Ex-Membro da Comissão Jurídica e de Legislação da CISAC - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores.
Membro titular do antigo Conselho Nacional de Direito Autoral - Ministério da Cultura.
Ex- Diretora da União Brasileira de Compositores
V. Santiago Consultores Associados
Rua Santa Luzia, 799 - Grupo 301 - Rio de Janeiro
vanisasantiago@uol.com.br
As regras de Domínio Público em Direito de Autor e Direitos Conexos e sua aplicação prática
por Vanisa Santiago - palestra promovida pela União Brasileira de Compositores - UBC
Rio de Janeiro, maio de 1999.
Noções básicas
A proteção oferecida pelo Direito de Autor às obras intelectuais e aos seus titulares tem uma limitação no tempo, justificada pela doutrina como uma contribuição dos seus criadores à cultura dos povos. Considera-se que a atribuição ao autor de um direito exclusivo de autorizar o uso de suas obras, em troca da qual ele pode exigir a remuneração que julgar adequada, deve ser substituída, após um determinado período contado a partir de sua morte, pelo direito da sociedade em geral de ter acesso à cultura. Isso significa que o autor e outros titulares de direitos autorais, depois de beneficiados pela sociedade durante toda a vida do criador, e pelo prazo subseqüente que a lei determinar, passarão a retribuir à sociedade em geral, permitindo que se forme um acervo cultural de utilização livre e gratuita, constituído pela obras cuja proteção se encontra esgotada.
Essas considerações explicam o uso da expressão "domínio público": uma vez esgotado o prazo de proteção, as obras deixam de pertencer ao "domínio privado" de seus titulares e passam a ser de uso de todos, da sociedade em geral, passando ao "domínio público".
As mesmas observações são válidas em relação aos titulares de direitos de outra natureza, no caso, dos denominados direitos conexos ou vizinhos aos Direitos de Autor. Esses titulares são os intérpretes ou músicos executantes (sobre suas interpretações ou execuções); os produtores de fonogramas (sobre suas produções) e as emissoras de radiodifusão (sobre suas transmissões). Esses titulares são protegidos pelas normas de "Direitos Conexos", que também fixam um prazo para a proteção das interpretações, dos fonogramas e das emissões radiofônicas, findo o qual essa proteção será extinta. Isso significa que as interpretações, as execuções e os fonogramas também passam ao domínio público.
Uma vez estando em domínio público, os bens intelectuais mencionados podem ser livremente utilizados por qualquer um, através de qualquer meio de difusão, de comunicação, de reprodução, seja em rádio, televisão, restaurantes, discos, audiovisuais, anúncios, etc., sem que seja necessária uma autorização. Também podem também ser adaptados, arranjados ou modificados sem que seus herdeiros ou sucessores tenham direitos sobre o arranjo ou adaptação produzidos a partir da obra original. Os titulares dos arranjos ou adaptações não terão, por outro lado, quaisquer direitos sobre os bens originais, que passaram ao domínio público sempre que forem usados tal como foram criados.
No que diz respeito às criações novas, compostas a partir de arranjos, adaptações ou outras transformações de obras em domínio público - que são consideradas como obras derivadas de obras originais, reiteramos que seus titulares farão jus a todos os direitos sobre as mesmas, inclusive os de autorizar sua utilização por terceiros, editar, ceder e o de exigir uma remuneração adequada por sua utilização. Por outro lado, eles não poderão impedir que outras pessoas venham a produzir novos arranjos ou adaptações da obra original, sempre que sejam diferentes dos seus. A "obra nova" também gozará da proteção pela vida de seu autor, ou seja, daquele que elaborou o arranjo, a adaptação ou uma outra transformação, respeitando-se também nesse caso o prazo de proteção determinado pela lei a partir do seu falecimento de quem a criou.
Os bens intelectuais - obras, interpretações, execuções, fonogramas ou emissões de radiodifusão - que passaram ao domínio público - não geram, no Brasil e na maior parte do mundo, qualquer remuneração por sua utilização. No entanto, é preciso ressalvar que em alguns países, como na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, membros do Mercosul, os utilizadores, embora dispensados de pedir autorização, estão obrigados pelas respectivas leis nacionais ao pagamento de valores estipulados por órgãos públicos, em benefício de atividades de apoio à cultura, que são geralmente denominados de "Fundo das Artes", geridos por autoridades governamentais.
Essa instituição a que chamamos de "domínio público remunerado" havia sido criado no Brasil pela lei autoral anterior - a lei 5.988 de 1973, visando a constituição de um fundo a ser administrado pelo Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), mas foi revogada em 1983, ainda na vigência da mencionada lei.
As obras audiovisuais, que contêm outras obras (literárias, musicais, etc.) como elementos formadores de uma obra final, independente e autônoma em relação àquelas que a compõem, têm, por sua vez, autores específicos, diferentes dos autores das obras que a integram, definidos pelas leis nacionais dos países. Segundo a lei brasileira 9.610/98, os co-autores das obras audiovisuais são o autor do assunto ou argumento literário, musical, lítero-musical e o diretor. Essas obras também têm um prazo de proteção, que não se confunde com o das diversas obras nela contidas e que é igualmente de 70 anos, mas que será contado a partir de sua divulgação.
As leis nacionais dos países que são signatários de Tratados Internacionais sobre Direitos de Autor e sobre Direitos Conexos não são totalmente livres para fixar o prazo de proteção: elas deverão respeitar os prazos mínimos estabelecidos, no caso do Direito de Autor, pelo Convênio de Berna, e no caso dos Direitos Conexos pela Convenção de Roma. O Brasil está incluído entre esses países, uma vez que ratificou o Convênio de Berna em 1922 e a Convenção de Roma em 1965. Nos países da Europa afetados pelas duas Guerras Mundiais, as leis nacionais, em muitos casos, excluem do cômputo do prazo de domínio público os períodos em que essas guerras se desenrolaram.
Para facilitar o controle do decurso dos prazos de proteção a regra geral determina que todos eles serão computados a partir de 1º de janeiro do ano seguinte ao daquele em que um dos casos previstos na lei ocorreu: a morte do autor da obra musical, literária ou científica; o ano da divulgação da obra audiovisual; o ano da execução da interpretação, o ano da fixação do fonograma, o ano da emissão de radiodifusão.
Durante a vigência da Lei 5.988 de 1973 o prazo de proteção entre nós, para as obras, era de 60 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da morte do autor, com as seguintes ressalvas: 1) no caso de serem os herdeiros o cônjuge, os filhos ou os pais do autor falecido a proteção seria vitalícia; 2) somente os parentes até o 2º grau seriam considerados para efeito de sucessão. Essas ressalvas, aparentemente justas, tornaram a aplicação prática das regras extremamente complicada no âmbito das sociedades de autores, porque, além do fato de que essas entidades nem sempre dispõrem de informações corretas sobre a existência de herdeiros vitalícios, os juizes das Varas de Órfãos e Sucessões costumavam conceder alvarás habilitando como herdeiros de direitos autorais outros parentes de um autor falecido que não os que eram considerados como tais pela lei de Direito de Autor.
Com a promulgação da Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, que entrou em vigência em 20 de junho do mesmo ano, o prazo de proteção no Brasil passou a obedecer, quanto à sucessão, à ordem estabelecida pelo Código Civil, conforme determina o Art. 41, ou seja, sem os limites para certos graus de parentesco fixado na lei autoral anterior, abandonando, em contrapartida, o critério da proteção vitalícia para certos parentes. O prazo para que os herdeiros usufruam os direitos autorais de um autor falecido será o mesmo, qualquer que seja o grau de parentesco. A extensão do prazo de proteção para 70 anos foi concedida de forma não retroativa, tal como está expressamente estabelecido no Art. 112.
Vale a pena reiterar que o que passa ao domínio público são as obras, as interpretações ou execuções e os fonogramas e não os seus titulares. Assim, por exemplo, um mesmo autor poderá ter obras protegidas e obras em domínio público, como veremos mais adiante.
Aplicação das normas às obras protegidas pelo Direito de Autor
1 - As obras escritas por um único autor serão protegidas por toda sua vida e pelo período que vai até 70 anos após a sua morte, contando-se esse prazo a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao do seu falecimento;
2 - As obras em co-autoria, indivisíveis, que são aquelas que são criadas em comum por dois ou mais autores, terão seu prazo computado a partir da morte do último dos co-autores sobreviventes, sendo as remunerações devidas a todos os seus titulares, inclusive aos que já faleceram há mais de 70 anos, uma vez que é a obra que continua protegida.
Por outro lado, quando um dos autores de uma obra indivisível vier a falecer sem deixar herdeiros ou sucessores, sua parte será acrescida à dos demais. Somente nesses casos os co-autores sobreviventes, ou seus herdeiros e sucessores, receberão a integralidade dos direitos produzidos pela obra.
As obras de um mesmo autor podem, portanto, passar ao domínio público em datas diferentes, conforme a data de falecimento de seu parceiro.
3 - As obras divisíveis ou justapostas, que são o resultado da junção de diferentes criações individuais justapostas, tal como no caso em que a letra é uma obra independente da música, como seria o caso em que um poema escrito por um autor e é musicado por um compositor, como partes diferentes que se juntaram e que podem ser perfeitamente definidas, identificadas e utilizadas separadamente. Neste caso o prazo de proteção deverá ser individualizado e contado, para cada parte da obra, a partir da data do falecimento de seu respectivo criador. Desta forma, a música poderá cair em domínio público e a letra continuar protegida, e vice-versa.
4 - Obras audiovisuais - as que resultam da fixação de imagens, com ou sem som, com a finalidade de criar a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação, ou seja, filmes de curta ou longa duração, seriados, novelas, desenhos animados, etc. Para essas obras o prazo de proteção será de 70 anos contados a partir de sua divulgação, embora as obras e os fonogramas nela contidos possuam seus próprios prazos de proteção, que podem não ser coincidentes.
5 -Obras anônimas e pseudônimas - as obras anônimas são aquelas cujo autor não tem seu nome indicado por ele assim decidiu ou por ser ele desconhecido; as obras pseudônimas são aquelas cujo autor se oculta sob nome suposto e não permite que sua identificação seja revelada, também denominado "pseudônimo secreto".
Segundo a lei, os direitos patrimoniais dessas obras serão exercidos por quem as publicar e o prazo de proteção será de 70 anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano imediatamente posterior ao de sua primeira publicação. Se o autor se fizer conhecer antes de expirado esse prazo, passarão a vigorar as regras válidas para as obras de autores conhecidos, respeitados os direitos adquiridos por terceiros durante o prazo em que o autor permaneceu anônimo ou se ocultou sob um pseudônimo secreto.
6 - As obras de autores falecidos sem deixar sucessores e as obras de autor desconhecido pertencem ao domínio público.
Embora sejam raros os casos em que um autor, especialmente após a vigência da Lei 9.610, que não restringiu a cadeia sucessória em matéria de direitos autorais, não deixe herdeiros ou sucessores ao falecer, esse fato pode ocorrer. Nesse caso, não tendo parceiros, a obra desse autor passa ao domínio público de imediato, em seguida à sua morte.
As obras de autor desconhecido, transmitidas por tradição, tal como as cantigas de roda e outras do gênero, também são consideradas como obras em domínio público e podem ser utilizadas livremente.
Os Direitos Conexos
Antes de tudo é preciso entender que a proteção concedida pela Convenção de Roma, à diferença da Convenção de Berna, que protege as obras em si mesmas, é destinada a certos titulares, que a própria Convenção qualifica. Desta forma, o prazo de proteção de cada uma das categorias de titulares por ela protegidos é contado a partir das situações específicas de que se trate: de uma interpretação, de uma fixação fonográfica ou de uma emissão de radiodifusão.
No Brasil segundo a legislação vigente, o prazo de proteção das interpretações é de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua execução ou representação; o prazo de proteção do fonograma é de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua fixação; o prazo de proteção das transmissões é de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua emissão.
O inciso IX do Art. 5º da Lei 9.610/98 define como fonograma toda fixação de sons de uma execução ou interpretação, ou de outros que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual. Não é, portanto, considerado como um fonograma a fixação que é feita somente como trilha sonora de uma obra audiovisual. Esse tipo de fixação, quando feita exclusiva e diretamente na banda sonora, não constitui por um fonograma.
Um fonograma poderá conter obras (musicais, poemas ou textos recitados, óperas, operetas), ou sons, ou ainda representação de sons, como no caso das gravações de sons da natureza (ondas do mar, ruído do vento, canto de passarinhos, etc.). Qualquer que seja o seu conteúdo, os fonogramas estarão protegidos da mesma forma e pelo mesmo prazo de duração.
É importante também destacar que, segundo o inciso XI do Art. 5º da Lei 9.610/98, considera-se produtor de fonograma a pessoa física ou jurídica responsável pela primeira fixação do fonograma, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado, isto é, CD, fita cassete, LP, etc. Isso significa que, para efeito de domínio público, o que conta é o ano da fixação do fonograma e não o ano de seu lançamento ou relançamento, seja pelo produtor original ou por um terceiro que haja adquirido tais direitos.
Em relação à proteção aos fonogramas estrangeiros utilizamos no Brasil, por uma questão de tradição e não porque a lei assim o determine, os denominados Princípios do Protocolo de Londres, que permitem que no campo da arrecadação e distribuição das remunerações obtidas frente aos usuários dos fonogramas, tais como a radiodifusão, os bares, restaurantes, etc., apenas os fonogramas nacionais sejam considerados.
Aplicação das normas de domínio público aos fonogramas
1 - Quando um fonograma vier a ser lançado novamente no mercado em data posterior, pela própria companhia que o fixou pela primeira vez, ou mesmo por terceiras pessoas autorizadas, sem alterações que o modifiquem, prevalece para a contagem do prazo o ano da primeira fixação. No Brasil, como a lei 9.610/98 não retroagiu, os fonogramas gravados até 1937 passaram ao domínio público e são, portanto de livre utilização para qualquer fim, inclusive para sua reprodução.
2 - Quanto aos fonogramas "remasterizados", relançados em suportes físicos diferentes daqueles originalmente produzidos e não expressamente mencionados nos contratos celebrados entre artistas e músicos, a questão é controversa. As companhias gravadoras defendem a tese de que, nesses casos, trata-se apenas do lançamento de um fonograma já existente mediante o uso de outro suporte físico, sem qualquer alteração de conteúdo, e que não depende, portanto, de uma nova contratação. Nesse caso, o prazo de proteção não sofre qualquer solução de continuidade e será contado a partir da fixação original. Outros segmentos consideram que o processo de remasterização altera parte dos sons originais e cria um novo fonograma, cujo lançamento deve contar com a anuência dos artistas, e com todas as autorizações exigidas para que um fonograma original seja fixado. A prevalecer essa segunda teoria, que considera a existência de uma modificação e portanto de um fonograma novo, a contagem do prazo de proteção terá início a partir dessa "nova fixação".
3 - O prazo de proteção dos fonogramas e das obras neles contidas não se confunde. O fonograma poderá continuar protegido, embora a obra passe ao domínio público e vice-versa. Mesmo sendo casos menos comuns, de autores precoces ou de apreciada longevidade, as obras também poderão continuar protegidas depois dos fonogramas haverem caído em domínio público.
A Territorialidade das Leis sobre Direitos de Autor e Direitos Conexos e a aplicação dos prazos de proteção
1 - Uma das características mais importantes das leis de Direitos de Autor e de Direitos Conexos é a sua territorialidade, ou seja, sua aplicação é restrita ao território nacional do país de que se trate.
2 - Por outro lado, existem Convenções Internacionais livremente ratificadas por países de todos os continentes, como é o caso do Convênio de Berna, que estabelecem princípios básicos e obrigatórios em todos eles. Entre esses princípios, destacaríamos:
a) O princípio da assimilação dos estrangeiros, nacionais de um país signatário do Convênio, aos nacionais de outro país também signatário, no qual se reclama a proteção (Art. 5º - C. Berna);
b) A determinação de que o prazo mínimo de proteção das obras será de 50 anos após a morte de seu autor, contado a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao do seu falecimento. Este prazo poderá ser maior, segundo o que for estabelecido pela lei nacional de um país;
c) O princípio que esclarece que um país que ofereça um prazo mais dilatado aos seus nacionais não está obrigado a conceder aos estrangeiros uma proteção maior que a do país de origem da obra, mas que acrescenta que as leis nacionais poderão dispor de outra forma (Art. 8º - C. Berna), adotando, em relação aos nacionais de outros países, o mesmo prazo vigente para seus nacionais;
d) O que determina a nacionalidade de uma obra não é obrigatoriamente a nacionalidade do seu autor e sim a do país de origem da obra.
3 - Podemos considerar, dessa forma, a possibilidade de adoção de diferentes comportamentos na aplicação das regras de domínio público às obras estrangeiras:
a) Limitar a proteção ao prazo do país de origem da obra, sempre que este prazo for menor que o do país onde a proteção é reclamada, respeitando-se, obviamente, o prazo mínimo de 50 anos;
b) Aplicar sempre, inclusive às obras estrangeiras, originárias de países da União de Berna, o prazo da lei nacional do país onde se reclama a proteção.
3 - A lei 9.610/98 assegura que suas regras serão aplicadas aos estrangeiros nacionais ou residentes em países igualmente aderidos às convenções e tratados internacionais vigentes no Brasil, sem nenhuma ressalva em relação ao prazo de proteção de obras ou fonogramas provenientes de países cujas leis nacionais estabeleçam prazos menores que os nossos. A lei fala em reciprocidade na proteção, ou seja: o Brasil assegura às obras originárias de países que também ofereçam proteção às obras brasileiras em seus respectivos territórios todos os direitos que assegura aos seus nacionais.
4 - Face ao exposto, nada impede que, no Brasil, as obras originárias de países membros do Convênio de Berna sejam protegidas por setenta anos "p.m.a.", mesmo que em seus países de origem o prazo seja menor, aplicando-se o princípio da assimilação, o que facilita o controle das atividades de licenciamento, arrecadação e distribuição de direitos. Mutatis mutandi, as mesmas considerações podem ser feitas em relação aos titulares de direitos conexos originários de países membros da Convenção de Roma de Roma, embora eles não sejam levados em consideração para as finalidades da gestão coletiva no Brasil.
Os direitos adquiridos na vigência da lei anterior
Como já foi visto, a Lei 5.988/73 estabeleceu um regime especial para a sucessão em direitos autorais, que ao mesmo tempo em que criava uma vitaliciedade para os herdeiros de 1o grau na linha descendente ou ascendente (filhos ou pais) e cônjuges, excluía uma série de parentes chamados à sucessão pelo Código Civil, sistema esse que criou vários inconvenientes, entre eles o fato de que nem todos os filhos de um autor são registrados, conhecidos ou reconhecidos, o que cria uma grande incerteza no momento de declarar-se que uma determinada obra está em domínio público, e o da concessão de uma série de alvarás por Juizes de Varas de Órfãos e Sucessões, determinando o pagamento dos valores obtidos pela exploração das obras do autor falecido a um "sucessor" não reconhecido como tal pela Lei de Direitos Autorais. Com o advento da nova lei esses inconvenientes desapareceram. No entanto, restam os casos dos herdeiros que adquiriram direitos vitalícios na vigência da lei 5.988/73, que permanecerão vigentes como uma exceção de direito à norma jurídica.
© por Vanisa Santiago
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