DIREITO AO MEIO AMBIENTE: UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL

A preocupação com o meio ambiente é antiga. Nas Ordenações Filipinas, por exemplo, mais especificamente em seu Livro Quinto, Título LXXV, era prevista pena gravíssima para quem cortasse árvore ou fruto, sujeitando o infrator ao açoite ou ao desterro na África pelo período de quatro anos, se o dano fosse mínimo, caso contrário, o desterro seria perpétuo (1). Sabe-se, também, que na Mongólia medieval Gengis Cã proibia o corte de árvores, quando estas estivessem em época de crescimento, bem como a caçada a animais em época de reprodução. Não obstante isso, o tema foi esquecido por um longo tempo, só ganhando relevo recentemente, há menos de um quartel de século. As nossas Constituições anteriores, por exemplo, nunca teceram uma linha sequer sobre o tema.

A Constituição de 1988, em seu art.225 (2), assim reza:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”.

Assim, é a primeira vez que o tema é tratado por uma Constituição Brasileira. Acerca disso vejamos o que disse Édis Milaré (3):

“Marco histórico de inegável valor, dado que as Constituições que precederam a de 1988 jamais se preocuparam da proteção do ‘meio ambiente’, a revelar total despreocupação com o próprio espaço em que vivemos.”

A questão ambiental tem sido uma preocupação dos Estados modernos. Trata-se de um problema que envolve, não só um país ou um grupo isolado de países, mas o mundo inteiro. Tal preocupação se acentuou, principalmente, após a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972 e acentuou-se ainda mais, após a realização da Eco-92, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992. O Estado Brasileiro, atento às questões ambientais, fez incluir em sua Constituição, pela primeira vez, um capítulo voltado para o meio ambiente.

Corroborando com o que foi dito acima, o Governo Brasileiro assinou, recentemente, mais precisamente em 23.07.2002, a Carta de Ratificação do Protocolo de Kyoto, o qual regula a emissão de gases que provocam o denominado efeito estufa.

Inicia o artigo acima disposto dizendo ser direito de todos o “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, o qual se constitui em “bem de uso comum do povo”, sendo “essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

O Brasil segue, assim, uma tendência mundial, posto que inúmeros países têm colocado em suas Constituições e legislação específica normas de preservação e defesa do meio ambiente. Nesse sentido tem-se a Constituição da Nação Argentina, de 1853 (com a reforma de 24 de agosto de 1994), que versa a matéria em seu Art.41; Constituição do Reino da Espanha, de 27 de dezembro de 1978, que versa sobre o tema no Art.45; a Constituição do Reino da Noruega de 1814, que trata do assunto em seu Art. 110 b; a Constituição da República Bolivariana da Venezuela, de 2001, que trata do assunto no Art.127, Constituição da República Portuguesa, de 1976 (com a reforma de 1994), que cuida do tema no Art.66; dentre outras.

Não basta apenas dizer que o meio ambiente equilibrado é um direito de todos se não se lhes assegura meios capazes de tornar efetivo tal direito. Assim é que o §1º do artigo nuper citado diz quais as medidas que o Poder Público deverá tomar para que tal direito saia da frialdade inorgânica da norma e seja realizado.

Assim, incumbe ao Poder Público o seguinte: a) a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, bem como prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; b) a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético do País e a fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; c) a definição, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; d) a exigência, na forma da lei, da instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; e) o controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; f) a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; e, por fim, g) a proteção da fauna e da flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

O §2º é de fundamental importância para a garantia do direito expresso no caput do artigo em comento, posto que obriga “aquele que explorar recursos minerais” a “recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.” A exploração mineral é a que mais causa danos ao ambiente, tais como: contaminação por mercúrio, depósitos de areia e assoreamento das lagoas, dentre outros.

Cabe à lei a fixação da forma de recuperação do ambiente degradado, caso não o faça o estudo de impacto ambiental(4), o qual é necessário para a instalação da atividade, o que seria correto fazer, demonstrando, assim, o compromisso dos responsáveis pela exploração com a questão ambiental .

O texto fala ainda em órgão competente, o qual até a presente data não foi criado.

A norma insculpida no §3º diz que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Vê-se uma profunda mudança em relação aos textos constitucionais anteriores: a responsabilização, também, de pessoas jurídicas.

Durante anos aceitou-se a doutrina de que as pessoas jurídicas seriam irresponsável, posto que, como ficção jurídica, não têm capacidade de ação, de culpabilidade e de pena. Inexistindo tais requisitos e sendo a conduta criminosa uma atividade fim, não se poderia responsabilizar as pessoas jurídicas. Os defensores de tal tese dizem ainda que a frase “pessoas físicas ou jurídicas” que no texto constitucional se acha entre vírgulas, deveria ser acompanhada da palavra “respectivamente”, no sentido de se atribuir somente às pessoas físicas a responsabilidade penal.

Note-se, no entanto, que quis o constituinte exatamente prever a responsabilização das pessoas jurídicas, entendendo que estas podem causar danos ao meio ambiente e serem responsabilizadas. A frase entre vírgulas está explicando quais os possíveis infratores. Mas, note-se que se se admitisse a tese dos que negam a responsabilidade das pessoas jurídicas, estar-se-ia inutilizando o texto constitucional. Nesse sentido Sílvia Cappelli(5), citando Eduardo Roth Dalcin, assevera que:

“... caso se admitisse aquela interpretação restritiva reconhecer-se-ia a ‘inutilidade do preceito constitucional, haja vista a desnecessidade de afirmar-se, no contexto da Lei Maior, a responsabilidade das pessoas físicas e o sancionamento administrativo às pessoas jurídicas porque inerentes aos conceitos de direito penal e de direito administrativo, respectivamente.’”

Cabe aqui, como já o fizemos alhures, citarmos Exner(6), para quem:

“o crime de uma pessoa jurídica não é uma impossibilidade conceitual, nem a pena seria inconcebível no sentido de voluntária produção de um mal, porque quem tem direitos pode ser deles privado.”

Note-se, também, que o texto acima disposto não é isolado, tendo o art.173, §5º desta Constituição previsto a responsabilização das pessoas jurídicas o que confirme a tese de que o constituinte quis exatamente prever a responsabilização da pessoa jurídica, quando esta praticar qualquer ilícito contra o meio ambiente. Tal tendência é esposada por textos alienígenas, como o Código Penal da França (art.121, item 2), o Código Penal de Portugal (art.11) e a Recomendação do Conselho da Europa aos Estados membros, de 1977, dentre outros textos.

Entendemos correta a interpretação dos que afirmam ser possível a responsabilização das pessoas jurídicas, uma vez que estas são capazes de praticarem crimes contra o meio ambiente e pelos argumentos acima expostos.

Cuida o §4º do patrimônio nacional, o qual, conforme o texto acima disposto, abrange a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. Tais ecossistemas serão não só preservados como, também, serão úteis economicamente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais, tendo-se, por óbvio, que ser preservado o meio ambiente, conforme disposição legal. A qualidade do meio ambiente, conforme José Afonso da Silva(7), se transforma:

“... num bem, num patrimônio, num valor mesmo, cuja preservação, recuperação e revitalização se tornaram num imperativo do Poder Público, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento. Em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida.”

O §5º contém uma exceção à regra da disponibilidade dos bens públicos dominiais, desde que incorporados ao patrimônio público pela via da ação discriminatória. Tais bens, também, deverão ser necessários à proteção dos ecossistemas naturais, servindo para a formação de reserva territorial dos Estados.

O §6º exige, para a instalação de usina que opere com reator nuclear, que lei federal defina a sua localização. Sem a disciplina legal não se poderá instalar, onde quer que seja, qualquer usina nuclear. A disciplina pela lei federal é importante, posto que a publicidade do tema influenciará na qualidade de vida da população afetada, a qual deverá se manifestar acerca do assunto.

Notas:

(1) Nesse sentido Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1999. Pág. 615.

(2) Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Art. 225.

(3) Édis Milaré apud Alexandre de Moraes. Op. cit. Pág. 615. Cabe, aqui, também, colacionarmos o magistério de Paulo Bonavides. A crise da estabilidade social. Correio Braziliense, de 23.07.1989, o qual segue: “Cumprida toda uma trajetória de avanços sociais, das Constituições já não se reclamam direitos, mas garantias. Os direitos existem de sobra. São tão copiosos e adiantados na esfera programática, que formalmente o texto constitucional resolveu, à primeira vista, todas as questões básicas de educação, saúde, trabalho, previdência, lazer e, de último, até mesmo a qualidade de vida, consagrando, inclusive, um capítulo à ecologia ou, com mais propriedade, ao meio ambiente”.

(4) Nesse sentido: Fundação Prefeito Faria Lima - CEPAM. Op. cit. Pág. 486.

(5) Eduardo Roth Dalcin apud Sílvia Cappelli. Responsabilidade da pessoa jurídica em matéria ambiental: uma necessária reflexão sobre o disposto no art.225, §3º, da Constituição Federal. In: www.agirazul.com.br/silvia.html

(6) Exner apud Sílvia Cappelli. Op. cit. No mesmo sentido Luís Roberto Barroso (In: A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. In: http:// www.direitopublico.com.br Revista Diálogo Jurídico. Vol. 14. Junho/Agosto 2002. Pág. 10) diz que: “Um ambiente saudável é o limite ao livre exercício da atividade econômica e, para defendê-lo e garantir a sadia qualidade de vida da população, o Estado tem o poder-dever de intervir na atuação empresarial, mediante a edição de leis e regulamentos que visem a promover o desenvolvimento sustentado”

(7) José Afonso da Silva. Op. cit. Pág. 773. No mesmo sentido György Lukács. Bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. Trad. Port. (Carlos Nelson Coutinho). In: Temas de Ciências Humanas. nº 4. São Paulo: Ciências Humanas, 1978. Pág. 6, assevera que: “A utilidade do meio ambiente seria, então, o pressuposto fundamental para que o homem se realize como homem, diferenciado de outras formas de vida, pois racionalmente poderá ser aperfeiçoada toda a humanidade, através do equilíbrio entre o homem e a natureza, fazendo este indivíduo opções que garantam ao mesmo tempo - ontologicamente - a possibilidade do seu desenvolvimento superior, do desenvolvimento dos homens que trabalham”. Recomenda-se, ainda, acerca do tema, a leitura do utilíssimo livro de Francisco de Castro Azevedo. Nosso Futuro Comum - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV, 1988. Vide, também, U Thant et alii. Guerra à Poluição. Rio de Janeiro: FGV, 1973; Harold W. Helfrich Jr. (coord.). A crise ambiental: a luta do Homem para viver consigo mesmo. Trad. Port. Cláudio Gilberto Foelich e Fernando de Castro Ferro. São Paulo: Ed. Melhoramentos/EDUSP, 1974.

Bibliografia:

AZEVEDO, Francisco de Castro. Nosso Futuro Comum - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV, 1988.

BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. In: http:// www.direitopublico.com.br Revista Diálogo Jurídico. Vol. 14. Junho/Agosto 2002.

BONAVIDES, Paulo. A crise da estabilidade social. Correio Braziliense, de 23.07.1989.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

CAPPELLI, Sílvia. Responsabilidade da pessoa jurídica em matéria ambiental: uma necessária reflexão sobre o disposto no art.225, §3º, da Constituição Federal. In: www.agirazul.com.br/silvia.html

FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Breves Anotações à Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990.

HELFRICH JR., Harold W. (coord.). A crise ambiental: a luta do Homem para viver consigo mesmo. Trad. Port. Cláudio Gilberto Foelich e Fernando de Castro Ferro. São Paulo: Ed. Melhoramentos/EDUSP, 1974.

LUKÁCS, György. Bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. Trad. Port. (Carlos Nelson Coutinho). In: Temas de Ciências Humanas. nº 4. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª edição revista. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

U THANT et alii. Guerra à Poluição. Rio de Janeiro: FGV, 1973.

(Danclads Lins Andrade).

Danclads
Enviado por Danclads em 03/03/2010
Reeditado em 06/04/2013
Código do texto: T2117047
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