O CNJ e o caso Roberto Wider: Uma chaga aberta nos fundamentos democráticos.

“Todo o Poder emana do povo”, reza a carta máxima de nossa nação. Ao povo, direitos básicos inalienáveis e irrefutáveis, dentre eles o direito a ampla defesa em face de quaisquer que sejam as acusações. “Todo homem é inocente até que se prove o contrário”, eis um princípio democrático apriorístico cujo cerne repousa na mais profunda sacralidade da Doutrina do Direito. Ao esquecermo-nos destes tópicos corremos o grave perigo de macularmos a história recente de nossa democracia pós-ditadura, abrindo-lhes fissuras pelas quais podemos antever antigos medos e desafetos do bem estar social. Com o tempo, fissuras tendem a se transformar em fendas horríveis, e o processo democrático, ao ver-se desacreditado, sofre aquele tipo de abalo terrível nos seus fundamentos, o que degrada o estado de direito, minando-o paulatinamente, vulgarizando-o peremptoriamente, até levá-lo a fatídica falência. Vemos a inexorável materialização desta ameaça antidemocrática na dantesca punição do CNJ – e no alarde midiático em torno de tal fato – ao desembargador Roberto Wider, punido porque afastado do cargo, devassado porque após anos de magistratura teve de expor sua imagem aos holofotes dos comerciantes de notícias frescas, tudo isto sem ao menos ter se iniciado contra o mesmo, o devido processo administrativo, e não judicial, uma vez que o CNJ não goza de poder jurídico. Como manter intacta a nossa Democracia se permitirmos a estapafúrdia inversão do trâmite jurídico, a saber, se permitirmos que no Brasil, mesmo em claro e aberrante desacordo com a Constituição, pessoas sejam punidas antes de serem julgadas, ou que sejam julgadas antes de tramitação processual? O desembargador Roberto Wider, em um caso impar - diria que em um imbróglio tamanho, de fazer corar qualquer homem de bom senso e razão - haverá de dar cabo de sua defesa “depois” de ter sido punido, quando em qualquer país do mundo com um Judiciário realmente consolidado, a punição é sempre o rito derradeiro oriundo de uma sentença, peça final de um processo, nunca seu ponto de partida. Ao início de um processo todo cidadão é inocente, e somente ao final, após provas contundentes da sua culpabilidade, há a plausibilidade teórica bem como a necessidade jurídica de punição. O desembargador Roberto Wider, na seara do CNJ, vê seu processo ser iniciado já como culpado, devendo comprovar sua inocência. Esdrúxula exceção ao espírito do Direito, esta que se abate agora sobre tal homem. Porque não sei e tampouco poderei sabê-lo ou compreende-lo, uma vez que o absurdo é sempre incognoscível e ignóbil. O CNJ tem o direito e o dever de fiscalizar o Judiciário – deve fazê-lo por ser esta a sua função, mas tanto o julgamento ao desembargador Roberto Wider quanto a sua comunicação pela imprensa extrapolou os limites conceituais e legais da fiscalização. Houve em tal evento, algo de teatral e anacrônico, que me lembrou de certos tempos terríveis quando a Liberdade era tal qual uma deusa mitológica, bela, porém inacessível. Que o CNJ cumpra com sua nobre e necessária função, mas que o faça de um modo contemporâneo, afinal, vai-se ao longe o tempo da caça as bruxas, e não podemos permitir o seu sinistro retorno.

Vinicius Carvalho da Silva

Filósofo

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