SOBRE O RACISMO
Sumário: 1. Teorias Racistas: 1.1. Teoria Intraeuropéia; 1.2. Teoria Intercontinental. 2. Racismo no Brasil. 3. Raça e Genoma. 4. O Crime de Racismo. 5. Conclusão.
O presente trabalho visa abordar a questão racial no Brasil. Segundo o art.5º, inciso XLII, da CF, o racismo em nosso país se constitui como crime imprescritível e inafiançável. Não podia ser de outra forma, posto que somos uma sociedade formada por um povo miscigenado desde sua origem. Vale salientar que o repúdio ao racismo é princípio que norteia o Brasil em suas relações internacionais.
1. Teorias Racistas:
A origem do racismo se perde no tempo, podendo-se afirmar que desde o momento em que os primeiros grupamentos humanos surgiram na Terra surgiu o racismo.
Porém, as teorias racistas somente se formaram a partir do século XVIII, com os escritos do conde Gobineu, principalmente o seu “Ensaio sobre a desigualdade dos Homens”, onde buscava justificar a supremacia dos europeus sobre os demais povos, utilizando como argumento a raça.
Existiram várias teorias, mas somente duas ganharam relevo, em face de sua abrangência política: a teoria intraeuropéia e a teoria intercontinental.
1.1. Teoria Intraeuropéia:
Segundo tal teoria racista, era necessário “limpar” a Europa dos indivíduos racialmente indesejáveis.
Tal teoria foi largamente utilizada pelos nazistas para justificar o massacre aos judeus, ciganos e demais grupos humanos assim classificados.
Visava-se à criação de uma “raça superior” dentro da Europa, a qual seria capaz de governar o mundo.
1.2. Teoria intercontinental:
Como o próprio nome faz intuir, tinha abrangência maior que a teoria anterior, pois o campo de atuação era o mundo.
Tal teoria visava justificar a supremacia dos europeus sobre os demais povos, notadamente sobre os que foram colonizados. Tal teoria também foi utilizada nos Estados Unidos, com a finalidade de justificar a escravidão naquele país.
O ideólogo de tal teoria foi o Conde Gobineau que em seu livro “Ensaio sobre as desigualdades das raças humanas” propunha tal tese.
2. Racismo no Brasil:
Em face da miscigenação do povo brasileiro, alguns estudiosos chegaram a afirmar que o Brasil se constituía em uma verdadeira “democracia racial”. Nesse sentido, Stefan Zweig - escritor austríaco que visitou o País na década de 1940 - chegou a afirmar que o Brasil, em se tratando da questão racial, era o país “menos fanático”1.
Mas, só isto basta para assim qualificar o Brasil? Seria o Brasil uma democracia racial?
A nossa Constituição assegura o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à igualdade. Isto significa que qualquer prática atentatória contra tais valores será punida pelo Estado. O racismo é uma forma aviltante de segregação, de discriminação, a qual o Brasil, por motivos político, éticos, étnicos, etc., não pode permitir.
Aliás, até em respeito à nossa formação étnica não poderia a Constituição ser diferente, pois, conforme, Gilberto Freyre2 :
“(...) híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se constitui mais harmoniosamente quanto às relações de raça dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo aproveitamento dos valores e experiência dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, da do conquistador com a do conquistado”.
No entanto, Peter Fry lembra que no Brasil existe um racismo insidioso, pairando sobre a sociedade3, não podendo, pois, caracterizar o país como uma “democracia racial”, mas como uma sociedade mais tolerante.
Observe-se que o racismo pode levar o indivíduo que é discriminado a se olhar como inferior.
Acerca disto, Arthur Ramos afirmou que: “(...) a abolição da escravatura nas várias partes de Toda-a-América não havia libertado o negro da pesada cadeia de preconceitos seculares” e indo mais além disse que “A sua alma continuava presa aos grilhões do seu complexo de inferioridade coletivo”4.
Por meio de estereótipos degradantes, disseminados no ideário social, forma-se a idéia de superioridade e de inferioridade de uma determinada “raça”.
Neste sentido Roger Bastide5 afirma que a origem da discriminação racial radica-se em estereótipos degradantes impostos a determinada raça, fazendo com que a sociedade em geral passe, ainda que inconscientemente, a julgá-los válidos.
Acerca do tema, Peter Fry aduz que: “(...) é preciso convencer o povo brasileiro de que o espectro de colorações da pele não passa de uma ilusão que mascara a ‘verdadeira’ divisão entre brancos e negros, tal como acontece nos Estados Unidos”6.
Alguns países no passado, como a África do Sul e a Rodésia (atual Zimbábue) enquanto vigorou o aviltante regime do apartheid, previam em sua legislação a discriminação racial, conseguindo com isso a antipatia e o repúdio internacional.
No Brasil, antes do advento da atual Constituição, já existiam leis assegurando punições a atos de racismo, como a Lei 1.390/51 (Lei Afonso Arinos) que punia tais crimes. O inconveniente desta lei é que tratava como contravenção o racismo. Em face disso uma nova lei - Lei 7.716/89 - revogou aquela aplicando de forma mais severa punição aos infratores. Trata-se o racismo, atualmente, como crime.
Assim, toda discriminação não autorizada pela Constituição é inconstitucional.
3. Racismo e o Genoma:
A idéia de raça, falando em um sentido biológico e diante das descobertas do projeto GENOMA, está sendo revista, pois os cientistas puderam verificar que, cientificamente, inexistem raças humanas, mas espécie humana.
Sobre isto, Ali Kamel afirmou que:
“O genoma humano é composto de 25 mil genes. As diferenças mais aparentes (cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz) são determinadas por um conjunto de genes insignificantemente pequeno se comparado a todos os genes humanos. Para ser exato, as diferenças entre um branco nórdico e um negro africano compreendem apenas uma fração de 0,005 do genoma humano”7 .
Desta forma, segundo um dos cientistas do projeto Genoma, o Dr. Craig Venter: “Raça é um conceito social, não um conceito científico”8 .
Por outro lado, a idéia de raça, incutida no pensamento humano pelas diversas formas de dominação (escravidão, servidão, colonização, etc), promoveu a discriminação entre os vários segmentos sociais, principalmente tendo-se como fator divisório a falsa idéia de raça, notadamente raça superior e inferior.
Desta forma, a classificação dos grupos humanos em raças é de caráter social, o que impõe a punição de práticas tendentes a subjugar ou menosprezar determinados grupos humanos, aos quais atribuem a pecha de raça inferior, em detrimento de outro que se julga raça superior. Este entendimento, inclusive, é o mesmo do STF (HC82424/RS. Rel. Moreira Alves. Julg. 17.09.2003).
Não há, pois, no mundo atual, e em particular no Brasil, lugar para práticas racistas, violadoras dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e do princípio da igualdade.
4. O crime de racismo:
O crime de racismo é imprescritível e inafiançável. O Brasil, por ser um Estado Democrático de Direito, onde prevalece, dentre outros princípios, os direitos humanos, não poderia permitir que determinados atentados contra tais valores caíssem no esquecimento, posto que, do contrário, equivaleria a incentivar, por omissão, idéias atentatórias à dignidade humana, tais como o nazismo, o fascismo, a xenofobia, etc. Certos crimes não podem deixar de ser punidos, razão esta pela qual se justifica a imprescritibilidade do crime de racismo, ou seja, para que as gerações atuais e futuras não venham a praticá-lo.
Como visto no tópico anterior, não existem raças, mas, somente, a espécie humana e que a idéia de raças é eminentemente social.
Este é o fundamento pelo qual a criminalização do racismo continua válida, pois a Constituição não pode permitir atentados à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos.
5. Conclusão:
O racismo é uma prática aviltante, pois atinge a dignidade da pessoa humana e a igualdade. Tal prática coloca obstáculos ao desenvolvimento social adequados daqueles que sofrem a discriminação. A sociedade brasileira, originariamente miscigenada, não poderia agasalhar tal idéia.
É certo que, conforme os estudos científicos, não existem mais raças, somente a espécie humana.
Porém, em face da persistência de condutas racistas, a criminalização de tal prática continua sendo necessária para que possamos futuramente afirmar, como Stefan Zweig, que somos uma democracia racial.
(Danclads Lins de Andrade)
Notas
1 Stefan Zweig apud Peter Fry. A persistência da raça: ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África Austral. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005. Capítulo 7. Pág. 216.
2 Sir Gilberto Freyre. Casa Grande & Senzala. 13ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966. Pág. 128. No mesmo sentido Joaquim Nabuco dizia que mesmo durante a escravidão havia uma fusão de raças e não uma guerra, senão vejamos: “No Brasil, a escravidão é uma fusão de raças; nos Estados Unidos é a guerra entre elas. Nossos proprietários emancipavam aos centos os seus escravos, em vez de se unirem para linchar os abolicionistas, como fariam os criadores do Kentucky ou os plantadores da Luisiania” (Joaquim Nabuco. Minha Formação. Introdução de Alceu Amoroso Lima. Série Clássicos Brasileiros. nº 243. Capítulo V. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1966. Pág. 71).
3 Peter Fry. Op. cit. Capítulo 7. Pág. 209
4 Arthur Ramos. O Negro Brasileiro. 1º Vol. (etnografia religiosa). 5ª ed. Rio de Janeiro: Graphia, 2001. Pág. 18
5 Roger Bastide. Stéreotypes et préjugés de coeuleur. In: Sociologia. Vol. XVIII, nº 2, de maio de 1956. Págs. 141-171.
6 Peter Fry. Op. cit. Págs. 177 e 178.
7 Ali Kamel. Não somos racistas: uma reação aos que nos querem transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. Pág. 45.
8 Craig Venter apud Ali Kamel. Op cit. Pág. 45.
BIBLIOGRAFIA:
BASTIDE, Roger. Stéreotypes et préjugés de coeuleur. In: Sociologia. Vol. XVIII, nº 2, de maio de 1956.
FREYRE, Sir Gilberto. Casa Grande & Senzala. 13ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
FRY, Peter. A persistência da raça: ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África Austral. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005.
KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que nos querem transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Introdução de Alceu Amoroso Lima. Série Clássicos Brasileiros. nº 243. Capítulo V. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1966.
RAMOS, Arthur. O Negro Brasileiro. 1º Vol. (etnografia religiosa). 5ª ed. Rio de Janeiro: Graphia, 2001.