Processo de conhecimento, uma preleção.

Processo de conhecimento, uma preleção.

O processo de conhecimento classicamente pelo menos em suas origens não era dotada de antecipação de tutela e apenas desembocava nas sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias.

Mas no afã de permitir maior efetividade dos direitos, o legislador incorporou ao processo de conhecimento, ao final de 1994 a técnica antecipatória (art. 273 do CPC) e as sentenças mandamentais e executivas ( art. 461 do CPC). Para a sua implementação.

A Lei 11.232/2005 deu nova feição à sentença condenatória acrescentando ao processo de conhecimento uma fase salutar de “cumprimento de sentença”, dispensando a necessidade de ação e de processo de execução.

Nesse sentido afirmava-se que no processo de conhecimento o juiz partia da afirmação de um fato para alcançar uma “declaração de um direito”.

Assim as três sentenças do processo de conhecimento clássico são em sentido lato sensu, declaratórias. Lembremos pois que a sentença declaratória stricto sensu, constitutiva e condenatória, ainda que declarando, ultrapasse a mera declaração e, então “ constitua – desconstitua” uma situação jurídica ou ainda condene.

A sentença constitutiva, antes de formar, modificar ou extinguir certa relação jurídica, declara algo que possibilita a constituição ou desconstituição. A sentença declaratória difere da constitutiva na medida em que ela é apenas declaratória, e por isso é chamada de declaratória stricto sensu.

Por sua vez, a sentença condenatória diferenciava-se da sentença declaratória porque abria a oportunidade para a ação de execução que dava origem a um processo de execução.

O processo de execução é aquela aonde o credor na qualidade de autor postula um direito já declarado seja realizado, mediante atos concretos que agridem o patrimônio do devedor para o seu efetivo pagamento, afastando-se do processo de conhecimento em virtude do princípio de que somente poderia haver a execução se houvesse título executivo.

O título executivo é expediente técnico da doutrina processual civil e enseja a instauração da execução, com a conseqüente agressão da esfera jurídica do devedor na qualidade de réu, apenas era possível a partir de um título executivo, tal como a sentença condenatório (título executivo judicial) ou um cheque ou nota promissória ( título executivo extrajudicial).

É evidente que a demora do processo de conhecimento prejudica o credor, e que a tarefa do legislador, abreviando a demora da justiça em favor de alguns credores, mediante a tipificação de títulos executivos, parte de valores sociais, e por isso é muitas vezes realizada, ainda que inconscientemente, em privilégio de determinadas posições sociais.

Na verdade, para que o processo seja efetivamente democrático, não basta que ele trate de forma igualitária a todos aqueles que dele participam, mas é também necessário que ele seja instituído para todos, sem tratar de forma diferente aqueles que não merecem esse tratamento.

A grande esperança é que o processo jurisdicional seja tempestivo para todos, e dessa maneira toda a situação de direito material que pudesse desde logo ser evidenciada como provável deveria abrir oportunidade para a execução, isto é, para realização concreta do direito do credor.

Proto Pisani, ilustre professor da Universidade de Florença além de expressamente denunciar que os títulos executivos extrajudiciais sempre privilegiaram determinados sujeitos e seus respectivos direitos, propõe o alargamento da técnica dos títulos executivos extrajudiciais a todos as hipóteses em que um documento idôneo seja capaz de fornecer grau de probabilidade considerada suficiente, independentemente do peso político dos sujeitos que poderiam usufruir dos títulos.

Resta perceber que o processo de conhecimento e a sentença condenatória deveriam anteceder ao processo de execução por uma simples razão: não seria concebível a invasão da esfera jurídica do réu antes de se dar a ele a ampla oportunidade de defesa e recurso.

Dizia-se, também com o intuito de aludir a essa questão, que a esfera jurídica do réu não poderia ser invadida antes de ser encontrada a “verdade”, que surgiria apenas no final do processo de conhecimento.

A tutela definitiva exigia a certeza jurídica, ou seja, a possibilidade de ampla participação em contraditório dos interessados, evitando-se, principalmente, qualquer lesão à ampla defesa, que seria resquício de “épocas obscuras” anteriores à Revolução Francesa.

Com o evoluir dos tempos e com o surgimento de novos direitos, muitas vezes de conteúdo não patrimonial, verificou-se que o tempo necessário à ampla participação dos interessados era completamente incompatível com a adequada tutela dos direitos que exigiam, cada vez mais, uma resposta jurisdicional célere.

Assim, num primeiro momento, utilizou-se da ação cautelar concebida apenas para assegurar a efetividade do processo de conhecimento e do processo de execução para antecipar a tutela que era requerida no processo de conhecimento.

A tutela antecipatória rompe o princípio de que não há execução sem título judicial e, especialmente, com a idéia de que não era possível antes de ser proferida a sentença condenatória, principalmente porque era viável a execução da sentença na pendência do recurso (art. 520 CPC) e, portanto, antes do trânsito em julgado, o que, nas já lembradas palavras de Chiovenda, seria algo anormal.

Assim, a tutela antecipatória quebra o princípio de que não há execução sem título.

A doutrina clássica não só admitia a sentença mandamental porque ela interfere na realidade social e o processo de conhecimento somente poderia culminar em sentença que se limitasse a atuar no plano normativo, sem executar ou realizar concretamente o direito, mas principalmente porque a sentença que ordena e impõe uma ameaça interfere na esfera jurídica do réu, o que evidentemente não era admissível num Estado preocupado em não se intrometer na esfera jurídica dos particulares, mantendo sua liberdade.

Na verdade, o art. 461 do CPC (bem como o art. 84 do CDC) não só prevê expressamente a sentença mandamental como também admite a sentença executiva.

As sentenças mandamentais e executivas bem como a sentença condenatória geraram a unificação das atividades de conhecimento e execução em um único processo.

Não há dúvida de que tais sentenças constituem títulos executivos (art. 475-N do CPC), mas é indiscutível que diante destas, não há como fazer distinção entre processo de conhecimento e processo de execução.

Com os novos e fundamentais institutos da tutela antecipatória e da ação inibitória, o processo cautelar pode voltar a ocupar o lugar para o qual foi criado, limitando-se a assegurar a efetividade da tutela do direito material.

O processo de conhecimento serve-se do procedimento comum e dos procedimentos especiais. O procedimento comum, por sua vez, pode ser ordinário ou sumário (art. 272 do CPC).

Referências

SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de processo civil, volume I, tomo I, processo de conhecimento, 8ª edição, ver e atualizada, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro, Editora Forense, São Paulo, Método, 2009.

DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2007.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17ª edição, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2008.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Atualizadora Ada Pellegrini Grinover. Eficácia e Autoridade da Sentença e outros Escritos sobre a Coisa Julgada. Editora Forense, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme e Sérgio Cruz Arenhart. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 7ª. Edição. Editora Revista dos Tribunais, 2008.

ONOFRIO, Fernando Jacques. Lições preliminares de Direito Processual Civil. Volume I, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2008.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 20/01/2010
Reeditado em 27/03/2010
Código do texto: T2039856
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.