LIBERDADE DE EXPRESSÃO: A BASE PARA O VERDADEIRO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

RESUMO

Este material esclarece sobre a importância da liberdade de expressão para o Estado democrático, como ambos estão interligados e são indissociáveis.

Compara o nosso texto constitucional de 1988, com a realidade política, atual, do país.

Igualmente, utiliza-se de fatos históricos – como o julgamento de Sócrates, para fundamentar a valoração da liberdade de expressão para a democracia.

E finalmente, expõe sobre a importância de uma convivência pacífica entre as diferenças e como a repressão e a falta de respeito com as minorias destroem todo e qualquer princípio democrático.

INTRODUÇÃO

“Estás enganado, amigo, se imaginas que, por menos que valha uma pessoa, deve pensar em morrer ou viver, em vez de considerar apenas se procedeu com justiça ou injustamente em todos os seus atos e se se comportou como homem de bem ou como celerado”. (Platão, in Apologia de Sócrates).

Tema ainda muito presente nos dias atuais, a questão da liberdade de expressão ainda choca, agride e vai de encontro aos padrões impostos por alguns governantes, que insistem em violar um dos direitos mais valiosos do homem e institucionalizam a repressão, como forma de salvaguardar os interesses de uma minoria.

Servindo como base para todo Estado Democrático, a liberdade de expressão significa a livre circulação de ideias, opiniões e conceitos por parte de toda a sociedade. Já a repressão é uma imposição autoritária e unilateral de ideias. É a imposição de um monopólio político e ideológico na sociedade.

Vejamos como exemplo, as características de Estado democrático e Estado ditatorial:

ESTADO DEMOCRÁTICO - DEMOCRACIA

A democracia é o governo do próprio povo, em que sua vontade e interesses devem prevalecer.

a) Democracia direta

Teve como seu principal defensor Rousseau, que acreditava ser o modelo ideal, pois o povo nela exerce sua vontade integralmente e de maneira direta, sem qualquer tipo de interferência. Rousseau se mostrava avesso ao sistema de representação política, pois nele os representantes eleitos pelo próprio povo poderiam a qualquer momento desvirtuar a vontade popular e seguir apenas seus interesses próprios. Seguindo esta linha de raciocínio a democracia direta seria a única capaz de fazer prevalecer à vontade geral.

Na Grécia antiga conhecia-se a democracia direta ou participativa, onde o povo se reunia nas praças públicas para resolver as questões da coletividade. Esse tipo de democracia tornou-se inviável nos dias de hoje em razão da grande extensão territorial e do excesso de população nos Estados modernos.

b) Democracia semidireta

Entende-se por democracia semidireta o sistema de governo em que há representação política, mas no qual o povo pode intervir em alguns casos no campo legislativo. O povo exerce essa intervenção pelo veto popular, referendum, iniciativa popular, plebiscito e recall.

O veto popular ocorre quando após a edição de uma lei concede-se aos eleitores um prazo, que pode variar de sessenta a noventa dias, para que os cidadãos a aprovem. Durante o transcurso desse prazo a referida lei fica com sua vigência suspensa, e, se a vontade do eleitor for no sentido de não aprová-la, ficará suspensa até as próximas eleições, quando então será decidido se entrará em vigor ou não.

Já o referendo é uma das formas de manifestação da democracia direta, exercida pelo povo sobre a validade ou não de uma lei de interesse público. Portanto o referendo é uma consulta feita a Posteriori e não a priori como ocorre com o plebiscito.

A iniciativa popular consiste na faculdade concedida ao povo de, por intermédio de um grupo de eleitores, propor leis. Isso significa que, por meio da iniciativa popular, determinado número de cidadãos tem a mesma faculdade que os demais agentes públicos dotados de capacidade para deflagrar o processo legislativo.

O plebiscito, por sua vez, nada mais é do que uma consulta a priori que se faz ao povo para que este se manifeste sobre assuntos de grande interesse nacional, na maioria das vezes de índole constitucional. Ou seja, uma consulta ao povo antes que haja um ato praticado.

O recall tem como objetivo destituir funcionários e juízes eleitos pelo povo, tendo, portanto aplicação local. Consiste o recall no meio pelo qual o povo pode revogar um mandato político ou reformar uma decisão judicial tendo como fundamento um fato censurável. Esse instituto foi muito utilizado nos Estados Unidos, quando um magistrado não aplicava determinada lei por considerá-la inconstitucional, mas os eleitores, uma vez decididos pela constitucionalidade, obrigavam-no a aceitar a constitucionalidade de tal lei.

Resumindo, democracia semidireta é uma forma de democracia representativa que permite algumas intervenções diretas do povo, por meio do plebiscito, do referendo, do recall, da iniciativa popular e do veto popular.

c) Democracia representativa

Democracia representativa ou indireta consiste na expressão da vontade do povo, que se dá pela eleição de representantes, quer dizer, o povo não pode exercê-la diretamente, mas apenas por intermédio de seus representantes.

Portanto, a maioria das decisões políticas é tomada por representantes eleitos pelo próprio povo. Na democracia representativa os Poderes Públicos são integrados por órgãos representantes do povo, como o Senado Federal e a Câmara dos Deputados (Congresso Nacional). A força do Estado encontra-se aqui na vontade popular, uma vez que é ela quem escolhe tanto a representação parlamentar como o presidente ou o grupo colegial que forma o executivo.

A igualdade entre Democracia e Estado de Direito está na mobilização da vontade popular, feita com respeito aos direitos individuais.

ESTADO DITATORIAL - DITADURA

Ditadura caracteriza-se como sendo o poder extra constitucional, que normalmente ocorre por golpe de Estado. É entendida como o governo de um só grupo de pessoas ou partido político, que tomam o poder e passam a exercê-lo sem limites.

A finalidade principal da ditadura é fazer com que seja possível uma autuação política ao mesmo tempo rápida e rigorosa, por meio da transferência de todo poder a um único governante, o qual terá como missão superar determinada crise política, seja ela externa ou interna. Na ditadura parte-se do pressuposto que uma pessoa teria mais condições de resolver e superar tal situação do que um órgão colegiado formado por uma multiplicidade de opiniões.

Normalmente o povo permanece à margem da vida política. A ditadura, pela sua feição autoritária e centralizadora do poder executivo, suprime todas as liberdades individuais e acaba por deixar também os demais poderes em sua dependência.

Igualmente, a liberdade de expressão, encontra-se expressa em vários documentos internacionais, tais como: a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela ONU (art. 19); o Convênio Europeu para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, aprovado em Roma no ano de 1950 e a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. E também, na Constituição brasileira de 1988:

• Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

o V - o pluralismo político

• Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

o IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

o VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

o IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença

• Art. 220º A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

o § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Karl Loewenstein distinguiu as constituições em normativas, nominalistas e semânticas. Utilizando-se do critério ontológico, buscou identificar se havia correspondência entre o texto constitucional e a realidade política do Estado.

Nas constituições normativas a tão sonhada limitação ao poder estatal se implementa na prática. Portanto, há correspondência entre o texto constitucional e a realidade. Nas nominalistas busca-se esta concretização, porém, sem sucesso. Já nas semânticas, não existe sequer essa pretensão.

Segundo Guilherme Peña de Moraes, a Constituição brasileira de 1988 “pretende ser” normativa. Ou seja, embora não haja harmonia entre Constituição e realidade política presente no Estado, existe o desejo de que esta seja alcançada no futuro.

Outrossim, vale à pena remontar à Grécia antiga, no julgamento do maior filósofo de todos os tempos – Sócrates, que em nome de suas ideias e ideais, abdicou de sua própria vida, pois acreditava, que de nada valeria sua existência, sem liberdade de expressão.

SOBRE O JULGAMENTO DE SÓCRATES

Sabe-se que Sócrates aceitou a sua sentença de morte, apesar de considerá-la injusta e despropositada.

Morrer para Sócrates era libertar-se. O filósofo grego, melhor do que ninguém poderia, caso quisesse, convencer o grande júri de sua inocência e, por conseqüência disso, obter à sua absolvição; mas ele não o fez. Ser absolvido representava a vitória de Atenas sobre ele. Significava o fim de tudo que ele pregou durante toda vida. Morrer para Sócrates, significava fechar, com “chave de ouro”, as portas de sua existência, toda voltada para o ensinamento filosófico, demonstrando que, a vida sem liberdade de expressão não vale a pena. Enfim, significava dizer que o homem deveria ser livre até para escolher sua morte.

Sócrates não exerceu seu direito de defesa em momento oportuno, comprovando então, que o filósofo aceitara sua morte antes mesmo de sua condenação. Ainda que depois o fizesse, talvez por saber que de nada mais lhe adiantaria. Aceitou o veredicto, recusando-se a fugir, como lhe propunham seus amigos mais próximos e discípulos.

A cena final resultou na sua morte ingerindo cicuta.

A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA QUE CONDENOU SÓCRATES À MORTE

Sabe-se que a oratória e fator decisivo pela tradição do júri. Assim também era em Atenas na época de Sócrates.

Sócrates, como o maior entre os maiores sábios da Grécia, que, manejava a palavra como ninguém, formatava o argumento, planejava o raciocínio, por que não o fizera em relação à sua própria defesa, afastando, as acusações que pesavam contra si? Pior que isso, preferiu agredir seus juízes causando mal-estar ou alvoroço.

Sabe-se que foram três responsáveis pela condução da acusação de Sócrates: Anito, Meleto e Licon, dos quais apenas Anito tinha certa projeção em Atenas.

De que o acusavam? Não se pode responder esta pergunta sem situá-la num contexto maior. Os gregos antigos valorizavam a Pólis; que era não apenas cidade, mas o habitat do ateniense, o local sagrado, inviolável; em que eles viviam e podiam repartir sua vida com os demais concidadãos, exercitando a democracia; todos os cidadãos tinham o direito de votar, de falar na assembléia em que as leis eram votadas e de participar dos tribunais que aplicavam e interpretavam essas leis. Os cargos públicos eram ocupados mediante sorteio, a fim de que, todos pudessem deles participar. As formas de governos eram temas sagrados para os atenienses.

Sócrates com sua dialética se propunha a discutí-los; e mais, desmentí-los. Sócrates acreditava que os Reis e governantes são aqueles que sabem governar. Acusam-no, assim, de exercer má influência sobre a juventude de Atenas e de trair os ideais democráticos da polis. Daí porque ele mereceria ser julgado.

AS ALTERNATIVAS PENAIS DO JULGAMENTO

Nos dias de hoje, seguindo o princípio de individualização das penas, dentre as circunstâncias judiciais, encontraríamos muitas que o favorecessem a aplicar-lhe a pena mínima. Na realidade ele não deveria ser condenado, acaso tivesse adotado outra linha defensiva. Mas, como visto, aceitando a condenação, qual seria a pena que ele mereceria? Sócrates poderia ter recebido uma pena mínima, uma pena pecuniária, ou, na pior das hipóteses, uma pena de banimento. Sócrates obteve a pena de morte, devido à forma pela qual se relacionou com o grande júri, hostilizando, agredindo, enfim, tratando-os com apurado desdém. Quando lhe permitiram propor uma pena, chegou a dizer que isso representaria uma confissão de culpa, o que não admitia, proibindo seus amigos e discípulos de formularem qualquer tipo de transação penal.

A MORTE CONSCIENTE

Sócrates preferiu a coerência, em lugar da complacência, da anuência. Não lhe teria sido mais fácil renunciar às suas ideias, que encarnavam a rebeldia e a desobediência civil e com isso livrar-se da morte? Ele preferiu morrer, suicidando seu corpo, mas, permanecendo com suas idéias.

Dentre as muitas acusações que pesavam sobre ele estava a que Meleto mais se esforçava em provar: a de ateísmo, ou seja, Sócrates não acreditaria nos “deuses da polis”. Sócrates, na verdade, era obediente às leis, mas tinha uma maior dentro de si: a consciência de que todo homem tem direito à liberdade de expressão, pois, a vida sem liberdade não vale a pena, mesmo que para isso, se tenha que morrer.

CONCLUSÃO

Destarte, pode-se vislumbrar a importância da liberdade de expressão. Como esta é peça-chave para a manutenção da dignidade humana e ainda serve de controle da atividade governamental e do próprio exercício de Poder do Estado; servindo como verdadeiro “termômetro” para o bom funcionamento do Estado Democrático.

O verdadeiro Estado Democrático e a liberdade de expressão são indissociáveis. É impossível pensar em democracia sem liberdade de expressão. Repressão, censura e alienação são características da Ditadura. Nesta, o povo permanece à margem da vida política, sem poder opinar, criticar ou reivindicar. Portanto, sempre prevalecendo à vontade do ditador.

Em suma, a verdadeira democracia é composta de diferenças. Sejam elas, políticas e/ou ideológicas, que convivem pacificamente no mesmo espaço. Convívio pacífico entre as diferenças, aprender com o outro, respeito às minorias são pré-requisitos indispensáveis à formação do verdadeiro Estado Democrático de Direito. Um dia, quem sabe... chegaremos lá.

REFERÊNCIAS

Constituição da República Federativa do Brasil; Publicada no Diário Oficial da União n. 191-A, de 5 de outubro de 1988.

Melo, Celso Bastos de; Teoria geral do Estado; São Paulo, Ed. Global Universitária.

Habib Sérgio; Quando uma idéia leva à morte, Revista Prática Jurídica – Ano II – n. 19 – 31 de outubro de 2003 – págs: 20 a 22.

Curso de direito constitucional, 2. ed., p.69.

Lenza; Pedro; Direito Constitucional esquematizado, 13ª ed., ano: 2009, Ed. Saraiva.