Atuação do advogado nos processos administrativos de natureza disciplinar militar como pressuposto de validade do devido processo legal
Segundo a Constituição Federal de 1988, “ninguém perderá sua liberdade ou os seus bens sem o devido processo legal”, que é uma garantia assegurada tanto aos acusados em processo judicial ou administrativo como aos litigantes em geral, e a todas as pessoas, brasileiros e estrangeiros que vivem no território nacional em razão dos instrumentos internacionais que foram subscritos pelo Brasil.
Para alguns, o devido processo legal significa apenas e tão somente a observância do procedimento previsto para a realização de um ato, para se evitar a ocorrência de uma nulidade, e as conseqüências provenientes dessa declaração. Mas, o devido processo legal possui uma abrangência muito maior que pode ser traduzida pela garantias constitucionais e processuais da ampla defesa e do contraditório, da igualdade entre as partes, da legalidade das provas, da imparcialidade do julgador, do duplo grau de jurisdição, entre outras.
A presença do advogado no processo judicial também é uma das garantias da parte, uma vez que este é essencial à Administração da Justiça, como preceitua o art. 129 da Constituição Federal. No processo crime ninguém poderá ser condenando sem a presença de um advogado, que no caso de impossibilidade econômica do acusado será nomeado pelo Estado por meio da Defensoria Pública ou Procuradoria do Estado, ou através dos convênios celebrados com a Ordem dos Advogados do Brasil.
Segundo ensina Moacyr Amaral dos Santos, em sua obra Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, somente o advogado possui o que se denomina de “jus postulandi”, ou seja, o direito de postular em juízo, sendo que essa prerrogativa não se encontra assegurada a nenhum outro profissional. Deve-se observar que o “jus postulandi” atualmente possui algumas limitações, como as existentes no juizado especial de pequenas causas civis e as da Justiça do Trabalho.
Na área administrativa, no tocante aos processos ali previstos, o vigente Estatuto da Ordem dos Advogados não fez ao contrário do Estatuto anterior nenhuma previsão de exclusividade ao advogado para atuar junto à Administração Pública.
Apesar desta omissão, a presença do advogado nos processos administrativos, que é essencial, deve ser interpretada em decorrência dos demais princípios constitucionais que foram assegurados no art. 5º , direitos e garantias fundamentais do cidadão, que levam a conclusão de que a defesa técnica somente pode ser exercida por este profissional.
O Direito Administrativo Disciplinar Militar, que cuida das questões relacionadas com os atos administrativos praticados pelos integrantes das Forças Armadas, ou Forças Auxiliares, que venham a violar o disposto nos chamados Regulamentos Disciplinares, possui alguns regramentos que são diversos do Direito Administrativo Disciplinar destinado aos funcionários públicos civis.
O militar que venha a violar alguma disposição dos Regulamentos Disciplinares poderá ter o seu “jus libertatis” cerceado, em decorrência da imposição de uma pena de prisão, que poderá chegar até 30 dias de detenção.
Na área do funcionalismo civil, não existe a possibilidade da imposição de uma pena restritiva de liberdade, sendo que estes estão sujeitos a sanções diversas dos militares, federais ou estaduais.
Devido a importância do bem jurídico tutelado, liberdade, o acusado no processo administrativo disciplinar militar deve ser defendido por um profissional habilitado e de preferência que seja especialista nas questões castrenses, em atendimento ao princípio da ampla defesa e do contraditório e do devido processo legal.
Uma defesa técnica pressupõe que esta seja feita por um profissional bacharel em direito e regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados, uma vez que ao leigo fica limitado ao universo do seu conhecimento para que possa se auto-defender em processos de tamanha relevância.
A nomeação de um oficial ou mesmo de uma praça que seja bacharel em direito não é suficiente para suprir a questão da defesa técnica, uma vez que esses profissionais encontram-se sujeitos aos princípios da hierarquia e da disciplina, e muitas vezes suas atuações ficam limitadas aos aspectos formais, com o intuito de não desagradarem seus superiores hierárquicos. Neste sentido, fica seguinte indagação. Se na Companhia A, o Comandante de Cia determinou a abertura de um PAD em desfavor do Soldado C, será que o Tenente S que foi nomeado para atuar no processo administrativo terá disposição para fazer uma defesa efetiva, inclusive arrolando seu Comandante de Companhia, ou mesmo o Comandante do Batalhão para serem testemunhas, onde terá que fazer perguntas que poderão inclusive desagradá-los?
A indagação apresentada é uma questão para reflexão que deve ser levada em consideração na busca da efetiva aplicação dos princípios processuais que foram assegurados pela Constituição Federal de 1988 e também pelos instrumentos internacionais que foram subscritos pelo Brasil, para se evitar que o exercício da ampla defesa e do contraditório seja apenas uma mera formalidade.
É importante, que se o infrator não indicar um advogado para defendê-lo a administração militar deverá solicitar a Procuradoria do Estado ou mesmo a Defensoria Pública para que indiquem um defensor público ou um procurador do estado para patrocinar a defesa do militar. Afinal, as instituições estaduais devem se estruturar que possam exercer de forma efetiva sua ampla defesa e o contraditório. A adoção deste procedimento evitará custos para os cofres do Estados, impedindo desta forma que o infrator possa ingressar no Poder Judiciário questionado a validade do ato administrativo. Quanto maior as formalidades observadas pela administração menor é a possibilidade do ato administrativo ser anulado pelo Poder Judiciário.
O advogado ao contrário dos militares não se encontra sujeito a qualquer hierarquia, e na sua atividade como bem prescreve o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil deve se pautar pela defesa do seu constituinte, dentro da legalidade, e sem se preocupar em agradar ou não as pessoas que venham a integrar a relação processual.
Na lição de Piero Calamandrei, o advogado deve pautar os seus discursos pela elegância, mas quando necessário e dentro de um exercício regular de direito, utilizará os meios necessários para a defesa intransigente do acusado. Afinal, o aprimoramento do Direito Administrativo Castrense deve ser o objetivo de todos os profissionais que militam nesse ramo da ciência jurídica, para que a Constituição Federal possa ser observada e respeita, em atendimento ao Estado Democrático de Direito.
A figura do advogado aos poucos tem se tornado comum nos quartéis, mas este ainda enfrenta algumas hostilidades por parte de determinadas pessoas que não fixaram os novos preceitos impostos pela Constituição Federal, e sem justificativas tentam cercear as prerrogativas asseguradas no art. 7.o do Estatuto da Ordem, que antes de serem prerrogativas do profissional, são direitos assegurados ao cidadão para uma defesa digna, ampla e técnica.
Na realidade, muitas regras administrativas ainda violam flagrantemente os preceitos da Constituição de 1988, sendo que o Poder Judiciário tem reconhecido a nulidade dos atos administrativos militares quando praticados em violação ao devido processo legal, e aos princípios da ampla defesa e ao contraditório.
A respeito da matéria o Superior Tribunal de Justiça chegou a editar uma súmula reconhecendo que a ausência do advogado nos processos de natureza disciplinar era motivo de nulidade, mas posteriormente o Supremo Tribunal Federal editou uma súmula vinculante onde reconheceu que a presença do advogado nos processos administrativo não era e não é um pressuposto de validade do procedimento.
Na realidade, os pressupostos ora apresentados, em nenhum instante tem por objetivo afastar das Instituições Militares os princípios da hierarquia e da disciplina, mas o que se pretende é uma perfeita adequação entre as normas castrenses e as normas constitucionais. O Estado democrático de Direito caminha para o aperfeiçoamento dos órgãos governamentais e uma conseqüente integração entre as Instituições Públicas e a sociedade civil se faz necessária para tornar o país em uma nação unida, onde a corrupção e a violência não sejam mais uma realidade efetiva.
Os profissionais que não acompanharem essa evolução, e continuarem presos a princípios superados e ultrapassados estarão sujeitos ao esquecimento, tal como ocorreu e vem ocorrendo com os países que tinham como modelo econômico de desenvolvimento o socialismo, que foram superados pelo novo capitalismo, a chamada terceira via, que tem buscado uma integração entre o capital e o social.
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