Editorial - [26/10] - Uma questão já decidida
Qualquer emenda em favor da exigência do diploma de jornalista tenderá a cair novamente no STF, por violar as mesmas cláusulas pétreas já exaustivamente interpretadas quando da decisão pela não-obrigatoriedade
Notícia publicada na edição de 26/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
A tentativa de um grupo de deputados e senadores, no sentido de reverter, por meio de emendas à Constituição, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que removeu a obrigatoriedade do diploma universitário específico para o exercício da profissão de jornalista, denota um surpreendente desconhecimento da própria Constituição Federal e do funcionamento das instituições democráticas, além da pretensão assustadora - baseada em dois equívocos gritantes - de impor sérias restrições a direitos fundamentais de todos os brasileiros, que não são menos importantes que os interesses de uma categoria profissional.
Mas que equívocos são esses, que lastreiam a campanha pró-diploma movida por lideranças profissionais e alguns congressistas?
O primeiro deles é afirmar que o STF derrubou o diploma de Jornalismo, argumento este que, apresentado dessa forma, acaba ensejando uma discussão extemporânea sobre a necessidade de formação específica para assegurar a qualidade (inclusive ética) da informação. O que o Supremo extinguiu, por 8 votos a 1, foi a exigência do diploma como condição indispensável para a atividade profissional. E o fez não por supor desnecessária a formação acadêmica, mas por julgá-la absolutamente prescindível, diante daquilo que a obrigatoriedade do diploma acabava representando. Para o STF, qualquer condição prévia, que funcione na prática como impedimento, viola o direito constitucional de livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (Art. 5º, XI).
O segundo equívoco é o argumento de que a exigência do diploma não ameaçaria a liberdade de expressão, já que pessoas sem diploma não estariam impedidas, pela legislação revista pelo STF, de assinar artigos e se manifestar nos espaços democráticos dos jornais e revistas. Esta afirmação contém em si uma simplificação absurda, que beira o ridículo: como conceber a liberdade de expressão sem contextualizá-la dentro do processo decisório das redações, onde os temas são selecionados, os questionamentos encaminhados, os enfoques discutidos, as informações hierarquizadas? A liberdade de expressão e comunicação, certamente, é mais ampla do que enviar às redações - sem garantia alguma de que serão publicados - cartas e artigos assinados.
Na semana passada, a Associação Nacional de Jornais (ANJ), por meio de sua presidente Judith Brito, firmou novamente posição contra a pretensão de colocar tema tão específico na Constituição, como se ela fosse uma colcha de retalhos. Em artigo intitulado Diploma de jornalista: uma questão já decidida, a ANJ lembrou que qualquer emenda em favor da exigência do diploma tenderá a cair novamente no STF, por violar as mesmas cláusulas pétreas já exaustivamente interpretadas quando da decisão pela não-obrigatoriedade. Explica-se: os artigos em que os juízes do Supremo basearam sua posição integram os direitos e garantias fundamentais (Título II da Constituição). E o artigo 60 da Carta, que regulamenta a apreciação de emendas, é taxativo ao determinar que a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais - como é o caso - não será, sequer, objeto de deliberação (parágrafo 4º, IV).
É lamentável que integrantes do Congresso tenham embarcado em aventura dessa natureza, investindo contra a Constituição e os direitos civis, e procurando distorcer, sabe-se-lá por quais convicções ou conveniências políticas, as próprias regras democráticas e constitucionais. Mais lamentável ainda que o façam no bojo de campanha corporativa tão equivocada, com o intuito declarado de contrariar frontalmente um entendimento pacífico da Corte Suprema, em favor de direitos tão elementares de todos os cidadãos.
Agindo assim, certos parlamentares mostram serviço para os jornalistas, ganham espaço na mídia e, como crianças travessas, transferem para o plenário do Congresso ou, em última instância, para o próprio Supremo, a tarefa de confirmar aos defensores do diploma a boa e a má (para eles) notícia: sim, o diploma continua existindo. Não, ele não é obrigatório.