Anticrese

ANTICRESE

1. Conceito

A origem da palavra anticrese vem do grego, de anti (em lugar de ou contrário) + chresis (uso), significando, etimologicamente, uso em lugar de ou uso contrário, podendo ser considerada como:

a) um contrato; e

b) uma limitação de garantia à propriedade.

Constitui-se em um contrato pelo qual um devedor transfere a um credor a posse de seu imóvel, para o fim de este perceber seus frutos e rendas, com o encargo de imputá-los sobre o débito, até o completo pagamento deste.

Na segunda acepção, trata-se de um direito real sobre imóvel alheio, em que o credor apropria-se da coisa, a fim de perceber-lhe os frutos (rendimentos), deduzindo-os do montante da dívida, até sua integral quitação, na proporção entre capital e juros, em alguns casos podendo ser somente para quitação dos juros.

Maria Helena Diniz define a anticrese como direito real sobre imóvel alheio, em virtude do qual o credor obtém a posse da coisa, a fim de perceber-lhe os frutos (rendimentos) e imputá-los no pagamento da dívida, juros e capital, sendo, porém, permitido estipular que os frutos sejam, na sua totalidade, percebidos à conta de juros.

Na anticrese o devedor oferece como garantia de um negócio as rendas de um imóvel. Ocorre na anticrese a transferência da posse e gozo do imóvel do devedor em face do credor, em que este colhe seus frutos abatendo o valor na dívida que possui contra aquele.

Esse instituto está praticamente em desuso diante de sua fragilidade em face do poder que remanesce com o devedor (ou o terceiro) de dispor do bem, visto que há outros modelos de garantia mais bem aparelhados para que o direito do credor seja preservado. Caio Mário da Silva Pereira, afirma que, embora vigente, é de rara aplicação prática, sendo bem provável que venha no futuro perder a categoria de direito real, subsistindo como contrato de natureza creditícia, ou ainda, como cláusula adjeta ao contrato hipotecário, como era no Direito Romano.

2. Objeto da anticrese

Nos termos do Código Civil de 2002 (art. 1.506), o objeto da anticrese é sempre um imóvel, um bem de raiz.

Admite-se a coexistência entre a anticrese e a hipoteca, dadas às circunstâncias limitadoras da primeira, assim, o imóvel gravado pela anticrese pode ser hipotecado, e vice-versa.

Assevera Washington de Barros Monteiro que nada impede que o devedor hipotecário dê o imóvel hipotecado em anticrese ao credor hipotecário, a fim de, com os rendimentos, amortizar a dívida e que o devedor anticrético hipoteque o imóvel anticrético ao credor anticrédito.

3. Características básicas da anticrese

Tratando-se a anticrese de um direito real de garantia, caracteriza-se por:

- adere ao imóvel para percepção de seus frutos, rendimentos ou utilidades pelo credor;

- aplicação direta dos frutos para saldamento da dívida (capital e juros, ou somente juros);

- necessária à posse efetiva para poder o credor gozar e perceber os frutos, direta ou indiretamente; arrendando a terceiros, salvo disposição expressa em contrário;

- é indivisível, pois quando existe uma coisa comum pertencente a dois ou mais proprietários, estes não poderão dar em garantia senão em comum acordo, atende-se à regra geral que rege os direitos reais de garantia;

- requer capacidade das partes, inclusive no que diz respeito ao devedor anticrético de dispor do imóvel, não havendo vedação de que um terceiro ceda imóvel seu para solver a dívida do devedor (art. 1506 do CC);

- é acessória, posto que presume existência de uma obrigação principal do devedor, da qual vem acostar-se, como um reforço, uma garantia de pagamento;

- uma vez que acessória, segue igual sorte do principal, prescrita a ação que protege o direito principal do credor contra o devedor, não pode subsistir a ação que assegura a garantia acessória do mesmo credor contra o devedor (art. 1.423 do CC).

4. Forma

Considerando tratar-se de um bem imóvel envolvido, e de acordo com os limites impostos pela lei, viabiliza–se a anticrese por instrumento público ou particular (contrato), portanto forma solene, sendo o registro no órgão compete (transcrição no cartório de Registro Imobiliário) uma exigência para surtir efeito erga omnes, a tradição real também se faz necessária, pois como poderia o credor auferir os frutos sem a mesma.

No contrato deverá constar o valor da dívida, o prazo fixado para pagamento, a taxa de juros e as especificações do imóvel dado em garantia.

Para que seja constituída a anticrese, é requisito indispensável que o imóvel esteja desembaraçado, ou seja, haja disponibilidade para sua alienação, pois não podem ser objeto da anticrese os imóveis indisponíveis.

5. Obrigações e direitos do credor

Dentre as obrigações do credor, a principal é a de devolver (restituir) o imóvel, uma vez solvida a dívida (capital e juros), cabendo-lhe a responsabilidade pela baixa do ônus junto ao cartório de registro de imóveis.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, responde o credor pelas deteriorações que, por sua culpa, o imóvel sofrer (art. 1.510 do CC), assim como pelos frutos que se deixarem de perceber por negligência, com igual sorte se destinar o imóvel para finalidade diversa daquela avençada.

O credor anticrético tem também a obrigação de prestar contas de suas atividades (art. 1.507 do CC), porquanto os frutos percebidos irão para saldar a dívida que originou a anticrese (salvo as despesas de conservação e reparos da coisa).

Um dos principais direitos do credor é a preferência (art. 1.509 do CC), no caso de insolvência do devedor, no que diz respeito ao rateio dos credores, entretanto, esse direito de preferência não prevalece em se tratando de indenização de seguro por destruição ou no caso de desapropriação do bem (art. 1.509, § 2º do CC).

Também tem o credor direito de seqüela (ius sequendi), o que vale dizer que, por ser aderente ao imóvel, a anticrese acompanha-o em caso de transmissão inter vivos ou causa mortis, isso significa que, uma vez devidamente constituída acompanha a mutação da propriedade do imóvel. Da mesma forma, o direito de seqüela garante ao credor preferência diante de outros credores do devedor, assim como utilizar-se de Embargos de Terceiro diante de uma penhora do imóvel gravado pela anticrese, por parte desses outros credores.

Para Sílvio de Salvo Venosa, o credor tem, no contrato de anticrese, um título executivo extrajudicial (art. 585, III, CPC), valendo-se dele na hipótese de não se concretizar a esperada produção de frutos do imóvel, ou mesmo se ocorrer à inadimplência.

6. Obrigações e direitos do devedor

Dentre as obrigações do devedor, a principal é a da tradição (entrega) do imóvel ao credor, permanecendo essa posse até o saldamento da dívida.

Observar o prazo do contrato, resguardando-se de turbar ou esbulhar o imóvel, de forma que o credor possa exercer plenamente sua capacidade de gerar os rendimentos para pagar-se, também é uma obrigação do devedor.

Como direito, o de, a qualquer tempo, resgatar a anticrese (desoneração do gravame e devolução do bem), por meio de pagamento da dívida.

Também é um direito do devedor permanecer com a propriedade do bem, podendo inclusive aliená-lo.

O devedor tem o direito de exigir do credor o uso para a finalidade prevista, a conservação, cabendo ressarcimento pelos danos causados pelo credor, com culpa.

Deve ainda, pedir contas ao credor, para acompanhamento da evolução do saldamento da dívida.

7. Inconveniências

A anticrese apresenta inúmeras desvantagens, dentre elas:

- o credor tem que trabalhar/gerenciar/administrar a coisa sob pena de perdas e danos para o devedor (1508 do CC);

- não pode haver sub-anticrese como pode haver sub-hipoteca;

- a coisa é entregue ao credor, enquanto na hipoteca, na alienação fiduciária e no penhor especial a coisa permanece com o devedor;

- o credor anticrético não se sub-roga na indenização em caso de destruição ou desapropriação do bem; a dívida não vai se extinguir, mas o credor torna-se quirografário (art. 1509, §2° do CC).

8. Extinção

Extingue-se a anticrese pelo pagamento integral da dívida, inclusive antecipada (remição), sendo que a posse do bem por parte do credor passa a ser injusta após o desaparecimento da obrigação.

Também se extingue pela renúncia - a transmissão da posse do bem ao devedor implica em renúncia tática - pois não há anticrese sem que a posse esteja com o credor.

A anticrese se extingue pela caducidade passados quinze anos da data de sua constituição (art. 1.423 do CC). Há que se ressalvar, porém, que na pendência da garantia anticrética não há curso de prescrição da dívida, podendo esta ser cobrada a qualquer momento, pelas ações pertinentes, iniciando-se o prazo prescritivo para a dívida somente quando o credor deixa de ter a posse do bem.

Igualmente nos casos de desapropriação ou perecimento do imóvel (art. 1.509, § 2º, do CC), extingue-se a anticrese, permanecendo, porém a dívida na íntegra (computando-se, no caso, os frutos já percebidos até o momento).

Poderá, ainda, ser extinta a anticrese, se o credor não opuser seu direito de retenção diante de outros credores (embargos de terceiro).

9. Distinção entre anticrese, penhor e hipoteca

A anticrese se distingue do penhor comum pelo fato de ter como objeto bem imóvel, e o credor tem direito aos frutos até o pagamento da dívida; da hipoteca porque o credor hipotecário pode promover a excussão e venda judicial do bem hipotecado, sem ter a sua posse. É admitida a cumulação da anticrese com a hipoteca (art. 1.506, § 2° do CC).

Finalizado o prazo do contrato ou liquidado o débito, cabe ao credor anticrético restituir o bem ao devedor.

O credor anticrético pode arrendar a terceiro os bens dados em anticrese, ou pode ele mesmo fruir seus frutos e utilidades. De qualquer forma deve prestar contas anualmente sobre a administração do bem, as quais podem ser impugnadas pelo devedor.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anticrese

http://www.fmr.edu.br/npi/D.%20Civil/Penhor%20Anticrese.pdf

http://www.rafaeldemenezes.adv.br/reaiscoisa/aula16.htm

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2008, v.4.

PEREIRA, Cáio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, 16 ed. Rio de Janeiro, Forense. 2006.

BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, 18 ed. São Paulo, Saraiva, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense. 2006.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil-Direito das Coisas, 20 ed. São Paulo, Saraiva. 2006

Gouvêa
Enviado por Gouvêa em 16/10/2009
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