Algumas questões controvertidas de direito das obrigações e suas alterações sofridas pelo CC de 2002.

O mundo jurídico em suas relações privadas apresentam duas vertentes: uma dinâmica e, outra estática. A dinâmica das relações jurídicas privadas estaria representada pelas relações de crédito, pelas relações obrigacionais, ao passo que os direitos reais exatamente por deter os poderes jurídicos de uso, fruição e eventual disposição ou aquisição das coisas, apresentando-se de forma mais estática e duradoura e, por vezes, mais segura.

Também não poderíamos admitir que a relação obrigacional fosse perpétua pois importaria em servidão humana, escravidão o que não mais se admite no mundo civilizado.

Mas por que o direito obrigacional é mesmo tão dinâmico? Por causa da função que desempenha, por propiciar a troca de objetos economicamente apreciáveis, por dar circulação a riquezas e propiciar as situações jurídicas cíclicas e empreendedoras.

Na verdade são dois tipos de direitos subjetivos patrimoniais, a saber: direitos obrigacionais e direitos reais.

O Direito das obrigações que é um direito pessoal (jus ad rem) muda também, conhece e exige a concreção de paradigmas novos, desenhados a luz da proteção da dignidade da pessoa humana, da função social dos institutos como contratos, propriedade, empresa, família e da lei, e ainda a boa-fé objetiva.

Antunes Varela apud Giselda M. F. Novaes Hironaka alega que não é possível apontar este ou aquele ramo do Direito que mudou mais ou menos que os demais ramos, sem se lançar uso da comparação.. Mas, tal método é injusto pois o Direito das Obrigações não sofre muitas influências de injunções locais posto que é universal e quase imutável, produzindo situações que são praticamente as mesmas, em todo o mundo.

Outro fator muito respeitável é a crescente necessidade de internalização do comércio jurídico daí a homogeneidade da estrutura básica do direito das obrigações, beneficiando-se de sua estabilidade e nutrindo-se dos benefícios do mercado global.

Outra tendência mesmo diante do dinamismo das relações obrigacionais é a forte tendência de intervenção estatal pontual, limitando ou delimitando a autonomia contratual principalmente quando se enxerga nessas relações uma desproporção entre os contratantes.

Podemos atestar nitidamente tal tendência ao apreciarmos o regramento dos contratos de locação e de empreitada que se publicizaram. E, ainda quando nos deparamos com a situação de hipossuficiência como nos casos dos contratos de seguro, contratos de consumo, contratos de adesão e contratos bancários.

Mas não crer na imutabilidade das relações obrigacionais posto que relativas e que comportou algumas modificações relevantes principalmente aquela trazida pela Lex Poetelia Papiria que transferir a responsabilidade do corpo do devedor para seu patrimônio.

Contemporaneamente as comunicações aceleram-se e simultaneizaram-se e as distâncias entre países, povos e capital tenderam à virtualidade, trazendo para obrigação enquanto liame jurídico a facilitação de se atender a todas necessidades individuais e quiçá coletivas. Então, ratifica-se que as fontes da obrigação são necessidades de grupo, da sociedade.

E que permanece mesmo em estado latente quando se tem que repudiar e corrigir desequilíbrio, enriquecimento descabido e, todas as outras formas que contrariam a natural evolução dos direitos das obrigações e a natural vocação para dar circulação de riquezas e geram ciclicamente novas oportunidades de interação e intercâmbio.

Infelizmente é da natureza humana transformar as necessidades econômicas em ambições, e tender a acumular capital e aumentar patrimônio, galgando poderes exponenciais e por vezes, fazendo o possível para safa-se de cumprimento de uma obrigação principalmente depois de ter auferido as benesses da prestação.

Daí o regramento para o inadimplemento ser talhado prevendo assim casos de perda do objeto por culpa de quem o detivesse e de impossibilidade do cumprimento do dever, que foram, pouco a pouco se desenvolvendo.

É verdade que o Livro I da Parte Especial do código Civil de 2002 foi exatamente a parte que menor número de alterações substanciais sofreu. Composto de dez títulos, sendo que os quatro primeiros títulos tratam das regras gerais atinentes às obrigações. Nos dois títulos seguintes se tem o regramento dos contratos. E, depois os atos unilaterais de direito.

Cumprindo ainda a missão de unificar as obrigações cíveis e comerciais passando o codex civil 2002 também a disciplinar os títulos de crédito(no título oitavo)

O penúltimo título traça as prescrições referentes à responsabilidade civil, quer tanto quanto à obrigação indenizar, quer ainda no que respeita à indenização em si. E, por fim, no derradeiro título temos as preferências e privilégios creditórios.

O primeiro título do Livro I da parte especial do CC de 2002 cuida das modalidades das obrigações, desenhando o perfil das obrigações.

Logo o primeiro perfil é aquele pelo qual uma ou mais pessoas se obrigam diante de outra ou outras a entregar uma coisa. Temos que o objeto da obrigação pode ser uma coisa certa ou incerta.

Como coisa incerta, esta deve ser indicada ao menos pelo gênero e quantidade, cabendo a uma das partes, normalmente o devedor, proceder à escolha, à individuação do objeto segundo as regras do direito positivo.

A única modificação palpável sofrida é a atinente ao art.245 CC segundo o qual, quando se trate de obrigação de entrega de coisa incerta, passam a vigorar as regras atinentes às obrigações de dar coisa certa, com consequente distribuição de culpa pelo perecimento eventual do objeto, assim como as regras referentes aos frutos e melhoramentos, não mais a partir do momento em que a escolhe é efetivada, mas sim, do momento em que esta escolha foi levada ao conhecimento do credor.

O referido artigo deve ser lido e interpretado segundo a ratio em que sendo a escolha facultada ao credor, pelo pacto, quando então deverá dar conhecimento de sua decisão ao devedor, até mesmo para que este proceda à entrega da coisa e, o perfeito adimplemento da obrigação.

Outra modificação aduz ao objeto da prestação de fazer e não-fazer, onde o legislador inclui nova regra repetida quer no art. 249 e art. 251 do CC que permite ao credor, verificada a urgência que requeira a medida, e independentemente de autorização judicial para tanto, mandar executar o fato às suas expensas, ressarcindo-se do prejuízo ao depois, ou desfazer aquilo que o devedor era obrigado a não fazer, cabível igualmente posteriormente ressarcimento sempre por parte do devedor.

Poderá evidentemente o credor demonstrar na ação de ressarcimento que a situação era de urgência extrema, que lhe impedia até a tentativa de buscar autorização judicial para tanto.

Tal modificação traduz que o legislador se preocupa com a manutenção do bem jurídico envolvido, prostrando-se a favor da segurança jurídica e tendendo mais para a questão procedimental do que a de direito material.

As obrigações alternativas, por sua vez, modificaram-se de forma sensível e supletiva, na medida em que os dois parágrafos do art. 252 (sem paralelo com o falecido CC de 1916) tronou claro e evidente a quem cave a escolha no caso de multiplicidade de optantes, os quais não cheguem ao bom acordo no prazo determinado pela autoridade judicial.

Bem como no caso de caber a escolha a terceiro que não passa ou se recuse a optar. Será o juiz quem escolherá então a prestação para a hipótese em litígio. Revela-se aqui o aperfeiçoamento do CC de 2002 que supre convenientemente a deficiência do sistema anterior.

Quanto às obrigações diviseis ou indivisíveis, novamente a única alteração foi no sentido de incluir um artigo que define as hipóteses de indivisibilidade da obrigação.

No que tange às obrigações solidárias acrescenta o legislador regras quanto a solidariedade ativa que são relacionadas mais com a defesa do devedor e às consequências do julgamento do que à substância da solidariedade mesma, até porque com referência a solidariedade passiva não se deu nenhuma modificação de monta.

Quanto a transmissão de obrigação a onde temos a cessão de crédito e a assunção de dívida. Temos que para a cessão uma relevante alteração precedida pois há previsão expressa de que o cessionário de boa-fé não poderá ser confrontado com eventual cláusula que proibisse a cessão de crédito. principalmente se tal cláusula não tiver sido aposta no instrumento fundacional da obrigação.

A previsão do art. 292 CC do que o cessionário poderá ainda que desconhecida à cessão, ainda que não notificado o devedor sobre a modificação subjetiva ativa, poderá exercer os atos conservatórios do direito cedido.

Desta forma, a notificação deixa de ser elemento essencial à validade de cessão de crédito, mas somente essencial para ser eficaz relativamente ao devedor.

Quanto à assunção de dívida ou cessão de débito a obrigação permanece a mesma, apenas com mera substituição do devedor. Mas poderá implicar no não cumprimento obrigacional, por ser o devedor insolvente, daí a lei exigir a concordância expressa do credor, quando a assunção de dívida for pactuada pelo devedor primitivo com terceiro.

Mas poderá se configurar igualmente pelo acordo de vontades travado diretamente entre o credor e terceiro, exonerando-se o devedor originário.

Repare que a assunção de dívida sobre novação subjetiva passiva reside na circunstância de que não extingue os direitos acessórios e nem as garantias de divida. O art. 300 do CC restringe a subsistência destas garantias especiais apena s nos casos em que estas sejam inseparáveis da pessoa do devedor primitivo. E as garantias prestadas por terceiro só subsistirão com o assentimento deste.

Trata ainda o Título II sobre o adimplemento das obrigações quer seja pelo pagamento ou demais formas a estes assemelhadas, acarretando a óbvia extinção das obrigações.

O pagamento seja pela ótica subjetiva ou objetiva experimentou pequena modificação legislativa que se refere ao pagamento efetuado por terceiro que não tinha interesse na relação obrigacional, e que tenha efetivado o pagamento por sua própria conta.

Nesse caso, o faz por sua conta e risco, na medida em que o art. 306 determina que o devedor só reembolsará o terceiro se não lhe dispuser de meios de se exonerar do cumprimento da obrigação por estar prescrita.

Reclama com razão Silvio Salvo Venosa que o referido dispositivo legal peca por ter redação pouca clara. Já quanto ao objeto do pagamento e sua respectiva prova, houve modificação topográfica pois ao reordenar os artigos desse Livro, colocou o legislador as regras reunidas.

Institui também que o pagamento seja feito em moeda corrente nacional, nulificando-se pactos que tenham como ouro ou moeda estrangeira o parâmetro de medição de valor ou reposição do poder de compra da moeda nacional em escala mundial, salvo os casos previstos em legislação especial.

No que tange à quitação essa passou a ser possível em instrumento particular e reputar-se-á válida mesmo ante a falta de um de seus requisitos desde que se chegue a conclusão de que a dívida fora efetivamente paga( art. 320 CC).

Quanto ao lugar do pagamento temos a inovação em função da boa-fé objetiva, o fenômeno da supressio de um lado, e a surrectio de outro. Pois poderá haver a presunção de que o pagamento reiteradamente efetuado em local diverso do determinado na obrigação, sem que o credor a isto se tenha oposto, faz presumir que este último renunciou ao seu direito de receber a prestação no local contratado.

Relativamente às outras formas de extinção de obrigação que não o pagamento, traz a lume a arbitragem. Se bem que a maioria destas nã sofreu qualquer modificação de direito positivo.

Acrescente-se o pagamento em consignação que pode haver até em modalidade bancária; a imputação do pagamento; a novação e a compensação não sofreram alterações.

Quanto à dação em pagamento e à remissão de dívidas ressalvou-se expressamente os direitos atinentes a terceiros e quer quanto aos credores evictos da coisa dada em pagamento, quer quanto aos prejudicados pela remissão aceita pelo devedor, como sejam os credores do remitente. Em tais casos, a consequência será o restabelecimento da obrigação primitiva.

Por derradeiro, o título IV do Livro Primeiro trata do inadimplemento das obrigações, aonde se ratifica a responsabilidade patrimonial do devedor, podendo o credor tanto requer a penhora, a venda em hasta pública de tantos bens quanto bastem para a satisfação do crédito.

Há a previsão de o devedor inadimplente responder por perdas e danos que prevê a expressa penalização através de juros, e o reajuste de valores pelos índices oficiais regularmente instituídos e o pagamento dos honorários advocatícios.

Atinente à mora é expressa a previsão legal de sua constituição por interpelação judicial ou extrajudicial, em lugar da interpelação, notificação ou do protesto. Sobre às perdas e danos o CC traz relevante disciplina que atende aos reclamos da justiça ao instituir o parágrafo único do art. 404 do CC, o juiz poderá conceder ao credor prejudicado uma indenização suplementar sempre que restar comprovado de que os juros de mora não foram suficientes para cobrir os prejuízos experimentados e sempre que, cumulativamente, não estivesse prevista na obrigação inadimplida, uma pena convencional que chamamos de cláusula penal.

Os juros legais, aplicáveis na omissão de convenção das partes, encontram-se agora pendentes da verificação da taxa praticada pela Fazenda Nacional para mora no caso de não pagamento de impostos federais (SELIC). Silente a norma, entendemos que incidirá a taxa vigente no dia da citação inicial do inadimplente, segundo dispõem o art. 406 e 405 do CC.

Duas alterações atingiram a cláusula penal. A primeira atinente à possibilidade de o juiz reduzir seu valor não apenas no caso de cumprimento parcial da obrigação pactuada, mas também se verificar que o montante da penalidade, apesar de não ultrapassar ao valor da obrigação principal, revela-se extorsivo e manifestamente excessivo em comparação a natureza e finalidade do negócio.

A segunda alteração é constante no parágrafo único do art. 416 do CC que prevê a possibilidade de imposição de indenização suplementar quando o prejuízo experimentado for superior ao valor previsto a título de cláusula penal. Valendo assim a cláusula penal como patamar mínimo de indenização podendo o credor ressarcir-se do prejuízo excedente, desde que expressamente previsto no ajuste contratual das partes.

Lembremos que prevista regularmente a cláusula penal não será possível a dupla penalização. Referente às arras ou ao sinal, o CC de 2002 galgou ser mais moderno e adequado com a inteligência jurisprudencial mais recente e prevalente. Suprimindo-se dois dispositivos por serem desnecessários segundo o entendimento de Silvio Rodrigues.

Seguindo um tradicional esquema, alegamos que estar numa situação de obrigação significa renunciar a um privilégio anterior, representado pela abstenção de uma obrigação, para conferir a alguém o direito , fundando-se assim no consentimento, vale dizer, que na adesão de uma parte à uma proposta realizada pela outra, há sem dúvida , um acordo de vontades.

Ainda causa algumas polêmicas os contratos por adesão e, particularmente, aquilo que alguns doutrinadores chamam de contratos forçados ou necessários, firmados com tradicionais fornecedores de serviços e produtos alinhados como concessionárias de serviços públicos, como de telefonia, água e esgoto, luz elétrica e gás natural.

Cogitar de consentimento e de acordo de vontades, é ignorar o fato da não ingerência do consumidor- contratante na escolha da concessionária. O que poderia ser facilmente resolvido, se o Poder Público credenciasse mais de uma concessionária para prestar tal serviço.

Gerando, portanto, certamente, o barateamento do valor de serviço e produtos , além de um natural aprimoramento da prestação de serviços afim de melhor atender as necessidades quer dos consumidores, quer da lei consumerista, quer do equilíbrio contratual e boa-fé objetiva que tanto é priorizado no atual paradigma das obrigações e dos contratos.

Ao traçarmos o esquema das relações obrigações estamos igualmente tutelando as gerações futuras conforme bem alude Wesley Hohfeld perfazendo o perímetro do patrimônio mínimo (Luiz Edson Facchin) ,da imperiosa preservação da dignidade humana e da justiça social.

Referências

DELGADO, Mário Luiz et Jones Figuerêdo Alves.( coordenação) Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. 2005, São Paulo, Editora Método.

HIRONAKA, Giselda M. F.Novaes. Direito das obrigações: o caráter de permanência dos seus institutos, as alterações produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das gerações futuras. ( artigo contido no livro retro-citado).

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 29/08/2009
Reeditado em 17/02/2014
Código do texto: T1781978
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