Inseminação Artificial no Código Civil de 2002

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Yargo Oliveira Favilla.

Inicialmente devemos nos ater-se a finalidade precípua da inseminação que é a fecundação, etimologicamente esta é derivada do termo em latim fecundatio, proveniente do verbo fecundare, que significa “fertilizar” [1], em termos gerais é a fertilização do óvulo pelo esperma formando o ovo ou zigoto. Para que seja possível a fecundação é pressuposto que tenha ocorrido a inseminação que provém do termo em latim inseminare, composto por in – dentro – e sêmen – semente[2], e subdivide-se atualmente em natural onde há a fecundação pelo método sexual, ou seja, há a conjunção carnal da qual decorre a inseminação, e temos também a inseminação artificial sendo um método do supracitado para a realização da fecundação, pois, verifica-se o uso de métodos artificiais para fecundação. Sempre destacando que este tipo de fecundação só ocorre depois da inseminação intra-uterina. Então deve-se considerar inseminação artificial, seguindo o conceito trazido pela Sêmion, Centro de medicina reprodutiva que nos diz:

A Inseminação Artificial consiste em depositar os espermatozóides a diferentes níveis do trato genital feminino. Esquematicamente ela pode ser realizada segundo duas modalidades: Inseminação Artificial Intra cervical (IC), Inseminação Artificial Intra-uterina (IU).

A Inseminação Cervical é um método simples que permite reproduzir as condições fisiológicas da relação sexual, porém, não apresenta, teoricamente, nenhum elemento de superioridade em relação ao ato sexual. Suas indicações são bastante limitadas se restringindo aos casos de impossibilidade de uma relação sexual normal ou de uma ejaculação intra-vaginal (malformação sexual; distúrbios sexuais; distúrbios na ejaculação).

A Inseminação Artificial Intra-Uterina consiste em depositar espermatozóides móveis capacitados (aptos a fertilizar, pós tratamento do sêmen em laboratório) no fundo da cavidade uterina no momento da ovulação. Este método, mais complexo que o precedente, representa uma alternativa de tratamento menos agressiva que outras técnicas de Reprodução Assistida.[3]

Tem-se também definição trazida pelo Senador Lúcio Alcântara constante da justificação anexada ao Projeto de Lei 90 de 1999 em Trâmite no Senado.

Reprodução Assistida (RA) é a tecnologia que importa na implantação artificial de espermatozóides ou embriões humanos no aparelho reprodutor de mulheres receptoras com a finalidade de facilitar a procriação.

Basicamente, as técnicas de RA pertencem a duas modalidades: aquelas em que se introduz no aparelho reprodutor da mulher o esperma, genericamente denominadas inseminação artificial (IA), e a fertilização in vitro (FIV), na qual o óvulo e o esperma são juntados em um tubo de proveta e posteriormente se introduzem alguns embriões no aparelho reprodutor da futura mãe.

A inseminação artificial (IA) subdivide-se em inseminação intrauterina (IIU), em que o esperma é colocado no útero, transferência intrafalopiana de gametas (IFTG), em que os espermatozóides são introduzidos nas trompas de falópio, e inseminação intraperitoneal (IIP).

Sendo demonstradas as divisões da inseminação artificial constantes da ciência biomédica apenas a nível informativo, e verificando o conceito atribuído à inseminação de acordo com o Senador Lúcio Alcântara, constante do PL 90/99, este atribui, a subdivisão da terminologia genérica “reprodução assistida” no qual devem estar todas as formas de reprodução não naturais. Porém destacamos que ambos os tipos independentemente de nomenclatura levam ao resultado comum e esperado que seja, o da fecundação. Com relação às novas técnicas de reprodução humana, Heloísa Helena Barboza esclarece que:

Entende-se por inseminação artificial (...) a obtenção da fecundação, que é sempre natural, por processos mecânicos e com a utilização de recursos médicos, através da introdução do esperma no interior do canal genital feminino, sem ocorrência do ato sexual. Em outras palavras, é a introdução de esperma no aparelho genital de uma mulher por todos os outros meios que não a relação sexual.

Denomina-se inseminação artificial homóloga, “artificial insemination homologous”, “inseminación con semen del cónyuge o compañero”, “maritofecondazione”, “artificial insemination by husband (AIH)”, a que é feita com o esperma do marido, tendo em vista que, embora seja o casal biologicamente apto a procriar, eis que mantida a produção de sêmen, há impossibilidade da inseminação natural intravaginal, por não ser possível manter a relação sexual, em face de anomalia física do marido ou da mulher.[4]

Como dito, esta inseminação efetua-se com material genético do casal, esta consisteem inseminação utilizada pelo casal que “possui fertilidade, mas não é capaz de fecundação por meio do ato sexual” [5], mais conhecida pelo direito pátrio como fecundação homóloga.

Assim pressupõe que a mulher seja casada, ou tenha uma relação de união estável, e que o material genético seja de seu consorte. O filho decorrente desta fecundação presume-se que seja do marido cedente do material genético, sendo que gera a presunção de paternidade, como deixa claro determinado autor: “No caso da inseminação artificial homóloga, não há negar inafastável a responsabilidade do cônjuge varão em assumir a paternidade, esteja ele ou não em convivência conjugal, dispensando-se, a tanto, a sua autorização, para a presunção, certo que concebido o filho, artificialmente, no período de vida a dois, estão a salvo os direitos do nascituro, desde a concepção (art. 2º do texto consolidado), inclusive o de ser gerado e de ser gestado e nascer” [6], desta forma a inseminação somente deverá ser usada em última opção com entendimento firmado sobre estudo de Silvio Salvo Venosa, sendo usada nos casos onde não se encontra solução para a fecundação natural, usa-se o método artificial.

A mulher não necessita da autorização do marido para fazer a inseminação, podendo ser feita até depois do falecimento do cônjuge varão, incidindo em um assunto onde não há ainda um consenso estabelecido. A inseminação post mortem, acarreta um conflito sucessório, onde se tem como discussão, não somente se era da vontade do cônjuge falecido ser pai após a morte, salvo se devidamente expresso em testamento onde há a sua manifestação de vontade em ser progenitor post mortem atestando também se lhe convier, os direitos sucessórios da criança que virá à luz. Não tendo consentimento devidamente expresso do de cujus a criança nascida após abertura da sucessão não terá o direito a herança, até porque a lei põe a salvo os direitos do nascituro somente a partir da concepção (CC art.2º) [7], seguindo entendimento formado através do estudo despendido pela professora Maria Berenice Dias, nascituro significa “o que há de nascer”, sendo que neste caso o embrião não evoluirá (com a finalidade de nascer) do seu estado de crioconservação ficará embrião excedentário (que será melhor explicado posteriormente de forma gradativa), durante o período testamentário.

Desta forma entramos numa situação complexa, onde nos remetemos à própria concepção, situação a qual nos deparamos tendo como discussão se será o embrião um ser de direito logo com a inseminação do óvulo pelo espermatozóide independente de onde se encontre (se no útero, lâmina laboratorial, ou em estado de crioconservação em recipiente adequado), ou somente com a inserção do zigoto no aparelho sexual feminino, para que esse possa ganhar a capacidade jurídica que lhe dará os direitos do nascituro e não a expectativa de direito a que aquele está vinculado. Com a posterior inseminação (post mortem) e o decorrente nascimento, essa criança nasceria sem a proteção jurídica dos direitos sucessórios, o que acarretaria distorção em virtude do sistema de igualdade da filiação, previsto no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal.[8]

O código civil expressa que há a Pater is est (presunção de paternidade) ainda nos 300 dias subseqüentes à morte do cônjuge, mesmo por inseminação artificial homóloga.

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

(...)

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

De acordo com o Código Civil anterior, a criança que nascesse após trezentos dias da morte do marido não seria legítima porque se presumiria a sua concepção após a dissolução do casamento. Desta forma, não seria aplicável à espécie a presunção pater is est[9].

O embrião excedentário é aquele que é fecundado fora do corpo, in vitro, e não é introduzido prontamente sendo armazenado por técnicas especiais[10]. Atualmente, sabe-se que os embriões excedentários, aqueles que não são utilizados na fecundação in vitro, podem ser crioconservados indefinidamente[11]. Hoje sabemos que não é possível, essa crioconservação por um longo período, sendo descartados os embriões que não serão sujeitos ao tratamento de inseminação. Porém o PL 90/99 do Senador Lucio Alcântara visa mais três diferentes destinos além do supramencionado.

Algumas das matérias abrangidas no projeto são bastante polêmicas, como a destinação a ser dada aos embriões excedentes. As diferentes possibilidades – doação para terceiros, doação para pesquisas, preservação ou descarte - esbarram nas divergentes opiniões sobre o status existencial do embrião, opiniões que se baseiam em critérios éticos, religiosos ou filosóficos de cada pessoa. Alguns autores consideram que os embriões já são gente ou seres humanos em desenvolvimento, o que inviabilizaria o descarte, a doação para pesquisa e mesmo a criopreservação[12].

Em decisão recente o STF definiu que os embriões que não tiverem as destinações para os quais foram crioconservados. Serão utilizados em pesquisas com células-tronco embrionárias pra fins terapêuticos.

Há também, em caso de infertilidade masculina de consorte, a fecundação heteróloga em que com espermatozóides de um doador (terceiro), fecunda a mulher, portanto, a IA pode ser classificada em inseminação artificial intra-conjugal (IAC) quando for homóloga e inseminação artificial com doador de esperma (IAD) no caso em estudo, ou seja, heteróloga. São estes os famosos “bancos de espermas”, onde presume-se que mantenham o sigilo dos doadores, trocando-se o nome por código numérico que auxilie o bom andamento do serviço na clínica, somente sendo tolerável a exceção das características marcantes do doador, onde deve conter cor da pele, cor dos olhos, tipo de cabelo etc., para breves noções em que casais, ou até mesmo pessoas em sua individualidade possam ter para adequar suas expectativas aos sonhos idealizados.

A Professora Heloísa Helena Barboza, ao discorrer sobre inseminação artificial heteróloga, esclarece que: “Entende-se por inseminação artificial heteróloga a que se realiza em mulher casada com sêmen de terceiro que não o do marido” [13].

A inseminação heteróloga, onde a mulher é fecundada por material genético estranho ao casal, deve ter prévio consentimento do marido em realizá-lo, sendo que não consultado previamente sobre o assunto este não deverá arcar com os encargos paternos se não lhe convier.

Havendo acordo consensual entre os consortes, o pai fica sujeito ao mesmo vínculo do sistema de adoção, concretizando-se assim a paternidade sócio-afetiva, “uma vez que o pai jurídico, o marido da mãe, ao dar o seu consentimento, admite como filho o ente gerado com material genético de outrem (doador do sêmen)” [14], em entendimento da doutrina recente.

A paternidade não poderia mais ser negada sob o argumento da não existência da relação biológica, ficando o filho amparado pela presunção estabelecida neste artigo. (art. 1.597, V, do CC/02).

Art. 1.597 - Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

(...)

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Verifica-se a geração da presunção Juris et de juri impossibilitada de impugnação, o que desliga o embrião heterólogo do vínculo de consangüinidade existente, salvo o impedimentos matrimonias[15], não cabendo renúncia da obrigação, somente quando há o término da sociedade conjugal, ou seja, há o fim do relacionamento afetivo (casamento, união estável etc.), assim sendo, fica comprovada a desistência desde que seja antes da inseminação.

Há também o caso da gestação ou maternidade de substituição, em que uma mulher é contratada para dar à luz uma criança para outra mulher e que pode ocorrer tanto por inseminação artifical, caso em que o óvulo pertence à mulher contratada (que, conseqüentemente, se torna a mãe genética e gestacional do bebê), quanto por FIV, com óvulo e/ou sêmen do casal contratante ou de terceiros. Se o acordo envolver retribuição financeira, o caso é conhecido por "útero de aluguel" ou "barriga de aluguel". Senão, trata-se de uma "doação temporária de útero” [16].

A "criança com duas mães" - verificada na gestação de substituição - possui uma mãe genética (que doou seu óvulo para a obtenção do embrião in vitro) e uma mãe gestacional (que recebeu o embrião em seu útero e deu à luz a criança). É nessa modalidade que mais se evidencia a artificialidade das técnicas, pois tal situação nunca ocorre por meios naturais[17].

Desvinculando-nos um pouco da inseminação legalmente articulada a servir a figura da família socialmente aceita pelo costume, e conseqüentemente pela lei, convém indagar a inovações sociais que se verificam com a evolução da sociedade, desde os grandes movimentos liberais sociais, que podemos destacar o movimento hippie. A liberalidade anda cada vez mais próxima do convívio social convencional, mais ainda a um longo caminho a percorrer na legislação pátria, diferentemente de países europeus como a Inglaterra que já admite e permite o casamento homossexual, mas o Brasil não segue este exemplo. Aqui não é reconhecida ainda a união homossexual como entidade familiar, exceção a doutrina que vem dando longos saltos sobre o assunto. Mas não tendo o respaldo da legislação, e não existindo o impedimento da inseminação em pessoa sem qualquer vínculo conjugal (pelo menos os convencionais), vêm os homossexuais, utilizando da inseminação artificial como uma forma de ligarem-se de certa maneira a um fictício vínculo de consangüinidade e de direito é o caso de homossexuais do sexo masculino onde há uma mistura dos materiais genéticos de ambos, para que nenhum saiba quem é o verdadeiro pai, estes usam do que se chama como “barriga de aluguel”. Assim também utilizam-se desta astúcia as lésbicas, onde o óvulo proveniente de uma inseminação por fecundação heteróloga é inserido no útero de sua companheira, pois essa não sendo a mãe de sangue, será a mãe registral. Sendo ambas as relações familiares consideradas pela nova doutrina pátria como monoparentais.

BIBLIOGRAFIA:

PL 90/99: Comentários preliminares ao Projeto de Lei do Senado n.º 90, de 1999, sobre Reprodução Assistida, apresentado pelo Senador Lúcio Alcântara.

DIAS, Maria Berenice, Manual de direito das Famílias – 4 ed. rev. e ampl. – São Paulo, Editora Revistas dos Tribunais, 2007.

MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil v.2: Direito de Família – 37ª Ed. ver. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva – São Paulo: Saraiva, 2004

O novo código civil: livro IV do direito de família / Andréa Rodrigues Amin. [et. al.]; coord. Heloisa Maria Daltro Leite. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.

VENOSA, Silvio de Salvo, Curso de Direito Civil: Direito de Família, São Paulo, Atlas, 2001

ENDEREÇO ELETRÔNICO:

http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2008/05/29/por_seis_votos_cinco_stf_aprova_pesquisas_com_celulas-tronco_embrionarias-546558379.asp - Acessado 11/06/2008 às 23h22min.

http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=1304 – Acessado:

11/06/2008 às 17h52min.

www.semion.med.br/tecnicas.htm - Acessado: 28/10/2007 às 15h32min

[1] Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil – Direito de Família, 307

[2] Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil – Direito de Família, 307

[3] Site: www.semion.med.br/tecnicas.htm

[4] Código comentado, vários autores Ed. Freitas Bastos, 200

[5] Maria Berenice Dias, Manual de direito das Famílias, 196

[6] Código comentado vários autores Ed. Freitas Bastos, 199

[7] Maria Berenice Dias, Manual de direito das Famílias, 330

[8] Código comentado vários autores Ed. Freitas Bastos, 190

[9] Código comentado vários autores Ed. Freitas Bastos, 190

[10] Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil – Direito de Família, 307

[11] Código comentado vários autores Ed. Freitas Bastos, 190

[12] PL 90/99 Justificação Relator Senador Lúcio Alcântara

[13] Código comentado vários autores Ed. Freitas Bastos, 193

[14] Código comentado vários autores Ed. Freitas Bastos, 195

[15] Maria Berenice Dias, Manual de direito das Famílias, 333

[16] PL 90/99. Justificação Relator Senador Lúcio Alcântara

[17] PL 90/99. Justificação Relator Senador Lúcio Alcântara

Yargo Oliveira Favilla. Estudante de Direito da Universidade Tiradentes