Considerações sobre o tipo penal
O presente artigo de cunho eminentemente didático procura definir e esclarecer o tipo penal, seus elementos e sua importância para o Direito penal objetivo.
O tipo é oriundo do tatbestand previsto no art. 59 do CP alemão de 1871, corresponde também a fattispecie ou simplesmente o fatto do direito penal italiano, conforme assevera Sheila Selim.
O tipo é a uma descrição precisa do comportamento humano feita pela lei penal embora a expressão tipo não seja empregada pela lei, e, sim pela doutrina que remonta historicamente ao corpus delicti e, significava na época um conjunto das características de determinado delito.
Foi com Ernest Beling (1906) que adquiriu função autônoma dentro da estrutura de fato punível, traçava apenas as características objetivas do crime, por oponência à antijuridicidade e à culpabilidade.
Com a evolução do conceito do tipo, estes vieram abarcar componentes subjetivos do comportamento do agente. Assim, preleciona Fragoso que o tipo constitui a matéria da proibição.
Ao lado da ação é o elemento básico e essencial do crime que possui a imprópria definição de conduta típica, antijurídica e culpável. É a primeira característica do delito é o tipo de conduta eu a norma incriminadora apresenta.
A conduta punível integra o tipo, que nos atesta uma valoração jurídica do comportamento humano.
Há tipicidade quando o fato se ajusta ao tipo, ou seja, quando corresponde às características objetivas e subjetivas de modelo legal, abstratamente arquitetado pelo legislador.
A doutrina pátria dominante limita o conceito de tipo à parte objetiva de conduta punível, deslocando todo o conteúdo subjetivo do comportamento para culpabilidade.
Assevera Fragoso que o Direito Penal atribuiu ao tipo uma função específica e peculiar, a ilicitude penal só existe se corresponder a uma exata figura de delito que delimita os extremos da definição legal, a conduta punível.
Assim possui o tipo duas funções: a primeira é de garantia e a segunda é a função de fundamentar a ilicitude. O tipo é peculiarmente ligado ao princípio da reserva legal. Não se pode por analogia e nem mesmo pela aplicação dos princípios gerais de direito deduzir crimes não nominados e tipificados em lei.
Também tem a função de fundamentar ou indicar a antijuridicidade do f ato. Bem preciosas foram as palavras de Max Ernest Mayer: “o tipo e antijuridicidade estão como o fumo para o fogo”.
Verificamos que a função indiciária do tipo desaparece, ou é grandemente diminuída nos crimes culposos e, o mesmo se dá nos crimes comissivos por omissão que exigem a transgressão do dever jurídico de impedir o resultado e, in casu, chamamos de tipo aberto, pois não contém por completo, a descrição da conduta ilícita.
Há os tipos básicos ou fundamentais e os derivados (onde há as figuras dos crimes qualificados e privilegiados). Saliente-se que os tipos básicos constituem a espinha dorsal do sistema na parte especial (Mezger).
Há também tipos simples e mistos, os primeiros são aqueles que descrevem uma única espécie de conduta punível (ex: art. 215 do CP). Já os segundos, são os que descrevem mais de uma espécie de conduta, existindo os tipos mistos alternativos e cumulativos.
Nos casos de crimes qualificados ou privilegiados surgem tipos derivados que correspondem a tipos distintos de ilicitude.
No entanto, com novos elementos que podem tornam o crime mais grave ou menos, surge então, uma nova figura de delito.Surge, pois, um delictum sui generis que constitui um tipo autônomo de crime, excluindo a aplicação do tipo básico. Ex: art. 123 do CP (infanticídio) que é crime autônomo embora seja homicídio privilegiado.
Nos tipos mistos alternativos que são numerosos, onde a alternativa pode-se dar em relação à conduta (como por exemplo: Art. 211 do CP – destruir, subtrair ou ocultar); ou em razão do modo de execução (à traição, emboscada, ou mediante dissimulação art. 121. § 2o, do e seus incisos do CP); em razão do objeto material (ex: 234 do CP “escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno”); em razão dos meios de execução (vide art. 136 do CP “quer privando-a de alimentação ou de cuidados indispensáveis...); em razão do resultado material da ação (art. 129, § 2o, III do CP – perda ou inutilização); em razão das circunstâncias de tempo (in art. 123 do CP” durante o parto, ou logo após “); em relação à condição do agente (art. 177, § 1o, I do CP –” o diretor, gerente); em relação ao sujeito passivo (art. 175 do CP – “adquirente ou consumidor”); em razão a quaisquer outras circunstâncias de fato (ex: art. 168 – posse ou detenção).
O tipo misto alternativo dotado de conteúdo variável apresenta as várias hipóteses de realização do mesmo fato delituoso, o que não afeta a unidade do delito.
Na descrição da conduta proibida o legislador utiliza-se de vários elementos: descritivos que são aqueles cujo conhecimento se opera através de simples constatação sensorial, (tipo: membro, explosivo, homem, mulher, criança);
Os elementos normativos são aqueles que só podem determinados mediante especial valoração jurídica-cultural. Ex: cheque, warrant, documento.
A terceira espécie de elemento do tipo mescla os aspectos descritivos e normativos que determinam através de juízo cognitivo que deriva da experiência e dos conhecimentos que esta proporciona. Ex: logo após o parto in art. 123 do CP.
O conceito de embrião e homem, para o efeito de se determinar o momento a partir do qual ocorre o homicídio e, não propriamente o aborto.
Contudo, a valoração empregada pelo julgador dever ser o mais objetiva que possível e com fulcro nos padrões vigentes. A incorporação ao tipo de elementos normativos de natureza jurídica, que alguns doutrinadores chamam de impróprios, postula a aplicação de valores que prevalecem em outros ramos do direito.
As descriminantes (art. 23 do CP) não são elementos negativos do tipo, mas causas de exclusão da ilicitude do fato. Situam-se, assim, fora do tipo e, sua ocorrência exclui apenas a antijuridicidade, não a tipicidade.
Os únicos elementos negativos do tipo são aqueles cuja ausência a própria descrição da conduta punível exige. Exs: art. 125(“sem consentimento”); art. 151, IV (“sem observância de disposição legal”); art. 171, § 2o, VI (“sem provisão suficiente de fundos”).
Tipo é descrição do comportamento proibido e compreende, as características objetivas e subjetivas do fato punível. Tipo legal é um dos corolários do princípio da reserva legal previsto no art. 5o, inciso 39 da CF/88.
De fato, não cabe à lei penal proibir genericamente os delitos, senão descreve-los de forma minuciosa, delimitando adequadamente em termos precisos o seu teor.
Luiz Vicente Cernicchiaro preleciona que “impõe-se descrição específica individualizadora do comportamento delituoso”.
A garantia oferecida pelo tipo tem que ser real, resguardando definitivamente o direito de liberdade. Assim enquanto o tipo exerce a função de garantia, a tipicidade é a relação entre o tipo e a conduta resultante do império do princípio da reserva legal.
O conceito de tipo é o de modelo descritivo das condutas humano criminosas, criado pela lei penal com a função de garantia do direito de liberdade. Na sua integridade, o tipo é composto de núcleo designado pelo verbo (exemplos: matar, ofender, constranger...); referências a certas qualidades exigidas para o sujeito ativo (funcionário público, mãe, e, etc...); referências ao sujeito passivo (alguém, recém-nascido...); ao objeto material (coisa alheia, móvel, documento), referências ao lugar, tempo, ocasião, modo de execução, meios empregados e, em alguns casos, ao fim especial visado pelo agente.
Tipicidade é a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta prática no mundo real ao modelo descritivo constante da lei penal. Assim, para a conduta seja considerada como crime, é indispensável que se ajuste a um tipo legal.
Para alguns doutrinadores, a tipicidade é a mera correspondência formal entre o fato humano e o que está descrito no tipo; enquanto que a adequação típica implica num exame mais apurado do que a mera correspondência objetiva.
Mas a adequação típica investiga a vontade para efetuar o enquadramento. Assim, a teoria finalista exige o comportamento doloso ou culposo, e a teoria social, além disso, a vontade de produzir um dano socialmente relevante.
Para Fernando Capez não há quaisquer distinções de ordem prática entre tipicidade e adequação típica.
Na fase de independência do tipo que fora originalmente concebido por Ernest Beling, o tipo era desvinculado da ilicitude contendo função meramente descritiva.
Posteriormente, com a teoria finalista e a descoberta dos elementos subjetivos do tipo, essa fase acabou sendo ultrapassada.
Com os estudos de Mayer surge a fase do caráter indiciário da ilicitude onde o fato típico não poderia mais ser isolado da ilicitude. Assim, todo fato típico contém um indício de ilicitude, provocando a idéia de que qualquer conduta típica, em princípio, também será ilícita.
O tipo é portador de um sentido de ilicitude, dotado de conteúdo material, com função seletiva. Todo fato típico também será ilícito, a não ser que esteja presente alguma causa de exclusão de ilicitude.
Mezger e Sauer transformaram a figura do tipo em tipo de injusto, que assim passou a ser a ratio essendi da antijuridicidade, isto é, expressão do ilícito penal. O tipo foi conceituado como ilicitude tipificada para essa corrente doutrinária.
Com a fusão do tipo com a ilicitude configurando-se o injusto, embora sejam conceitos distintos. O tipo descreve fato injusto (proibido) que compreende simultaneamente o fato típico e o ilícito.
Assis Toledo opina por não apoiar a concepção indiciária da ilicitude, e afirma que a filiação welziana cai freqüentemente num dilema de ter de aceitar a distinção preconizada entre antinormatividade e antijuridicidade.
Prevalece a diretriz dominante que enxerga o tipo e a ilicitude como fenômenos diferentes que não podem ser confundidos. Hans Welzel após afirmar que a tipicidade é mero indício de antijuridicidade e que as causas de exclusão de ilicitude se encontram fora da descrição típica, em uma etapa seguinte (primeiro, verifica-se se o fato é típico, para em seguida, verificar-se-á se é ilícito).
Finalmente, o Código Penal Brasileiro separou em tipos bem distintos os crimes que estão nos tipos incriminadores e as causas de exclusão da ilicitude, que estão nos tipos permissivos (art. 23, I a III, 24, parágrafos e 25).
Assim, se a própria lei penal pátria os coloca em tipos distintos não pode o intérprete juntá-los em um só.
A norma da tentativa é prevista no art. 14, II do CP. É, portanto, uma norma de extensão por meio da qual resulta a adequação típica mediata ou indireta do fato tentado à norma que se pretendia violar. No caso da tentativa, tal extensão ou ampliação do tipo dá-se no tempo, pois o modelo descritivo alcança a conduta momentos antes de ser atingida a consumação.
No caso de participação também inocorre correspondência direta entre a conduta e o tipo legal, pois o partícipe é aquele que concorre para a prática de um crime de qualquer modo, auxiliando, induzindo e instigando o executor, sem, no entanto, realizar o núcleo (o verbo) do tipo. É, portanto, aquele que não mata, instiga a matar, não furta, ajuda a subtrair; não seqüestra, induz ao seqüestro.
O tipo sempre tem um verbo que é seu núcleo, e o partícipe é justamente a pessoa que não o pratica, decorrendo daí a impossibilidade de adequação direta. Assim a norma do art. 29, caput do CP funciona como ponte ligando a conduta do partícipe ao modelo legal.
A extensão opera-se de uma pessoa (autor principal) para outra partícipe, e, por isso, é norma de extensão pessoal. Assim, a norma do concurso de pessoas é também de extensão ou ampliação espacial e pessoal da figura típica por meio da qual se opera a adequação típica mediata ou indireta da contata do partícipe ao tipo penal.
Espécies de tipo: normal (só contém elementos objetivos ou descritivos); tipo anormal (além dos objetivos, contém também elementos subjetivos e normativos).
Em geral o tipo fundamental ou básico se situa no caput de um artigo e contém os componentes essenciais do crime, sem os quais este desaparece (atipicidade absoluta) ou se transforma em outro tipo (atipicidade relativa).
Exemplo: o delito de homicídio (art. 121, caput, do CP). São seus elementos constitutivos: a) sujeito ativo (pessoa humana), conduta, dolo, sujeito passivo (pessoa humana), resultado (evento morte); nexo de causalidade. Se retirarmos qualquer um desses elementos, o delito de homicídio desaparecerá.
Já os tipos derivados são os que se formam a partir dos fundamentais, mediante o destaque de circunstâncias que o agravam ou atenuam. Nesses tipos encontram-se os componentes secundários do tipo, que não constituem a sua essência. Localizam-se geralmente nos parágrafos dos tipos incriminadores fundamentais.
Trata-se de uma figura dependente e vinculada assim é aplicável por essa razão, todas as regras incidentais sobre o delito básico previsto no caput. É o que acontece com as causas de aumento ou de diminuição previstas nos parágrafos dos tipos incriminadores.
No caso das qualificadoras, porém, o tipo derivado ganha certa autonomia do tipo fundamental, denominando-se, por isso, tipos derivados autônomos (delito independente ou delictum sui generis). Exemplo está no furto qualificado que não se beneficia do privilégio previsto no §2o, do art. 155 do CP, aplicável somente ao tipo fundamental do furto previsto no art. 155, caput do CP.
Os elementos subjetivos internos na lição de Johannes Wessels são os que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo da representação do autor. Localizam-se, sobretudo, nos denominados “delitos de intenção”, em que uma representação especial do resultado ou do fim deve ser acrescentada à ação típica executiva como tendência interna transcendente. Ex: o animus furandi do ladrão, o animus necandi, do assassino.
Nesse elemento, o legislador destaca uma parte do dolo e a insere expressamente no tipo penal. Quando o tipo incriminador contiver elemento subjetivo será necessário que o agente, além da vontade de realizar o núcleo da conduta (o verbo) tenha também a finalidade especial descrita explicitamente no modelo legal. Exemplo: art. 219 do CP não basta o dolo para realizar o rapto, pois a lei exigiu que, além da vontade de raptar, o sujeito tenha a intenção (o animus) de praticar atos libidinosos com a vítima.
Nada impede a coexistência de elementos normativos, subjetivos e objetivos inseridos no mesmo tipo penal. Já no homicídio (art. 121, caput do CP) para que ocorra o crime, basta a consciência e a vontade de tirar a vida de alguém, já que o tipo penal não exige nenhuma finalidade especial (pois não existe nenhum elemento subjetivo).
A tipicidade conglobante inclui a tipicidade e ilicitude na mesma fase, como elementos fundidos. Assim, com efeito, o fato típico também deve ser ilícito, ou seja, a ilicitude integra o tipo penal como um de seus elementos.
Zaffaroni preleciona que o tipo não pode proibir o que o direito ordena e nem que ele fomenta. Isso significa que o fato típico exige a antijuridicidade como seu requisito. Surge assim o conceito de tipicidade legal (que é apenas o fato que corresponde a uma descrição típica) e a tipicidade penal (tipicidade legal somada a ilicitude da conduta). Um fato somente será típico se presente estiver a tipicidade penal.
Quem age em legítima defesa pratica um fato atípico, pois lhe falta a ilicitude, que é um dos elementos para a tipicidade.
O tipo penal nos crimes dolosos prende-se particularmente ao conceito de dolo que é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Aníbal Bruno inclui dentre os componentes do conceito de dolo a consciência da ilicitude do comportamento doa gente.
Contudo, para os adeptos da corrente finalista, a qual o CP adota, o dolo pertence à ação final típica, constituindo seu aspecto subjetivo, ao passo que a consciência da ilicitude pertence à estrutura da culpabilidade, como um dos elementos indispensáveis à formulação do juízo de reprovação;
Assim, o dolo é um dos elementos do fato típico. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor e que servem de base à sua decisão em praticá-la. O dolo também abrange os meios empregados e as conseqüências secundárias de sua atuação.
Analisando o disposto no art. 18, I do CP conclui-se que foram adotadas as teorias da vontade (onde o dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade do resultado ocorrer, sem, contudo, deseja-lo) e do assentimento (onde o dolo é a previsão do resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo). Note-se que a teoria da representação confunde culpa consciente (ou com previsão) com dolo e não foi adotada.
As espécies de dolo: dolo natural (concebido como elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor), trata-se de um simples querer, inerente ao objeto da vontade de ser lícito ou ilícito, certo ou errado. Esse dolo compõe-se somente de consciência e vontade, sem a necessidade de que se saiba se é o fato ilícito, injusto ou errado. Afasta-se da antiga concepção romana de dolus malus.
Dolo normativo é oriundo da teoria clássica, ou naturalista ou causal. Ao invés de se constituir em elemento da conduta, é considerado requisito da culpabilidade e possui três elementos: a consciência, à vontade e a consciência da ilicitude. Assim, para que não haja dolo, não basta que o agente queria realizar a conduta, sendo também necessário que tenha a consciência de que é ilícita, injusta e errada. Só há dolo, quando, além da consciência e da vontade de praticar a conduta, o agente tenha a consciência de que esta cometendo algo censurável.
O dolo normativo é mais que um simples querer, é o querer algo ilícito, errado (é o dolus malus). Fernando Capez e outros doutrinadores entendem com razão que a teoria do dolo normativo está mormente superada. Assim a consciência da ilicitude não é componente do dolo, mas um elemento autônomo que integra a culpabilidade. Assim, para Capez dolo é somente o natural.
Há ainda, o dolo direto ou determinado que é a vontade realizar a conduta e produzir o resultado (teoria da vontade). Na magistral conceituação de Frederico Marques corresponde perfeitamente à intenção e à vontade doa gente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado.
No dolo indireto ou indeterminado o agente não deseja diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo).
Na acertada verve de Magalhães Noronha: “É indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro na direção a ele, ao contrário do que sucede com o dolo direto. Comporta duas formas o alternativo e o eventual. Dá-se o primeiro quando o agente deseja qualquer um dos eventos possíveis (...)”.
Já no dolo eventual, o sujeito prevê o resultado, embora não o queira propriamente atingi-lo, pouco se importando com sua ocorrência (é igual na música de Luka “Tô nem aí...”).
Observe-se que age também com dolo eventual quando o agente, na dúvida a respeito de um dos elementos do tipo, arrisca-se em concretiza-lo, Exemplo: agente que pratica ato libidinoso com jovem na dúvida de que tenha a mulher de 18 anos, cometendo o crime de corrupção de menores (art. 218 do CP).
São também casos de dolo eventual: praticar roleta-russa, o “racha” disputa automobilística realizada em via pública ocasionando morte. Há certos tipos penais que não admitem o dolo eventual, pois a descrição da conduta impõe um conhecimento especial da circunstância, por exemplo, ser a coisa produto de crime, no delito de receptação.(art. 180 CP – receptação).
O dolo de dano é a vontade produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico (art. 121, 155 do CP).O dolo de perigo é mera vontade de expor o bem a um perigo de lesão (art. 132, 133 do CP). O dolo genérico é aquele desprovido de um fim especial, apesar da prática do núcleo da ação típica (verbo do tipo).Exemplo: homicídio.
O dolo específico é o provido de um fim especial previsto no tipo. Exemplo: art. 219 do CP
O dolo geral, erro sucessivo ou aberratio causae é quando o agente após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, pratica o que entende ser exaurimento e nesse momento atinge a consumação. Exemplo: A esfaqueia a vítima e pensa que a matou. E em seguida, acreditando estar de posse de um cadáver atira-o no mar, vindo a causar, sem saber a morte por afogamento.
Tal erro é irrelevante para o Direito Penal, pois o que importa é que o agente quis praticar o homicídio, e de um modo ou de outro acabou o produzindo. O dolo é geral, pois abrange toda a situação, desde as facas iniciais até o resultado morte. Leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente e não o acidentalmente empregado como no caso a asfixia por afogamento, não sendo possível aplicar-lhe a qualificadora da asfixia.
O dolo de primeiro grau consiste na vontade de produzir as conseqüências primárias do delito, ou seja, o resultado típico inicialmente visado. Ao passo que o de segundo grau abrange os efeitos colaterais da prática delituosa, ou seja, suas conseqüências secundárias, que não foram desejadas originalmente, mas acabam sendo provocadas porque indestacáveis do primeiro evento.
Assim no dolo de segundo grau, o autor não pretendeu produzir o resultado, mas se dá conta de que não pode chegar à meta traçada sem causar tais efeitos acessórios. Ex: querendo obter fraudulentamente o prêmio do seguro, o sujeito dinamita o barco em alto-mar, entretanto acaba por tirar a vida de todos seus tripulantes, resultado pretendido apenas porque inevitável para o fim criminoso. Tal modalidade constituíra em dolo eventual, responderá por ambos os delitos em concurso, a título de dolo (Günther Jakobs, Derecho penal: parte general. Fundamentos y teoria de la imputación, 1997, p.324).
A quantidade da pena abstratamente cominada ao tipo penal não varia conforme a espécie de dolo, contudo, o juiz deverá levar em conta no momento da dosimetria penal, pois o art. 59, caput do CP mandar dosar a pena conforme o grau de culpabilidade, constando uma expressa referência ao dolo e ao grau de culpa.
Não devemos confundir culpabilidade que é juízo de reprovação do autor da conduta ilícita, com grau de culpabilidade que é circunstância a ser aferida no momento da dosagem da pena e dentro da qual se encontram a espécie de dolo e o grau de culpa.
Não há crime comissivo por omissão sem que exista o especial dever jurídico de impedir o dano ou o perigo ao bem jurídico tutelado, e nos delitos comissivos por omissão dolosa é também indispensável que haja a vontade de omitir a ação devida.
O tipo penal nos crimes culposos é genericamente previsto, pois a culpa como elemento normativo da conduta advém de tipos abertos, portanto, neles não se descreve em que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer: “se o crime é culposo, a pena será de...” não descrevendo minuciosamente como seria a conduta culposa.
A culpa é avaliada em função da conduta normal que é a pautada no senso comum, no homo medius, e está prevista na norma. Assim, se a conduta do agente afastar-se daquela prevista na norma (que é normal), haverá a quebra do dever de cuidado e, conseqüentemente, a culpa.
É tipo aberto o que prevê a culpa, pois é impossível prever exatamente todas as hipóteses de culpa, pois sempre será necessário, em cada caso, comparar a conduta do caso concreto com a que seria ideal naquelas circunstâncias.
São exemplos de condutas culposas: dirigir com excesso de velocidade, brincar com arma municiada, distrair-se enquanto criança que vai pra o meio da rua, soltar cão bravio em parques urbanos movimentados, e, etc.
Os elementos do fato típico culposo são os seguintes: conduta (sempre voluntária), resultado involuntário, nexo causal, previsibilidade objetiva, ausência de previsão (na culpa consciente inexiste esse elemento) e, quebrar de dever objetivo de cuidado (por meio da imprudência, imperícia ou negligência).
A previsibilidade objetiva é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado. É elemento da culpa. Anota Mirabete a rigor, porém, quase todos os fatos naturais podem ser previstos pelo homem (inclusive de uma pessoa poder atirar-se sob as rodas do automóvel que está dirigindo). É evidente, porém, que não é essa previsibilidade em abstrato de que se fala.
Diz-se, então, que estão, que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa extremamente prudente. Assim, só é típica a conduta culposa quando se puder estabelecer que o fato era possível de ser previsto pela perspicácia comum, normal dos homens.
Previsibilidade subjetiva: é a possibilidade que o agente, dadas as suas condições peculiares, tinha de prever o resultado. Não importa se uma pessoa de normal diligência poderia ter previsto, relevando apenas se o agente podia ou não o ter feito.
A ausência de previsibilidade subjetiva não exclui a culpa, uma vez que não é seu elemento. A conseqüência será exclusão da culpabilidade, mas nunca da culpa (o que equivale a dizer, da conduta e do fato típico). Dessa forma, o fato será típico, porque houve conduta culposa, mas o agente não será punido pelo crime cometido ante a falta de culpabilidade.
Princípio do risco tolerado: há comportamentos perigosos imprescindíveis, que não podem ser evitados e, portanto, por seu caráter emergencial, tidos como ilícitos. Mesmo arriscada, a ação deve ser praticada, e aceitos eventuais erros, dado que não há outra solução. Exemplo: médico que realiza uma cirurgia em circunstâncias precárias podendo causar a morte do paciente.
Princípio da confiança: a previsibilidade também está sujeita a esse princípio, segundo o qual as pessoas agem de acordo com a expectativa de que as outras atuarão dentro do que lhes é normalmente esperado. O motorista que vem de uma via preferencial passar por um cruzamento na confiança de que aquele que vem da via secundária irá aguardar a sua passagem. Ao se aferir a previsibilidade de um evento, não se pode exigir que todos ajam desconfiando do comportamento dos seus semelhantes. Quando o motorista conduz seu veículo na confiança de que o pedestre não atravessará a rua em local ou momento inadequado (ação esperada) inexiste a culpa, não havendo que se falar em resultado previsível.
Inobservância do dever objetivo de cuidado: é a quebra do dever de cuidado imposto a todos e manifesta por meio de três modalidades de culpa, todas previstas no art. 18, II do CP.
Esmiucemos os elementos característicos da culpa:
Imprudência é a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. É a ação descuidada, implica num comportamento positivo que se opera sem a cautela necessária. Nela a culpa se desenvolve paralelamente à ação. Exemplo: a ultrapassagem proibida, excesso de velocidade, trafegar na contramão, manejar arma municiada, etc. Em todos esses casos, a culpa se desenvolveu simultânea a ação.
Negligência é a culpa em sua forma omissiva, consiste em deixar de tomar o cuidado devido para começar agir. Dá-se sempre antes do início da conduta. Implica, assim, numa abstenção que era devida. Magalhães Noronha adverte que é a inação, inércia e passividade. Decorre da inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica). Exemplos: deixar de reparar os pneus e verificar os freios antes de viajar, não sinalizar devidamente perigoso cruzamento, deixar arma ou substância tóxica ao alcance de criança.
Imperícia é a demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade técnica. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister. Exemplo: médico que deseja curar a ferida e, amputa a perna. Atirador de elite que mata a vítima ao revés de acertar o criminoso (foi aquele caso do ônibus 175 no Rio de Janeiro).
Há diferença entre imperícia e erro médico este ocorre, quando empregados os conhecimentos normais de medicina, por exemplo, chega o médico a conclusão errada quanto ao diagnóstico, à intervenção cirúrgica, etc., não sendo fato típico.
O erro médico pode derivar não apenas de imperícia, mas também de imprudência ou negligência.
Também a imperícia não se restringe à área médica, podendo ocorrer em qualquer outra atividade ou profissão que requeira habilidade especial. Somente a falta grosseira desses profissionais consubstancia a culpa penal, pois a exigência maior provocaria a paralisação da ciência, impedindo os pesquisadores de tentar métodos novos de cura, de edificações.
Espécies de culpa: culpa inconsciente que corresponde a culpa sem previsão. E a culpa consciente ou com previsão. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afastada, de pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto.
Em face da lei penal, não existe diferença no tratamento entre a culpa com previsão e a inconsciente. Não há diferença quanto à cominação da pena abstratamente no tipo. Capez parece crer que no momento da dosimetria da pena, o grau de culpabilidade prevista no art. 59, caput do CP, deva o juiz, na primeira fase da dosagem da pena, elevar um pouco mais a sanção de quem age com a culpa consciente, dada a maior censurabilidade desse comportamento.
Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir acontecer, o agente repudia essa possibilidade. O traço distintivo entre ambas, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.
A culpa imprópria conhecida também como culpa por extensão, por equiparação ou por assimilação é aquela em que o agente, por erro de tipo inescusável, supõe estar diante de uma causa de justificação que lhe permita praticar, licitamente, um fato típico. Há uma má apreciação da realidade fática, fazendo o autor supor que está acobertado por uma excludente de ilicitude. Como tal erro poderia ser evitado com o uso de diligência mediana, subsiste o comportamento culposo.
Exemplo: Artur está assistindo a um programa de televisão, quando seu primo entra na casa pela porta dos fundos. Pensando tratar-se de um ladrão, Artur efetua disparos de arma de fogo contra o parente, certo de que está praticando uma ação perfeitamente lícita amparada pela legítima defesa. A ação, em si, não é dolosa, mas o agente incorre em erro de tipo essencial, o que exclui o dolo de sua conduta, permanecendo a culpa em face da evitabilidade do erro.
No momento inicial da formação do erro configurou-se a culpa daí chamar-se imprópria, pois também há dolo, pois atirou para matar em legítima defesa acreditando tratar-se de um ladrão.Se o primo de Artur vem a falecer, há duas posições doutrinárias a respeito.
A primeira considera que o agente cometeu homicídio culposo, pois, como o erro estava na base da conduta (que confundiu o primo com um ladrão), mesmo que a ação subseqüente tenha sido dolosa (pois atirou para matar), todo o comportamento é considerado culposo. É a posição de Assis Toledo que acentua pragmaticamente: “De resto, não vemos como se possa falar em dolo, quando o próprio legislador, fala em crime culposo” (Princípios básicos de direito penal, 5a edição, São Paulo, Saraiva, 1994, p.275).
A segunda corrente capitaneada por Luiz Flávio Gomes que em brilhante monografia sobre o “Erro de tipo e erro de proibição”, não aceita a existência da culpa imprópria, por entender tratar-se de crime doloso, ao qual, por motivos de política criminal, aplica-se a pena de crime culposo.
Entende-se que o agente cometeu homicídio doloso, apesar de ser punido com a pena de culposo por critério político do legislador. Que afeta não o dolo propriamente, e sim a culpabilidade dolosa unicamente.
O exemplo corriqueiro de legítima defesa putativa, o agente quando, verbi gratia, dispara contra a vítima, o faz regularmente, ou com o animus de lesar ou com a de matar, é inegável, portanto existir o dolo. Para essa corrente, não existe a culpa imprópria que não passa de dolo punido a título de política criminal como culpa.
Fernando Capez entende tratar-se de erro de tipo inescusável, que exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo na forma do art. 20, § 1o. parte final do CP.
Se a vítima vier a sobreviver dado o aspecto híbrido da culpa imprópria, o agente responderá apenas por tentativa de homicídio culposo. A ação subseqüente dolosa faz com que seja possível a tentativa, mas houve culpa, por se tratar de erro de tipo evitável, aliás, esse é o único caso em que se admite a tentativa de crime culposo.
A culpa presumida como é forma de responsabilidade objetiva não é prevista na legislação penal, ao contrário do que ocorreria na legislação penal anterior de 1940, onde havia punição por crime culposo quando o agente causasse o resultado apenas por ter infringido uma disposição regulamentar (como por exemplo: dirigir sem habilitação legal) ainda que não houve imprudência, imperícia ou negligência.
Atualmente a inobservância de disposição regulamentar poderá caracterizar infração dolosa autônoma (CTB art. 309) ou apenas um ilícito administrativo, mas não se pode dizer que, em caso de acidente com vítima, o motorista seja presumido culpado, de forma absoluta.
A culpa mediata ou indireta é a que ocorre quando indiretamente o agente produz o resultado a título de culpa. É o caso de uma pessoa que atropela uma criança, e, em razão disso, o pai atravessa a rua para prestar socorro e, acaba também atropelado por outro veículo; do motorista de ônibus que provoca uma colisão com um poste, e um passageiro, desesperado, desce correndo do veículo e acaba caindo e se machucando; ou, ainda, de um assaltante que, após assustar a vítima, faz com que ela fuja e acabe sendo atropelada.
Em todas essas hipóteses será imprescindível a existência de dois requisitos: o nexo causal (que o agente tenha dado causa ao segundo evento) e do nexo normativo que requer que o agente tenha culpa com relação ao segundo resultado, que não pode derivar nem de caso fortuito, nem de força maior.
Existem três graus de culpa: a grave, a leve e a levíssima. Inexiste diferença para cominação abstrata de pena, mas o juiz deve considerara a natureza da culpa no momento de dosar a pena concreta, já que lhe cabe, nos termos do art. 59, caput, do CP, fixar a pena de acordo com o grau de culpabilidade do agente.
Não existe igualmente a compensação de culpas em Direito Penal. Desse modo, a imprudência do pedestre que cruza inadvertidamente a via pública não afasta do motorista que, trafegando, em contramão, vem a atropelá-lo. A culpa recíproca apenas produz efeitos quanto à fixação da pena conforme prevê o art. 59 do CP.
Contudo, a culpa exclusiva da vítima, exclui a do agente, porém, ainda assim não se pode falar em compensação.
Ocorre a concorrência de culpas quando dois ou mais agentes, em atuações independentes e sem nexo entre si, causam resultado lesivo por imprudência, imperícia ou negligência. Todos respondem pelos eventos lesivos.
É possível haver a culpa nos delitos omissivos impróprios, é o caso da babá que por negligência descumpre o seu dever contratual de cuidado e vigilância do bebê e não impede que este morra afogado na piscina da casa. Responderá efetivamente por homicídio culposo por omissão.
Regra de crucial importância é a que prevê que o crime só pode ser punido como culposo quando houver expressa previsão legal (art. 18, parágrafo único do CP), em caso de silêncio da lei, o crime só será punido a título de dolo.
Quanto à participação em crime culposo destaca Capez haver duas posições doutrinárias. A primeira posição não admite participação em crime culposo, pois este repousa em tipo aberto, ou seja, onde não existe a exata descrição de conduta principal, mas tão-somente a previsão genérica. Desse modo, toda colaboração culposa para o resultado constituirá crime autônomo.
Ex: motorista imprudente é instigado por sua acompanhante, a desenvolver velocidade incompatível com o local, vindo a atropelar e matar um pedestre. Ambos serão autores de homicídio culposo, não havendo que se cogitar de participação, pois fica impossível detectar qual foi a conduta principal.
A segunda posição doutrinária prevê que apesar de aberto o tipo do crime culposo, é possível definir qual conduta principal. Logo quem matou foi o autor foi quem dirigiu o carro que atropelou e matou o pedestre, já quem instigou ou induziu à conduta é o partícipe. A acompanhante não matou ninguém, até porque não estava dirigindo o automóvel. Por tal razão, é possível apontar uma conduta principal (autoria) e, outra acessória (participação).
Para os partidários da teoria do domínio do fato, não há como sustentar o concurso de pessoas no crime culposo, pois neste caso o agente não desejou o resultado, e, portanto, não há como sustentar que detenha o controle final de algo que não deseja.
Adota a maioria da doutrina brasileira a posição que entende inviável a participação no delito culposo. Cada um dos participantes é, portanto, um autor de um delito culposo autônomo e independente.
Capez entre outros doutrinadores adotam a teoria restritiva da autoria, assim é possível haver tanto a autoria como a participação em delito culposo, sendo suficiente detectar quem agiu o núcleo do tipo e, considerar que é partícipe aquele que concorreu de qualquer modo, sem cometer o núcleo do tipo penal.
Outro capítulo assaz importante é o crime preterdoloso que corresponde a uma das quatro espécies de crime qualificado pelo resultado que é aquele em que o legislador, após descrever uma conduta típica, com todos os seus elementos, acrescenta-lhe um resultado, cuja ocorrência acarreta um agravamento da sanção penal.
Tal crime possui duas etapas: a primeira corresponde a prática de um crime completo, composto de todos os seus elementos; já a segunda fase é a produção do resultado agravador, além daquele que seria necessário para a consumação (fato conseqüente). Na primeira parte, há um crime perfeito e acabado, praticado a título de dolo ou culpa, enquanto que na segunda, o resultado agravador acabou por tipificar delito mais grave. Exemplo: lesão corporal seguida de morte.
O crime qualificado pelo resultado é um único delito que resulta da fusão de duas infrações autônomas, trata-se de crime complexo.
São quatro espécies de crimes qualificados pelo resultado: dolo no antecedente e dolo no conseqüente; culpa no antecedente e culpa no conseqüente; conduta dolosa e resultado agravador culposo (crime preterdoloso ou preterintencional).
O latrocínio não é necessariamente preterdoloso, já que a morte pode resultar de dolo do ladrão, havendo tanto no antecedente como no conseqüente. Quando a morte for acidental (culposa), porém, o latrocínio será preterdoloso, caso em que a tentativa não será possível.
A tentativa no crime preterdoloso é impossível visto que o resultado agravador não era desejado, e não se pode tentar produzir um evento que não era querido.
Entretanto, no crime qualificado pelo resultado em que houver dolo no antecedente e dolo no conseqüente, será possível a tentativa, pois o resultado agravador também era visado.
Exemplo: o agente joga ácido clorídrico nos olhos da vítima com intuito de cegá-la e deformá-la. Se assim agiu pretendendo o pior para a vítima, e não por circunstâncias alheias à sua vontade, responderá autor por tentativa de lesão corporal qualificada conforme prevê o art. 129, parágrafo segundo, III c/c/ art. 14, II do CP.
O erro de tipo é o que incidente sobre a situação fática ou na relação jurídica descrita quer como elementares ou circunstâncias de tipo incriminador; quer como elementares do tipo permissivo; como dados acessórios irrelevantes para a figura típica. De acordo com a conceituação dada pelo Código Penal é o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal (art. 20, caput, do CP).
Conceito latíssimo é fornecido por Damásio Evangelista de Jesus, para quem erro de tipo “é o que incide sobre as elementares, circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora”.
Para Luiz Flávio Gomes invocando os ensinamentos de Teresa Serra “estamos perante um erro de tipo, quando o agente erra por desconhecimento ou falso conhecimento sobre os elementos objetivos sejam eles descritivos ou normativos do tipo, ou seja, o agente não conhece todos os elementos a que, de acordo com o respectivo tipo legal de crime, se deveria estender o dolo”.
A denominação erro de tipo deve-se ao fato de que o equívoco do agente incide sobre um dado da realidade que se encontra descrito em um tipo penal. Assim, mais adequado seria ao invés de denomina-lo de erro de tipo, mas sim de erro sobre situação descrita no tipo.
Para melhor elucidar o erro de tipo podemos vicejar os exemplos: a) erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar de tipo incriminador: o agente pega uma caneta alheia, supondo-a de sua propriedade.Por essa razão, o erro incidente sobre a situação fática definida como elemento de tipo incriminador, exclui o dolo, impedindo o sujeito de saber que está cometendo o crime.
b)O erro incidente sobre relação jurídica descrita como elementar de tipo incriminador: o agente casa-se com mulher já casada, supondo ser ela solteira, viúva ou divorciada. Operou-se um equívoco sobre o estado civil da nubente, ou seja, sobre a situação jurídica.
Assim, a confusão sobre esse dado da realidade impediu o agente de ter conhecimento de um elemento imprescindível para a existência do crime, excluindo sua consciência e, conseqüentemente, sua vontade de realizar a conduta típica. A conseqüência é a exclusão do dolo. Quanto à mulher, por ter ampla consciência do impedimento, subsiste a conduta dolosa.
O erro incidente sobre a situação de fato descrita como elementar de tipo permissivo que é aquele que permite a realização de fato típico, sem configurar infração penal. Trata-se das causas de exclusão da ilicitude, e, por essa razão, são chamados também de tipos justificadores ou excludentes.
Exemplo: a vítima enfia a mão no bolso pra tirar um lenço, e o agente, supondo que ela vai sacar uma arma, imagina-se em legítima defesa. No caso, o erro sobre o dado da realidade fez com que o sujeito imaginasse a presença de um elemento imprescindível para a excludente, qual seja, o requisito da agressão iminente.
O erro incidente sobre a circunstância de tipo incriminador: em outro exemplo, se o ladrão deseja furtar um bem de grande valor (um relógio de outro), mas por engano, leva um outro bem de valor ínfimo (relógio de lata pintada de amarelo), seu erro incide sobre situação concreta descrita como circunstância privilegiadora do tipo de furto.
Não se há de se cogitar na exclusão de dolo, porque o equívoco não incidiu sobre dado essencial à existência do crime, mas sobre mera circunstância privilegiadora, que penas diminui ou mitiga a sanção penal.
O erro sobre dado irrelevante quando, por exemplo, alguém mata um sósia de sua vítima, o erro incidiu sobre dado irrelevante do tipo de homicídio. O sujeito responde pelo crime, levando-se em conta as características da vítima que pretendia atingir, ante a irrelevância do erro para o Direito Penal.
O erro de tipo é distinto do erro de direito.O erro de direito é o resultante de não aplicação da lei por desconhece-la ou por interpreta-la com equívocos. As pessoas, ao agirem, não cometem enganos sobre tipos, como se os estivessem lendo antes de praticar os mais comezinhos atos. Os equívocos incidem sobre a realidade vivida e sentida diariamente.
Quando essa realidade seja situação fática, seja jurídica, estiver descrita no tipo, haverá o chamado erro de tipo. Assim, este incide sobre situação de fato ou jurídica, e não sobre o texto legal.
Exemplo: O agente vai caçar em área permitida, olha para uma pessoa pensando ser um animal bravio, atira e mata. O erro não foi de direito, mas sobre a situação fática que confundiu uma pessoa com um animal. O fato, porém, sobre o qual incidiu o equívoco está descrito como elementar no tipo de homicídio.
O erro de tipo é um equívoco do agente sobre uma realidade descrita no tipo penal incriminador como elementar, circunstância ou dado secundário ou sobre uma situação de fato descrita como elementar de tipo permissivo(pressuposto de uma causa de justificação).
Também não se confunde com o erro de fato. O erro de tipo não possui o mesmo significado que o erro de fato. Este é o erro do agente que recai puramente sobre a situação fática, já o erro de tipo recai não só sobre os requisitos ou elementos fático-descritivos do tipo (que para serem conhecidos não necessitam de nenhum juízo de valor).
Assim, o erro de tipo pode recair sobre situação jurídica, o que o torna inconfundível e muito, mas amplo que o erro de fato.
No erro de tipo, o agente não sabe que está cometendo um crime, mas acaba de praticá-lo.
No delito putativo por erro de tipo, o sujeito quer praticar um crime, mas, em face do erro, desconhece que está cometendo um irrelevante penal. O delito putativo é o meramente imaginado, que só existe concretamente na mente do agente.
É uma característica do erro essencial impede o agente de compreender o caráter criminoso do fato ou de conhecer a circunstância.
Pode ser invencível, ou seja, inevitável, desculpável ou escusável é o que não podia ser evitado, nem mesmo pelo uso de diligência mediana. Já o erro essencial vencível, ou evitável, ou indesculpável, ou inescusável poderia ter sido evitado se o agente empregasse a mediana prudência.
O erro essencial que recai sobre elementar sempre exclui o dolo, seja evitável, seja inevitável. Se o agente não sabia que estava cometendo o crime, por desconhecer a existência da elementar, jamais poderia querer praticá-lo.
O erro invencível que recai sobre elementar exclui, além do dolo, também a culpa. Se o erro não podia ser vencido, nem mesmo pelo uso de cautela, não se pode dizer que o agente procedeu de forma culposa.
O erro vencível, recaindo sobre elementar, exclui o dolo, pois todo erro essencial o exclui, mas não a culpa. Assim, o agente responderá por crime culposo.
O erro essencial que recai sobre uma circunstância desconhecida exclui esta. Exemplo: o agente praticar o furto de um objeto de grande valor, uma obra de arte raríssima, mas, por erro, acaba levando uma imitação de valor insignificante. Não poderá valer-se do privilégio do segundo parágrafo do art. 155 do CP, uma vez que desconhecia o pequeno valor da coisa furtada.
Referências:
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