O Direito à Educação das crianças em Movimentos Sociais
A educação analisada neste trabalho, questiona a emanipação social da criança acampada em movimentos sociais, através da educação. Dessa forma, destaca-se que o esforço feito pelo MST de incluir a escola em sua dinâmica, vincula-se a um processo pedagógico muito mais amplo, pois reconhece como um lugar de formação humana. Segundo Caldart (2001, p. 40)
um lugar de formação humana ética e politicamente comprometida com a produção de sujeitos capazes de fazer as transformações sociais, que cada vez aparecem como necessárias para a própria restituição da dignidade humana.
Nesse sentido, para que ocorra a emancipação através da educação nos movimentos sociais, neste caso o MST, faz-se necessário o domínio dos conhecimentos escolares, pois, segundo Gadotti ( 2001, p. 93) “a emancipação das camadas populares requer o domínio dos conhecimentos escolares como requisito essencial para a compreenção da prática social.”
A necessidade por educação e a luta que ela ocasiona, pode gerar uma transformação da realidade social e isso é tarefa dos homens que compõem a luta e
neste sentido, ressalta Freire (2005, p. 41)
que a realidade social objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, “inversão da práxis”, se volta sobre eles, e os condiciona a transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens.
Na mesma linha, explica Freire (2005, p. 42) ”que a práxis, porém e a reflexão e ação dos homens, sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela é imposível a superação da contradição opressor-oprimido.”
O MST tem chamado a atenção dos diversos segmentos da sociedade, por trazer na sua ideologia, a luta pela terra e juntamente com isso, trouxeram a luta pela escola, tendo como base fundamental, a própria norma constitucional, garantidora do direito. Resta claro que as famílias “sem terra”, mobilizaram-se para conquistar a escola no campo, lutaram pela possibilidade de uma escola que assumisse a tarefa de produzir uma proposta pedagógica específica para as escolas conquistadas pelo movimento, um exemplo disso são as escolas itinerantes do movimento.
No mesmo modo, é importante destacar que as crianças participam constantemente dessas conquistas, pois foram tomando lugar nas atividades que se faziam necessárias para a garantia de sua própria escola.
Há uma mobilização no sentido de garantir o acesso a educação, em uma escola diferenciada, uma escola que segundo Caldart (2001, p. 140) “construa sua pedagogia vinculada a um movimento pedagógico mais amplo, reconhecendo-se como lugar de formação humana”. No mesmo sentido, acrescenta Caldart (2001, p. 140)
na experiência pedagógica do MST, a luta social aparece como base da educação dos “sem terra”, exatamente porque aciona o movimento como princípio educativo, e mistura-se com outros processos básicos ou potencialmente formadores do ser humano: a relação com a terra, o trabalho,a construção de novas relações sociais de produção no campo, a vida cotidiana de uma coletividade, a cultura, a história, o estudo.
Note-se que esse movimento pedagógico assume-se como uma característica da educação no campo, pois difere dos moldes tradicionais de educação. Nesta maneira ensina Freire (2006, p. 28) “que a educação, portanto implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação.”
O direito a educação constitui um dos direitos sociais previstos no artigo 6º e artigo 205 da constituição federal de 1988. Eis a redação dos artigos supra citados:
Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde,o trabalho, a moradia, o laser, a segurança, a previdencia social, à maternidade e a infância, a assistencia aos desamparados, na forma desta constituição.
Art.205 A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Na Declaração Universal dos Direitos da Criança está previsto a garantia ao acesso a educação em seu Princípio VII
A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuíta e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver suas aptidões e sua indiidualidade, seu senso de responsabilidade social e moral.
Refletir sobre a garantia da educação é uma tarefa necessária, em primeiro lugar, para ajudar a compreender a forma como vem sendo colocada a educação nos assentamentos do MST, compreender a educação e a cidadania, pois como afirma Arroyo (2002, p. 34) entender como que a relação educação e cidadania está contribuindo para a garantia da cidadania dos trabalhadores, ou ao contrario, está contribuido para justificar e racionalizar a sua exclusão.
Ao final dos anos 80 e ao longo da década de 90, surgiram as primeiras escolas no campo, em especial, nos assentamentos do MST, organizadas pelo próprio movimento. Essas escolas trouxeram novidades relacionadas com a educação, metodologia e organização. Neste sentido, afirma Gohn ( 2001, p. 97) que a experiência educacional dos sem-terra chegou a ganhar prêmio do UNICEF. Contudo cabe esclarecer que isso faz refletir sobre as condições de transmissão de conhecimento, pois muitas vezes acontece sob condições totalmente adversas aos padrões tradicionais de escola, é dada num cenário de pobreza e dificuldades, completa Gohn (2001, p. 97)
que isto nos faz concluir que, com vontade política e determinação e muito trabalho, aliados à luta social, é possivel desenvolver educação com qualidade para todos, independentemente da situação sócio econômica.
Os sem terra se educam no próprio contexto do movimento, pois sua atuação desencadeia uma identidade que é própria, fecunda e desafiadora. Do mesmo modo explica Caldart (2001, p. 132)
os sem terra se educam participando diretamente, e como sujeitos, das ações da luta pela terra e outras lutas sociais que aos poucos foram integrando a agenda do MST. É esta participação que humaniza as pessoas: primeiro no sentido de que devolve à vida social pessoas que estavam excluídas dela, e segundo, no sentido de que a pedagogia da luta educa para uma determinada postura diante da vida.
Este processo pode ser interpretado como um processo de formação humana, cuja matriz é o próprio princípio educativo, pois envolve a criança e a torna protagonista de sua própria história. Caldart (2001, p. 133)
fala que participar do movimento da luta vai educando um jeito específico de ser humano, que potencializa o principal traço da humanidade, que é a possibilidade de fazer-se e refazer-se a si próprio, enquanto contesta a ordem estabelecida, problematiza e se produz como sujeitos da história
Respeitar os direitos é essencial para o desenvolvimento social e econômico da nossa sociedade, pois apesar da existência de abundantes instrumentos internacionais que defendem os diretos humanos, Rayo (1998, p. 16) destaca que “a realidade dos fatos exige uma análise dos problemas atuais que impedem sua realização e comprometem o futuro e o sonho de um mundo de paz.”
Devemos democratizar a informação em nossa sociedade, pois a formação de opiniões e valores são fundamentais para a organização social e política do sujeito e conforme destaca Davis e Gatti (1993, p. 75)
é no seio da escola que se encontra uma das muitas possibilidades de entrelaçamento dos processos individuais e histórico-sociais envolvidos na construção do conhecimento. Como é bem sabido, o papel da escola vai além da transmissão exclusiva de conhecimentos arbitrariamente selecionados. Por intermédio de práicas particulares de ensino, valores, hábitos, atitudes e comportamentos são também socializados. Este conjunto de ensinamentos pode ser reproduzido ou superado dependendo dos processos sociais e dos padrões de interação que o definem e lhe dão sentido.
Nessa dimensão, podemos associar a exclusão social à luta pelo espaço na sociedade, pois à medida que se perde a identidade e o espaço social, se é também excluído. Boneti ( 1998, p. 23) diz que os movimentos sociais que congregam as lutas sociais em defesa de segmentos menos protegidos da sociedade também cumprem seus papéis nessa correlação de forças.
Há uma permanente contradição entre os movimentos sociais e o Direito estabelecido, proclamado e reconhecido, como destaca Herkenhoff ( 2004, p. 23)
os movimentos sociais tendem a buscar a construção de uma realidade que está sempre além da realidade posta. Se a realidade posta contentasse a percepção do que é justo e bom, quer por parte do conjunto da sociedade, quer por parte de seus elementos integradores, não haveria razão de luta e, consequentemente, não haveria “movimento social”. O que anima e dá razão de ser aos “movimentos sociais” é justamente a divergência entre o “mundo posto” e um “projeto de mundo”.
O MST é o mais importante movimento social no Brasil contemporâneo, fundado em 1984, é fruto de uma questão agrária que é estrutural e histórica no Brasil, especialmente na região centro-sul do país. O MST busca a construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna para todos os seus militantes. Ainda Herkenhoff ( 2004, p. 21)
As marchas do MST, ao meu ver, são marchas de luta pela justiça, são marchas cívicas de salvação nacional. Quando assusta a migração do campo para a cidade, num país que, por sua imensa extensão territorial, tem vocação agrícola, o que o MST pretende é a migraçãoda cidade para o campo.
Cidadão é aquele que tem participação na sociedade, ou seja, o ser humano é um cidadão quando tem participação integral na sociedade, participação na produção, acesso igualitário aos serviços essenciais, como educação, saúde, segurança. Segundo Boneti (1998, p. 37) “a medida que o Estado promove o desenvolvimento tecnológico, mas não democratiza o acesso a ele de forma que a considerar as desigualdades de acesso, promove um processo de diferenciação social, o que pode levar a exclusão” e dessa forma Boneti ( 1998, p. 39)
a exclusão social, entende-se que se manifesta no mesmo processo de seletividade, de participação da dinâmica produtiva da sociedade, faz com que o sujeito social perca também o direito ao atendimento igualitário nos serviços sociais básicos, como é o caso da educação, da saúde e da segurança, e perca o direito de ser diferente. Em síntese, a exclusão social, onde quer que ela se manifeste, resume-se na exclusão do direito à cidadania.
Ao buscarem reconquistar o direito ao trabalho e à dignidade, estes sujeitos e suas lutas nos ensinam algo mais sobre transformação social, e suas práticas de educação a eles vinculadas. O movimento social tem sido espaço de formação desses sujeitos. Caldart (2001, p.129)
os sem terra do MST estão sendo sujeitos de um movimento que acaba pondo em questão o modo de ser da sociedade capitalista atual e a cultura que ela reproduz e consolida. Fazem isso não porque professsam idéias revolucionárias e nem porque este seja o conteúdo de cada uma de suas tomadas em si mesmas.
Contestam a ordem social pelo conjunto, pois são mais que uma categoria social de trabalhadores que não têm terra; é um nome que revela uma identidade, uma herança trazida e que já pode ser deixada aos seus descendentes. Na educação de sua crianças, no jeito de ser da sua coletividade que projeta valores que não são os mesmos cultivados pelo formato atual de sociedade.
Nessa maneira Gehlen, (1998, p. 137)
Entende-se que é preciso imaginar soluções diversas para uma realidade complexa e plural. Porque, nos assentamentos, não pensar em modelos que valorizam e resgatem a experiência diversa dos agricultores, resguardando as identidades, valorizando-as, a despeito das diferentes expectativas de viabilidade competitiuva e de mercados modernos? Pode-se pensar em modelo que valorize também a experiência acumulada pela tradição da subsistência familiar, com o objetivo primeiro de garantir qualidade de vida, reprodutibilidade ecológica e social e valorização da cidadarnia participativa desses “novos” agricultores.
A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na
condição humana. A educação não é pois, para a sociedade, se não o meio pelo qual ela prepara, no íntimo das crianças, as condições essenciais da própria existência. Gadotti (2005, p. 117)
a educação é a aquisição de arte de utilizar os conhecimentos. É uma arte muito difícil de se transmitir. Sempre que se escreve um manual de verdadeiro valor educacional, pode-se estar quase certo de que algum crítico dirá que será muito difícil ensinar por meio dele. Naturalmente que será mais difícil. Se fosse Fácil, o livro deveria ser queimado, pois não poderia ser educacional.