Culpa in Elegendum

Quando uma empresa vai contratar uma pessoa para trabalhar, ela pede uma lista de documentos pessoais do candidato. Na lista, além da Identidade, do CPF e, é óbvio, da Carteira de Trabalho e Previdência Social, a prevenida empresa pede que o futuro empregado providencie um Atestado de Antecedentes Criminais, que pode ser conhecido como "Folha Corrida".

Aqui no Brasil, um país atolado no lamaçal da criminalidade, da corrupção, da imoralidade, esse procedimento é mais do que justo, pois cada um de nós é considerado bandido (parece até justo) até que se prove o contrário.

Há uma empresa chamada "ELEITORES & ELEITORAS DA LAMA BRASILEIRA LTDA MACRO-EMPRESA", que de dois em dois anos recruta empregados temporários para contratos de trabalho de quatro ou oito anos. Os cargos recrutados são: Vereadores, prefeitos, governadores, presidente, deputados estaduais e deputados federais (contrato de quatro anos); e senadores (há-os de quatro e de oito anos).

Quando os sócios da gigantesca empresa não podiam recrutar pessoas para alguns desses cargos (governadores, presidente, prefeitos de algumas cidades - capitais, instâncias hidrominerais e municípios localizados em áreas consideradas de segurança nacional - esses sócios viviam reclamando para mudar o contrato social e o estatuto dessa malfadada empresa.

Em 1984, a luta esquentou e a empresa logrou êxito. Conseguimos que o presidente, que era recrutado pelos deputados federais e senadores, fosse escolhido sem a exigência de ter quatro estrelas (marechal) ou três (general). O presidente escolhido para 1985-1989 era um sem-estrelas. Em 1985 já houve recrutamento para o cargo de prefeito de capitais e outros municípios onde antes, o cargo era indicado pelo presidente da república. Em 1986 houve uma enorme festa: A primeira vez desde 1964 recrutamos governadores em todos os estados. Dos 23 governadores selecionados por nós, só um não era do PMDB.

Imagine que partido forte, com 22 governantes estaduais. Sabem quem levou os head-hunters (caça-talentos) a escolher essa ruma de mandatários do mesmo partido? O Plano Cruzado, lançado em 27 de fevereiro de 1986, conforme Decreto-Lei 2283/86. Foi o maior estelionato eleitoral que já conhecemos. Nós pensamos que o plano era para durar um bom tempo, mas assim que se anunciaram os nomes dos governadores, o plano foi por água abaixo (descongelou tudo).

Nós, os recrutadores de funcionários para administrar nossa grande empresa "ELEITORES & ELEITORAS DA LAMA BRASILEIRA LTDA MACRO-EMPRESA", não costumamos verificar a folha corrida dos candidatos. Às vezes esse candidato já chega à caça de nossa preferência trazendo extensa lista de crimes os mais diversos. Geralmente aparece estelionato, peculato, concussão, corrupção ativa, corrupção passiva. O problema é que nós, os donos da escolha, não costumamos ir ao dicionário, ou melhor, ao Código Penal, para ver o que significam essas palavras, ou esses crimes.

Muitos dos que participam do processo de escolha não sabem escrever o próprio nome. Como poderiam buscar algo como um dicionário ou um código penal para se informar a respeito de seus futuros empregados?

Mesmo sem saber ler nem escrever, nós podemos ter boas informações sobre nossos potenciais funcionários. Os jornais (os falados, na TV, pois não sabemos ler, mas escutamos) nos deixam a par de tudo que acontece com essa gang, digo, turma.

Então insisto na tese de que temos "culpa in elegendum" no momento de recrutarmos nossos administradores. Não sabemos ler nem escrever, mas temos intuição, podemos nos informar na TV, e quando apertamos os números dos candidatos, aparece uma foto, para que nós, analfaburros, tenhamos a certeza de que os números que apertamos (sem conhecer números, colando pelo "santinho") pertencem de fato àquele que queremos escolher.

António Fernando
Enviado por António Fernando em 27/06/2009
Reeditado em 23/08/2009
Código do texto: T1670432
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