Derrogação da prisão civil em face da Constituição Federal. Incompetência de juízo cível para decretar prisão. Compilação de mandamentos aferentes, do CEMN.
Este texto, tem como escopo demonstrar a impossibilidade de se haver por preso -decorrente de arbítrio cível, através de decisão interlocutória- pessoa que tiver configurado -em determinada prática: inadimplência voluntária e inescusável de obrigação alimentícia e quando, auferindo qualidade de depositário infiel.
Em resposta à estas hipóteses -constitucionais- que garantem a prisão civil, temos as seguintes proposições:
"Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado-parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau." [PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, em seu artigo 5º, 2.];
"Nenhuma disposição da presente convenção pode ser interpretada no sentido de:
a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista." [CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, art. 29, letra a.].
Ambas proposições, afirmam, em favor dos Direitos Humanos, através de -respectivamente: tratado (pacto) e convenção- disposições recepcionadas pela nossa atual Constituição Federal, valendo ressaltar -portanto- os seguintes mandamentos constantes nos arts. 21, 84 e 49 do diploma supra:
"Art. 21. Compete à União:
I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;".
Assim, evidencia-se a necessidade de nosso Estado Federativo pactuar-se, convencionar-se com os ideais estrangeiros, se compatível com os princípios inerentes ao nosso ordenamento jurídico vigente. E foi o que exatamente ocorreu: recepção!
Tal ato é tacitamente cominado no art. 5.º, CF, in verbis:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.".
Se, as presunções propostas pelo tratado e convenção já citados, foram recepcionadas pela nossa Constituição Federal, então, conforme evoca art. 29, letra "a" da CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, "nenhuma disposição da presente convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista."; logo, não há como fundamentar a prisão civil que vai de confronto com a liberdade do indivíduo, ainda que, a própria Constituição Federal atesta que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", o que significa que, haverá de ser respeitado todas as fases do processo para que haja provas suficientes para que o juiz possa motivar sua decisão -quer interlocutória ou não- a fim de que ocorra a prisão legal de determinado.
Mas, podemos nos perguntar: Ora, se quem comete crime tem de ser preso, porquê quem comete ato ilícito não? Indagação que me surte a seguinte resposta: primeiro que, a inadimplência não configura crime, ou seja, a simples ação de não pagamento por força da vontade própria de indivíduo não acarreta crime (fato típico, antijurídico e culpável) e na mesma pista, muito menos prisão, pois que, "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal." (art. 5.º, XXXIX, CF; art. 1.º, CP); segundo que, o não pagamento de pensão alimentícia também não configura crime, logo, seguindo mesma ideia de negação do disposto anteriormente; terceiro, requisito (depositário infiel) que possibilita prisão civil, este sim configura crime, pois que é apresentado o crime de APROPRIAÇÃO INDÉBITA, interpretação sobre a qual se erige os seguintes atributos: "O pressuposto da apropriação indébita é que inicialmente o agente recebe a posse ou detenção lícita da coisa, mesmo sem ter ainda o propósito de cometer um crime. No momento subsequente, quando ele teria que restituir (devolver) a coisa, ele se nega a fazê-lo, ou passa a agir em relação à coisa como se fosse dono (vendendo, doando, etc)."
Assim, utilizando do princípio da razoabilidade e já que os elementos participantes dos requisitos para concretização da prisão civil estão presentes nos verbos do Código Penal, porquê não denunciar (já que se trata de crime de ação penal pública incondicionada) e assim, resolver-se tal querela com a impetração de ação penal contra o réu (depositário infiel)? Porque, aí sim, ficam preenchidos os requisitos legais para a possibilidade de decretação de prisão, isto porque, o juiz -de ofício ou a requerimento da parte (querelante/MP) ou autoridade policial (o que significa que pode ser decretada em qualquer tempo, abrangendo, portanto, desde a instauração do inquérito policial até à setença) pode decretar prisão preventiva, estando presente os elementos imprescindíveis ("Fumus bonis iuris" -prova da materialidade e indícios de autoria- + "Periculum libertatis" -abrangente sob 5 critérios: garantia de ordem pública, garantia de ordem econômica, conveniência da instrução criminal, garantia de aplicação da Lei Penal e condições de admissibilidade).
Nesta pista de entendimento segue o Juiz Gama Pellegrini:
"ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO INFIEL - IMPOSSIBILIDADE - COMINAÇÃO INCONSTITUCIONAL - VIOLAÇÃO DO QUE DISPÕEM O ARTIGO 7°, 7 DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA) E O ARTIGO 11 DO PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
Qualquer tentativa de decretação de prisão civil na hipótese de ação de busca e apreensão convertida em ação de depósito de bem alienado fiduciariamente constitui violação de convenção (artigo 5º, § 2º, Constituição Federal/88), o que é inaceitável. (EI 532.806-01/3 - 12ª Câm. – 2ª TAC - Rel. Juiz GAMA PELLEGRINI - J. 24.6.99).
Mediante o já exposto, se, para a qualidade de depositário infiel converge pena referente a CRIME de apropriação indébita, logo, infração criminal, a competência -conforme oferece Código de Processo Penal- é determinada em favor dos dispostos em art. 69. Ou seja, é competente para apreciação de infração penal, determinado juízo criminal!
Destarte, a decretação de prisão civil (por juízo cível, óbvio), atenta contra o princípio do juiz natural, insculpido -categoricamente- no art. 5.º, inciso LIII da Carta Magna, o qual, in verbis: "Ninguém poderá ser processado ou julgado senão por autoridade competente." (o qual constitui um direito/garantia fundamental que é protegida por outro preceito insculpido no art. 5.º, XLI, CF*), configurando, portanto, inconstitucionalidade.
A respeito da preservação da devida competência e suas subsidiárias alusões, versa o Código de Ética da Magistratura Nacional, em seus art. 1.º - 3.º:
"O exercício da magistratura exige conduta com patível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro. ",
"Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País,
buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos." e,
Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa
humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas."
Quanto à necessidade de aplicabilidade dos acima mencionados, versa o Código de Ética da Magistratura Nacional, ainda:
"Art. 40. Os preceitos do presente Código complementa os deveres funcionais dos juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais disposições legais."
E, promulgou-se a Constituição Federal em 5 de outubro de 1988... Leia-se: publicou-se uma lei com todos os requisitos necessários para a tornar propensa, favorável a executar-se.
* "XLI - A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais."
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Fontes (Referências bibliográficas obtidas pela internet. Configuração segundo Professor M. Fagioli):
(Diedrich, Luis Fernando. Inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=603> Acesso em: 20 maio. 2009
Dicionário virtual: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=escusar>
Melo, Natália Assis. Notas ao delito de estelionato. Disponível em: <http://www.intelligentiajuridica.com.br/old-nov2001/artigo4.html#19.32>. Acesso em: 20 maio. 2009
Oliveria, Josival Félix. Da prisão civil do Dec. Lei 911/69 à luz da Emenda Constitucional nº 45. Disponível em: <http://www.correioforense.com.br/coluna/idcoluna/6/titulo/Da_prisao_civil_do_Dec_Lei_911/69_a_luz_da_Emenda_Constitucional_n%C2%BA_45.html>. Acesso em: 20 maio. 2009
Coutinho, Luis Augusto. Princípio da razoabilidade e a Emenda Constitucional nº 45. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7272>. Acesso em: 20 maio.2009
Toscano, Fernando. O C R I M E
Características, requisitos, elementos e circunstâncias
Ilícito penal e ilícito civil. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/2004/colunas/direito/setembro_01.htm>. Acesso em: 20 maio. 2009
Autor desconhecido. Crimes contra o Patrimônio - Apropriação Indébita. De bibliografia: Bibliografia e obra intelectual -na íntegra- disponível em: <http://www.licoesdedireito.kit.net/penal/penal-apropriacao.html>. Acesso em: 20 maio. 2009
Autor desconhecido. Princípio Do Juiz Natural. Referências bibliográficas e obra intelectual -na íntegradisponíveis em: <http://www.coladaweb.com/direito/juiz.htm>. Acesso em: 20 maio. 2009
Fonte (código):
Vade Mecum Universitário de Direito/ Anne Joyce Angher, organização. -6. ed. - São Paulo : Rideel, 2009, - (Coleção de Leis Rideel).
Fonte (vídeo):
Nestor Távora. Programa Saber Direito - Prisões Cautelares. Engodo: Tv justiça. Hospedeiro: YouTube. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=qGbCW7MbN5o>. Acessado em: 20 maio. 2009