A Investigação Criminal Direta do Ministério Público dentro do Sistema Acusatório
A investigação criminal direta, feita pelo Ministério Público, contradiz o Sistema Acusatório. Tal forma de investigar coaduna muito mais com o Sistema Inquisidor, onde se confundem as funções de juiz, investigador e acusador. Infelizmente, existem correntes que apoiam a investigação direta do Parquet, muitos sob a alegação fatídica de que, "Quem pode o mais, pode o menos...". Triste é ouvir isso em pleno século XXI. Alguns alegam ainda, que a atividade investigatória é absolutamente intrínseca e inerente à condição de órgão acusador, e que a atividade de investigar é inerente e própria do múnus ministerial.
Convém observar, que a Constituição Federal de 1988 prevê somente a possibilidade do promotor de justiça confeccionar inquérito civil e não policial. O Ministério Público não pode substituir a Polícia Judiciária. Nas palavras de Nucci, embora seja possível o controle externo da atividade policial, a CF/88 não lhe reserva a produção direta da investigação. Se assim fosse, seria um choque com o Sistema Acusatório, e caracterizaria usurpação de funções.
Num contexto mais amplo, é interessante comparar a atuação do MP em alguns países europeus. O Ministério Público da França é o titular da ação penal pública e fiscal da lei, entretanto, os seus membros não gozam da estabilidade conferida aos magistrados e estão eles hierarquicamente subordinados ao Ministro da Justiça. A polícia judiciária é subordinada ao Ministério Público, sendo este responsável pelo acompanhamento da investigação e, excepcionalmente, pela sua condução.
Em Portugal, e também na Alemanha, os membros do Ministério Público são denominados magistrados do Ministério Público e possuem a função de praticar todos os atos e assegurar todos os meios de prova necessários à comprovação da existência do crime, à identificação dos agentes e à delimitação das responsabilidades. A função do juiz de instrução é tipicamente garantista, passando por ele todas as decisões da investigação. Já a polícia judiciária, realiza todas as diligências determinadas pelo Ministério Público. Este, por sua vez, pode realizar diretamente determinadas diligências autorizadas expressamente por lei.
As peculiaridades da persecução criminal em cada um destes países tornam tormentosa a formação de parâmetros de comparação válidos, entretanto, parece ser seguro dizer que, para a eficiência da persecução criminal, são indispensáveis um Ministério Público e uma Polícia Judiciária fortes e independentes, com elevada qualificação e mentalidade garantista. Além disto, evidente está a tendência mundial no sentido de uma participação cada vez maior do Ministério Público na fase investigatória.
Separar simplesmente as funções de acusador e investigador não resolve o problema, já que a própria investigação deve ser imparcial, sob pena de macular todo o processo subseqüente. Quem quer que colha as provas necessárias para embasar a acusação criminal, deve ser um órgão técnico, objetivo, imparcial. Já se manifestaram contrariamente à investigação criminal ministerial, dentre os quais os professores Luís Guilherme Vieira, José Afonso da Silva, Miguel Reale Júnior, Eduardo Reale e José Carlos Fragoso. Acrescente-se ainda ou juristas Nélio Roberto Seidi Machado, Antônio Evaristo de Moraes Filho, Juarez Tavares e Luis Vicente Cernicchiaro.Por outro lado, já se manifestaram favoravelmente à coleta de provas pelo Ministério Público os estudiosos Paulo Rangel, Sérgio Demoro Hamilton, José Frederico Marques, Hugo Nigro Mazzilli, Alexandre de Moraes, Afrânio da Silva Jardim, Julio Fabbrini Mirabete, Aloísio Firmo G. da Silva, Maria Emília M. de Araújo, Paulo Fernando Corrêa e Bruno Ferolla.
Os principais argumentos contrários são a ofensa ao Princípio da Equidade, Desvio de Função, e Interpretação Restritiva do Poder Invetigatório.
O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo de forma reiterada e pacífica pela possibilidade ampla de o Ministério Público realizar investigação criminal de forma direta. Ambas as Turmas com competência criminal são unânimes neste sentido, não havendo nota destoante sequer na Corte Especial, quando este colegiado decidiu a matéria em dezembro de 2003 (HC 30683/MT).
A questão em voga já esteve em debate perante o Supremo Tribunal Federal em mais de uma ocasião. Ao contrário do ocorrido no STJ, onde o amplo poder investigatório do Ministério Público em matéria criminal é reconhecido de forma pacífica, no STF a questão ainda não assumiu contornos definitivos. Os precedentes não são fartos, nem a posição pacífica.
Diante de uma visão Garantista e mais ajustada do processo penal, o Ministério Público perde seu caráter de acusador implacável. Como diz sabiamente Hugo Nigro Mazzili, no processo acusatório sua função é "Zelar pela justiça, e não pela condenação".
Referências Bibliográficas:
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6ª ed. rev. atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
TERUYA, Vanessa. Investigação Criminal Direta do Ministério Público X Garantismo Penal . In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 53, 31/05/2008 [Internet].
Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2904. Acesso em 06/05/2009.
PONTES, Manuel Sabino. Investigação criminal pelo Ministério Público: uma crítica aos argumentos pela sua inadmissibilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1013, 10 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8221>. Acesso em: 06/05/ 2009.