Direito Processual Civil em perspectiva

A articulista aborda superficialmente o conceito da ciência processual e suas respectivas fontes

O conceito do Direito Processual Civil é controvertido e diverge quer na doutrina nacional como também na estrangeira.

Hernando Devis Echandia(processualista latino-americano de grande prestígio e considerado por alguns como o maior processualista contemporâneo) define como “ o ramo de Direito que estuda o conjunto de normas e princípios que regulam a função jurisdicional do Estado em todos os seus aspectos e que, portanto, fixam o procedimento que se há de seguir para obter a atuação do direito positivo nos casos concretos, e que determinam as pessoas que devem submeter-se à jurisdição do Estado e os funcionários encarregados de exercê-las.”(Hernando Devis Echandia, teoria General Del Processo, tomo I, Buenos Aires: Editorial Universidad , 1984, p.6).

Já o doutrinador mexicano Jose Becerra Bautista conceituou o Direito Processual inspirado em Paolo D`Onofrio, propugnando ser esse “o conjunto de normas que têm por objeto e fim a realização do direito objetivo através da tutela do direito subjetivo, mediante o exercício da função jurisdicional”.

Sergio Bermudes define o Direito Processual Civil como o ramo da ciência jurídica que trata do complexo de normas reguladoras do exercício da jurisdição civil.

Segundo Humberto Theodoro Junior funciona o direito processual civil então, como principal instrumento do Estado para o exercício do Poder Jurisdicional.

É conveniente frisar que é a doutrina italiana a que mais influencia o direito processual brasileiro. E dentre os italianos, destacam-se Crisanto Mandrioli que define o Direito Processual Civil como “o ramo da ciência jurídica que estuda a disciplina do processo civil”

Enrico Tullio Liebman pontifica que é “ramo do Direito destinado precisamente à tarefa de garantir a eficácia prática e efetiva do ordenamento jurídico, instituindo órgãos públicos com a incumbência de atuar essa garantia e disciplinando as modalidades e formas de sua atividade”.

Moacyr Amaral Santos define o Direito Processual :”é o sistema de princípios e leis que disciplinam o processo”.

A moderna doutrina processualista enxerga o direito processual “o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição pelo Estado-juiz, de ação pelo demandante e da defesa pelo demandado.”

Aliás, a influência de Liebman sobre o direito processual brasileiro é grande discípulo de Chiovenda (um dos maiores processualistas do mundo), deve-se particularmente pelo fato de que o referido doutrinador morou e lecionou no Brasil na época da Segunda Grande Guerra Mundial, na Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco em São Paulo e fundou a escola que ficou conhecida a “Escola processual de São Paulo.”.

As principais teorias defendidas por Liebman foram consagradas em nosso CPC, o que mais tarde, resultou no anteprojeto elaborado pelo saudoso Alfredo Buzaid.

Para Alexandre Freitas Câmara define o Direito Processual como ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional.

Portanto o Direito Processual deve ser examinado como ciência e como direito positivo. E seu objeto central é a jurisdição, o que levou a boa parte da doutrina em desejar denominá-lo de Direito Jurisdicional.

A jurisdição põe, para ser exercida depende de uma série de outros institutos estreitamente ligados a ela, como a ação, o processo, a sentença, os recursos , a coisa julgada e demais institutos jurídicos capazes de viabilizar seu exercício adequado pelo Estado.

Quanto a atual denominação nem sempre foi bem aceita pela unanimidade dos especialistas, e os mais antigos preferiam designar Direito Judiciário como, por exemplo, João Mendes de Almeida Junior.

Porém é inadequada pois pode dar a entender que abrange também a organização judiciária.

A atual denominação é mais utilizada por Chiovenda, Liebman, Mandrioli e também pela doutrina brasileira por Moacyr Amaral Santos, Humberto Theodoro Junior e Vicente Greco Filho.

De qualquer modo tal denominação produz uma falsa idéia de que é o processo e não a jurisdição o objeto mais importante de tal ciência, em verdade, o processo é tão-somente um meio de que se vale o Estado para exercer a função jurisdicional. Já Juan Montero Aroca defende a denominação de Direito Jurisdicional.

Não há dúvida que o Direito Processual se situa dentro da família do direito público ( em face da afirmação da autonomia científica do Direito Processual). É o ramo do Direito em que há insofismável predomínio do Estado e, particularmente do poder soberano da jurisdição.

A evolução científica do Direito Processual divide-se em três fases: a imanentista, a científica e a instrumentalista.

A primeira fase, a imanentista é a correspondente à fase anterior a autonomia científica do Direito Processual, via-se o processo como mero apêndice do direito material era o direito processual desta forma um mero direito adjetivo.

Em 1868, o jurista Oskar von Büllow denominada de Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais e se inicia com o desenvolvimento da teoria do processo visto como relação jurídica.

Com a fase científica do Direito Processual este então passa a integrar o direito público e começa-se a fixar os principais conceitos, é quando também surgem os maiores doutrinadores como Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei, Liebman(Itália); Adolf Wach, Léo Rosenberg, James Goldschmidt(Alemanha); James Guasp(na Espanha): Alfredo Buzaid, Lopes das Costa, Moacyr Amaral Santos(Brasil).

E se vive hoje o Direito Processual, a sua fase instrumentalista onde se esforça para aprimorar o exercício da prestação jurisdicional tornando-a segura, célere e o mais próximo que possível da justiça.

O processo deixa de ser mero instrumento ou meio de atuação do direito material, e passa a ser instrumento do qual se serve o Estado para alcançar nobres objetivos sociais, jurídicos e políticos.

Entre os doutrinadores desta fase, ressalta-se Mauro Cappelletti além dos brasileiros José Carlos Barbosa Moreira e Cândido Rangel Dinamarco.

O CPC de 1939 foi elaborado à luz das teorias de Chiovenda, já o posterior foi uma homenagem a Liebman. O CPC de 1973 ( o vigente) foi, todavia reformado por uma série de leis que alteraram diversos preceitos e princípios, todas reformas inspiradas na fase instrumentalista do processo.

Abordar as fontes do Direito Processual Civil é cogitar do lugar de onde são oriundos os preceitos jurídicos. As fontes formais são aquelas que possuem força vinculante, sendo portanto obrigatórias para todos. São responsáveis pela criação do direito positivo.

Enquanto que as fontes materiais não possuem força vinculante porém servem para indicar o verdadeiro sentido das fontes formais.

Considerando a Constituição Federal Brasileira como fonte formal, o direito processual pode ser dividido em: Direito Constitucional Processual e o Direito Processual Constitucional. O primeiro, corresponde ao conjunto de normas de índole constitucional cuja finalidade é garantir o processo e, tanto quanto possível, o processo justo.

Enquanto que o Direito Processual Constitucional é o conjunto de normas de índole processual que se encontram na Carta Magna com o fim de garantir a aplicação e hierarquia desta.

E regulam entre outros o mandado de segurança, o recurso extraordinário e o mandado de injunção. O CPC é uma lei ordinária federal 5.869/73, sendo esta também um bom exemplo de fonte formal do Direito Processual Civil.

Em nosso sistema, a competência privativa da União, legislar sobre o Direito Processual (art.22, I CF), com a CF/88 inovou-se e se admitiu a competência concorrente dos Estados e o Distrito Federal para legislar sobre procedimentos em matéria processual( art. 24, XI, CF).

De qualquer modo, permanece a exclusividade da União para legislar sobre a matéria processual, sendo as demais competências, adstritas apenas a editar normas suplementares bem como referente o processo administrativos de apoio do processo e não o procedimento judicial já que este é inseparável do processo.

Igualmente o tratado internacional é fonte formal do Direito Processual Civil e, neste sentido, este está em completa paridade hierárquica com a lei ordinária interna.

Também os princípios gerais do Direito representam fontes de caráter material do Direito processual Civil e, vários princípios possuem especial relevância como por exemplo, o que diz que ninguém que alegue a própria torpeza pode ser ouvido, e ainda, o alegado e não provado, é como não alegado.

Outra importante fonte material é o costume que é uma conduta que gera a sensação de obrigatoriedade para sua realização. E somente os costumes secundum legem e praeter legem (prévios à lei) podem ser tidos como fontes materiais do direito processual.

É costume dos juízes que após finda a fase postulatória, determine-se aos litigantes que especifiquem provas que pretendem produzir, tal costume é noticiado por Cândido Rangel Dinamarco.

A analogia é, por fim, uma operação em que se aplica a um caso para o qual inexiste norma especificadamente, utilizando-se da norma prevista originariamente para um caso semelhante. Aliás, a lacuna da lei não pode ser usada como desculpa para que o juiz deixe de decidir, cabendo-lhe supri-la pelas fontes materiais do Direito Processual Civil.

O CPC vigente está dividido em cinco livros: Do processo de conhecimento; Do processo de execução; Do processo cautelar; Dos procedimentos especiais e das Disposições finais e transitórias. O mais longo é o primeiro com 565 artigos, o que se justifica, inclusive a aplicação de suas normas quando não houver norma específica em contrário.

As normas referentes ao processo de conhecimento atuam, em grande parte, como normas gerais para todo o processo (de conhecimento, de execução, cautelar e procedimentos especiais), o que gera certa dificuldade hermenêutica onde deverá o intérprete procurar identificar os mandamentos verdadeiramente gerais e os próprios de cada tipo de processo.

É importante frisar que o Direito Processual é uno, assim como é una a jurisdição sendo sua divisão mais por critério didático e prático do que por critério científica.

Tradicionalmente a doutrina com fins didáticos classifica o direito em dois grandes ramos, a saber: direito público e direito privado. O Direito Processual é ramo do direito público onde prevalece a supremacia estatal frente aos demais sujeitos.

Portanto, o Direito Processual Civil é constituído de normas ditadas pelo Estado, que são de ordem pública e de observação cogente pelos particulares, marcando uma relação de poder e sujeição dos interesses dos litigantes ao interesse público.

A referida dicotomia havia entre público e privado é apenas utilizada para sistematização do estudo, pois modernamente, entende-se plenamente que resta superada a referida divisão, tendo em vista que ambos os ramos tendem a se fundir em prol da função social perseguida pelo Direito.

Tanto assim é trivial cogitar-se da constitucionalização do direito e quiçá do direito civil. Assim Humberto Dalla assinala que o direito processual é ramo da ciência jurídica que trata dos conjuntos de regras e princípios que regulamentam o exercício da função jurisdicional do Estado.

Assim, a jurisdição será o objeto de estudo mais aprofundado e constitui forma estatal por excelência de composição de litígios, embora não seja a única.

A doutrina classifica as formas de resolução de conflitos em autodefesa, autocomposição e heterocomporisção. Essa última poderia ser a jurisdição, ou por um particular, em certos casos permitidos em lei (arbitragem).

O Desembargador Cláudio Vianna apud Humberto Dalla em suas lições na EMERJ apontava que a jurisdição é função privativa do Estado, mas não solução dos conflitos, que se pode ocorrer através de diversos mecanismos paraestatais.

Permite o Estado a autodefesa em situações excepcionais tais como a legítima defesa no âmbito penal( art. 25 do CP), no desforço possessório (art. 1.210, primeiro parágrafo do C.C), no direito de retenção locatário (art. 578 do C.C) e do depositário (art. 644 do C.C), bem como no direito de greve, constitucionalmente amparado conforme o art. 9º da CF na esfera do direito do trabalho.

E, tais exceções são justificáveis pelo fato do Estado nem sempre estar presente no momento exato quando um direito é violado. Assim, para se evitar o perecimento do direito, seu titular poderá valer-se por conta própria para garanti-lo, nos casos em que a lei permitir, desde que o faça imediatamente após a violação, ou quando o direito estiver prestes a ser vulnerado, devendo haver sempre, a proporcionalidade entre o agravo sofrido e a reação.

Constata-se que superado desenvolvimento científico do processo, contemporaneamente se pugna pela efetividade, celeridade de forma a viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.

Em doutrina distinguem-se, duas correntes acerca da sistematização do direito processual: a que acredita na unidade de uma teoria geral do processo, numa visão unitarista e a que sustenta a separação entre a ciência processual civil e a penal, por constituírem ramos dissociados e divorciados, numa visão dualista.

A posição mais adequada é a que defende a existência de uma única teoria geral do processo, aplicável tanto no ramo cível, como criminal, trabalhista, tributário e até administrativo. Posto que obedece a uma estrutura básica e comum a todos esses ramos, além de fundada nos institutos jurídicos da ação, da jurisdição e do processo.

Mas tal corrente não pretende afirmar a unidade legislativa, apesar de que a concepção da Teoria Geral do processo permite uma condensação científica de caráter metodológico, harmônico e coordenado, dotada de importantes conceitos, princípios e estruturas do direito processual.

O estudo da Teoria Geral do Processo é resultado da autonomia científica galgada pelo Direito Processual e tem como enfoque o complexo de regras e princípios que disciplina o exercício da jurisdição, da ação bem como o processo, procedimento e seus pressupostos.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 11/04/2009
Reeditado em 04/05/2009
Código do texto: T1533912
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