Comentários aos crimes contra o patrimônio

Trata-se de uma despretensiosa abordagem didática sobre o tema.

Preferiu-se a expressão patrimônio, abandonando-se a referência a propriedade que constava em códigos anteriores e evidentemente se mostrava inadequada.

Juridicamente, entende-se por patrimônio o complexo de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro ou com certa expressão econômica. É uma universitas iuris, ou seja, uma universidade de direitos tratado como unidade abstrata e distinta dos elementos que a compõem.

Acrescente-se ao conceito de patrimônio a ótica privada que dá ênfase ao aspecto econômico traduzindo por ser um complexo de bens, através dos quais os homem satisfaz suas necessidades.

A tutela do Direito Penal sobre o patrimônio é autônoma e, por essa razão, se faz de forma peculiar e constitui interesse do direito público apesar da nota de Manzini que ressalta que o Direito Penal necessariamente acolhe determinadas noções do direito privado, como as de posse e propriedade, estabelece outras vezes preceitos que são autônomos e inclusive diversos dos civilísticos.

A reunião dos crimes contra o patrimônio compõe o Título II da Parte Especial do CP. Patrimônio, conforme Clóvis Beviláqua, é “é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico”. E que inclui não apenas os direitos reais como também os direitos obrigacionais. Já os direitos intelectuais, como o direito de autor (patentes , marcas e etc.) apesar de serem patrimoniais restam protegidos em outro título o III que trata dos crimes contra a propriedade imaterial, e em lei especial (Decreto-lei 7.903 de 27-8-1945).

Nem todos os crimes patrimoniais estão previstos neste título II da parte especial do CP. Não só a usura, mas também os crimes falimentares estão incluídos em leis extravagantes.

Nestes crimes, cabe, sem dúvida, a busca e apreensão da coisa que constitui o objeto material da ação, pois constitui o corpo de delito(art. 240CPP).

Não há tratamento diferente em razão de maior ou menor valor da lesão patrimonial mas tratando-se de furto, apropriação indébita ou estelionato, quando a res furtiva é desviada ou captada e é de pequeno valor e desde que o agente seja criminoso primário, pode o juiz substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um até dois terços, ou aplicar somente a de multa(art. 155,§ 2º, 170, 171,§ 1º do CP).

A energia elétrica para fins jurídicos é equiparada a coisa móvel, e é reconhecida como objeto de furto bem como qualquer outra energia que tenha valor econômico.

Somente quando há o uso de força, grave ameaça ou outro meio tendente a suprimir a resistência pessoal da vítima passa o furto qualificado configurar-se como roubo.

No caso de violência contra a coisa ou quando o crime é praticado com escalada ou emprego de chaves falsas, não deixa de ser furto, embora seja especialmente aumentada a pena.

Também majora a pena o furto com o uso de destreza ou de meio fraudulento, com abuso de confiança ou concurso de dois ou mais pessoas.

Não se confunde o furto com abuso de confiança com a apropriação indébita pois nesta a posse direta e desvigiada da coisa é anteriormente concedida ao agente pelo próprio dono(dominus ou proprietário).

É prevista como agravante especial do furto a circunstância de ter sido o crime praticado “durante o período do sossego noturno”. A violência como elementar do roubo, não é somente para o efeito da apprehensio da coisa, mas também exercida após o fato para assegurar ao agente , em seu proveito ou de terceiro, a detenção física da coisa subtraída ou a impunidade.

A extorsão possui tratamento penal idêntico ao conferido ao roubo mas se é praticada mediante seqüestro de pessoa, a pena é muito aumentada. Se resulta morte do seqüestrado, é cominada a maior sanção penal que é a reclusão por 20 a 30 anos e multa.

A severidade punitiva é plenamente justificada pelo cunho brutal e cruel essa modalidade de crime. A extorsão indireta prevista no art. 160 CP, isto é, o fato de exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro. Visa o dispositivo coibir os chamados agentes da usura.

Já a usurpação é uma lesão de interesse jurídico da inviolabilidade da propriedade imóvel. Desta forma, a alteração de limites(art. 161), a usurpação de águas(art. 161, § 1o, I) e o esbulho possessório quando praticado com violência à pessoa, ou mediante grave ameaça, ou concurso de mais de duas pessoas(art. 161,§ 1º, II).

A violência contra a pessoa, sob a forma de invasão possessória, é condição de punibilidade, mas, se dele resulta outro crime, haverá concurso material dos crimes, aplicando-se, somadas as respectivas penas(art.161,§2º).

Também é caracterizada a usurpação na alteração ou supressão de marca ou qualquer sinal indicativo de propriedade em gado ou rebanho alheio, para dele se apropriar, no todo ou em parte.

Distingue-se a usurpação do abigeato, isto é o furto de animais, No entanto, se esse meio fraudulento é usado para dissimular ao anterior furto dos animais, já não mais se trata de usurpação, sendo que o crime continuará sob o nomen iuris de furto.

A fórmula genérica adotada para descrever o crime de dano e, a seguir, prevendo agravantes e modalidades do crime serve para proteger a propriedade de coisas móveis ou imóveis.

Afirma Noronha que até o proprietário pode ser sujeito ativo doc rime em que outrem houver legitimamente a posse da coisa. Pondera Hungria, com efeito, já que o dispositivo se refere a coisa alheia, que no caso, ocorrerá o crime previsto no art. 346 do CP(subtração, supressão ou dano a coisa própria na posse legal de terceiro).

A lei atual também considera como variante de dano, a destruição de documentos públicos ou particulares ou contra a administração pública.

O furtum improprium que corresponde a apropriação indébita é conceituada, em suas modalidades com inovações.

A pena que passa a ser de reclusão por um a quatro anos e multa, é aumentada de um terço, se ocorre infidelidade do agente como depositário necessário ou judicial.

É especialmente equiparado à apropriação indébita o fato de o inventor do tesouro em prédio alheio que retém para si a quota pertencente ao proprietário deste.

O estelionato possui três pontos de sua fórmula genérica:”obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou outro meio fraudulento.”

Contempla a hipótese de captação de vantagem para terceiro, declara que deve ser ilícita e acentua a fraude elementar do estelionato que é induzir e manter alguém em erro preexistente.

Mesmo o silêncio quando fraudulento ou intencional constitui meio fraudulento característico do estelionato.

Entre os não contemplados na lei em vigor, a fraude contra seguro contra acidentes e a frustração de pagamento de cheques art. 171,§ 2º,VI do CP.

Criminoso, ou melhor, estelionatário é quem emite cheque sem provisão de fundos tanto como aquele, que embora dispondo de fundos, maliciosamente susta ou ilude o pagamento, em prejuízo do portador.

São relevantes a atenuação da pena de certas fraudes de menor gravidade, como sejam a “usurpação de alimentos”, a pousada em hotel e a utilização de meio de transporte, sabendo o agente ser-lhe impossível efetuar o pagamento.

Em capítulo especial, do Código Penal Brasileiro, como crime sui generis contra o patrimônio, e com a pena própria, é prevista a receptação que se define como forma de cumplicidade post factum, resultando a aplicação de pena majorada.

Apesar da doutrina distinguir a receptação dolosa da culposa, a lei penal originariamente injustificadamente equipara.

Tratando-se o receptador de criminoso primário, poderá o juiz, em face das circunstâncias, deixar de aplicar a pena, ou substituí-la por medida de segurança.

A lei criou uma figura de receptação dolosa qualificada, como crime próprio, praticado na atividade comercial, definindo-o no § 1o. do art. 180. Tal tipo penal da receptação fora recentemente alterado pela Lei 9.426 de 24/12/1996.

Exige-se para a tipificar a receptação que o agente saiba que se trata de produto de crime. Não basta a dúvida,própria do dolo eventual, o que servir para em tese apenas caracterizar a receptação culposa.O dolo deve ser contemporâneo a conduta.

O furto é crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa excetuando o próprio proprietário da coisa. A conduta típica do furto é subtrair, e o objeto material é a coisa alheia móvel.

Coisa para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível, suscetível de apreensão e transporte, incluindo os corpos gasosos. Coisa, é tudo aquilo que pode ser destacado ou subtraído.

Tem-se decidido pela incidência do princípio da insignificância ou crime de bagatela, quando a coisa subtraída possui ínfimo valor, mesmo porque na realidade não há verdadeira lesão ao patrimônio da vítima.

A falta de periculosidade social exclui a responsabilidade penal. O crime de furto exige o dolo e, ainda o dolo específico que é a intenção de ter a coisa para si ou para outrem. É o chamado animus furandi.

É necessário, porém, que o agente tenha consciência de que se trata de bem alheio.

Se o agente foi impedido de se apossar definitivamente da res furtiva por motivo alheio à sua vontade, trata-se de tentativa de furto.Configura crime de furto, e não roubo quando a vítima sofre o chamado de “trombada”.

É o emprego da violência física ou moral, contra a pessoa, ou de qualquer outro meio para reduzi-la à incapacidade de resistência”. Hungria

Diante da tentativa é cabível a redução de 1/3(um terço) da pena básica. Há também o furto qualificado com destruição ou rompimento de obstáculo.

Não há qualificadora quando o rompimento é de parte da coisa subtraída e não obstáculo à sua subtração como é perfeitamente claro na descrição da qualificadora.

O furto com a destreza demonstra habilidade física ou manual doa gente, o que permite que o crime ocorra sem que a vítima perceba.A escalada é a utilização de via anormal para penetrar na casa ou local em que vai se praticar o furto, exige que o criminoso se utilize de cordas, escadas e etc., ou atue com agilidade ou esforço incomum para vencer o obstáculo.

O roubo é crime comum e não especial, e o concurso de pessoas qualifica o crime. A violência (vis physica) consiste no desenvolvimento de força física para vencer resistência real ou suposta, de que podem resultar morte ou lesão corporal ou mesmo sem a ocorrência de tais resultados (vias de fato).

É necessário a vis corporalis dirigida à vítima e não à coisa, exige-se o dolo assim como o furto. Somente se consuma o roubo ou o furto com a inversão da posse mansa e pacífica e fora da vigilância da vítima.

O que a doutrina denomina de roubo impróprio(art. 157, § 1o. do CP) em que o agente emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça não como meio para subtração, mas após esta, a fim de assegurar a impunidade ou detenção da coisa para si ou para outrem.

Tal violência deve ser exercida imediatamente após subtração e com o fim apontado pela lei.

A extorsão é semelhante ao roubo há uma conduta da vítima. Na extorsão sempre cabe a vítima alguma possível opção, o que não ocorre quanto ao roubo onde o ofendido é obrigado a entregar de imediato a coisa.

A extorsão se constitui através de violência moral, futura e incerta assim como é futura a vantagem a qual visa o agente.

A distinção entre extorsão e estelionato prende-se ao meio empregado, pois naquela a vontade da vítima é intimidada pela grave ameaça ou violência enquanto que neste, pela fraude.

No delito de concussão, o sujeito ativo será necessariamente funcionário público, eis que se trata de crime contra a Administração Pública, exige da vítima em razão da função pública a vantagem indevida.

Assim como o roubo, a extorsão é crime complexo que absorve os demais tripos penais que lhe são elementares. Nada impede a caracterização de crime continuado de extorsão contra a mesma vítima ou diversas vítimas.

Já o crime de extorsão mediante seqüestro é não só plurissubsistente mas também permanente, pois sua conduta e consumação se prolonga no tempo.É crime consumado independentemente do pagamento do resgate.

Nada impede que policiais o pratique, mediante a utilização das dependências públicas para o encarceramento.

A conduta típica do art. 159 do CP é a de seqüestrar que deve durar tempo juridicamente relevante, sendo irrelevante os meios pelos quais a vítima é arrebatada(se com violência, grave ameaça ou até fraude).

Também é irrelevante o local onde fica retida a vítima. È considerado crime hediondo pelo art. 1 da Lei 8.972/90.

Por descuido do legislador pátrio, deixou-se de aplicar cumulativamente a pena de multa, que é também aplicável aos fatos ocorridos antes da vigência da lei que dispôs sobre os crimes hediondos.

Consuma-se, como crime formal ou de consumação antecipada com a simples privação de liberdade e de locomoção da vítima.

Trata-se de crime permanente e deste forma momentos antes da libertação da vítima, podem os autores serem presos em flagrante delito.

Será qualificada a extorsão mediante seqüestro em várias hipóteses, a primeira delas é quando durar mais de 24 horas o seqüestro, o que implica em maior sofrimento a vítima e aos seus familiares.

Nos crimes de alteração de limites, usurpação e esbulho possessório sendo a propriedade particular e inexistindo a violência, procede-se mediante ação penal privada que deverá ser movida pelo proprietário.

Tratando-se de propriedade pública ou ocorrendo a violência, deverá ser instaurada por meio de ação pública incondicionada.

Recentemente, a Lei 9.983 de 14.7.2000 acrescentou o crime de 168-A e o 337-A que corresponde a apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, sendo o sujeito ativo( firma individual, sócios, gerentes, diretores e até agentes financeiros), mas até mesmos agentes públicos podem praticar o delito.

Estelionato é crime comum onde é perfeitamente possível a co-autoria ou participação.Sendo ao gente comerciante e decretada a falência, pode o fato constituir crime falimentar.É a fraude o elemento mais importante na caracterização do tipo.

Segundo a doutrina, não há fraude civil e, sim estelionato quando houver propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente econômico, caracterizando antes um dano social do que o meramente individual.

Certo é que mero inadimplemento contratual não é estelionato. È indispensável para sua tipificação a fraude.

Exige-se o dolo que é a vontade de obter a vantagem ilícita, e se configura como consumado o delito quando o agente obtém a vantagem indevida.

Por isso, a Súmula do 48 STJ: “Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante a falsificação do cheque.”

Trata-se de crime material e exige para sua consumação o enriquecimento doa gente, bastando o prejuízo patrimonial do ofendido.

Havendo concurso de crimes com o uso de documento falso, há o concurso material entre os dois delitos, daí o provimento da Súmula 17 do STF.

Distingue-se a receptação do crime antecedente de contrabando, conforme a conduta descrita no art. 334, § 1º, do CP.

Embora a íntima afinidade entre a receptação e o favorecimento real, distinguem-se pois aquela é dirigida contra o patrimônio alheio enquanto que este é perpetrado contra a Administração Pública, e consiste em prestar, o agente, auxílio ao criminoso, permitindo-lhe tirar proveito do delito praticado.

O art. 182 do CP prevê a imunidade relativa ou processual consistente na necessidade de uma condição de procedibilidade, ou seja, de representação para a instauração de ação penal pública nas hipóteses pela lei, e sempre por razões de política criminal.

A imunidade relativa entre irmãos sendo irrelevante qualquer distinção. Não prevalece o parentesco por afinidade, mas apenas o decorrente de adoção.

A imunidade relativa entre cônjuges separados, todavia, é inexistente se houver o divórcio ou a anulação do casamento ou também referir-se a ex-concubinos.

Há ainda a imunidade relativa quando o fato envolve tio e sobrinho desde que morem sob o mesmo teto, juntos, e em relativa dependência.

Não ocorre a imunidade se houver mera hospitalidade ocasional ou temporária. Trata-se de rol taxativo não se estende ao primo.

A lei exclui expressamente as imunidades em face dos crimes praticados com violência ex vi o art. 183 do CP.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 11/04/2009
Reeditado em 05/04/2011
Código do texto: T1533826
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